sábado, 7 de setembro

O coração do nosso Rei

Compassivo e poderoso

Vendo-a, o Senhor se compadeceu dela e lhe disse: Não chores! (Lc 7.13)

O Sermão da Planície é desafiador. É um convite para desfrutar a bênção da vida no Reino de Jesus – uma descrição da melhor vida possível – mas, por essa vida ser tão contracultural e contraintuitiva, é necessário que façamos uma longa e dura análise de nós mesmos. Jesus não faz concessões nem negocia. Se levarmos suas palavras a sério, elas nos transformarão.

Não desejo, neste capítulo final, enfraquecer ou diminuir quaisquer dos meios pelos quais o Espírito tem trabalhado em você enquanto lê; ou apontar maneiras pelas quais você precisa mudar para viver tudo como um discípulo de Jesus; ou talvez até mesmo mostrar que você precisa realmente depositar sua fé nele como Senhor e Salvador e tornar-se um discípulo de Jesus. Mas, ao mesmo tempo, as Escrituras tratam, em primeiro lugar e acima de tudo, da glória e da bondade de Jesus, e não de nós. Como o próprio Jesus nos disse, cada árvore é conhecida por seu próprio fruto, e o que uma pessoa faz é o que revela o que está em seu coração. Logo, é o viver de alguém que nos mostra se podemos confiar nele e se devemos ouvi-lo e segui-lo. Isso é verdade tanto para Jesus quanto para qualquer outra pessoa. Portanto, neste capítulo, vamos deixar em segundo plano o que Jesus disse e vamos nos concentrar em como Jesus é, pois aquele que nos chama a segui-lo como Senhor é aquele que é cheio de compaixão por nós.

A declaração da missão

No Evangelho de Lucas, se no Sermão da Planície temos Jesus descrevendo a vida no seu Reino, em suas palavras na sinagoga, alguns capítulos antes, temos Jesus nos dando a declaração da missão de sua própria vida:

Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor’. Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. Então, passou Jesus a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir. (Lc 4.16-21)

Jesus está dizendo: Estou aqui para anunciar boas-novas, para trazer liberdade aos oprimidos pelo medo, pelas trevas e pela morte, e para anunciar o alvorecer da graça do Senhor. Mas, tão impressionante quanto o que Jesus disse é o que ele não disse, pois em Isaías não há ponto final após “Senhor”. O profeta está aguardando aquele que virá “apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus” (Is 61.2, ênfase acrescentada).

Por que Jesus parou antes de ler essa parte? Não é porque não haverá um dia da vingança, mas por que aquele dia não tinha chegado – e ainda não chegou. Jesus estava dizendo que seu ministério era supremamente de compaixão e de misericórdia. É como se ele fosse a encarnação do que Paulo diz em Romanos 2: “a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento” (v.4), um arrependimento que resulta em perdão e a vida eterna no lugar de julgamento e condenação. Jesus é a bondade, vindo para convidar as pessoas a voltarem para debaixo do seu governo e para entrarem em seu Reino; vindo para morrer a fim de abrir o caminho para o seu reino por toda a eternidade. É provável que nenhum de nós tenha apreciado completamente quão bondoso e compassivo Jesus é, bem como quão poderoso. Porém, essas características maravilhosas – sua compaixão é seu poder – ficam claras conforme Jesus finaliza o seu Sermão da Planície e cruza com dois indivíduos, ambos devastados pela tristeza.

Pedir é tudo o que é necessário 

O primeiro desses dois indivíduos era um centurião romano, um homem que provavelmente tinha enfrentado e superado desafios no campo de batalha, e que desfrutava uma posição de certa proeminência em sua comunidade. Como seria próprio de um homem da sua estirpe, ele tinha escravos em sua casa. Os escravos romanos tinham pouquíssimos direitos, mas esse centurião tinha pelo menos um servo a quem ele “muito estimava” (Lc 7.2). No entanto, esse servo estava agora “doente quase à beira morte”. De alguma forma, esse soldado romano havia “ouvido falar a respeito de Jesus”. Como não se tornara centurião por ser um tolo, ele parece ter dito a si mesmo, Jesus é judeu, e eu não sou judeu. Tenho alguns amigos que são líderes judeus. Seria melhor pedir a eles que fizessem as apresentações para mim. Assim, ele “enviou-lhe alguns anciãos dos judeus, pedindo-lhe que viesse curar o seu servo” (v. 3). (Observe o nível da fé dele aqui).

Assim, os anciãos judeus saíram em busca de Jesus e pediram que ajudasse o centurião. “Ele é digno de que lhe faças isto”, disseram a Jesus, “porque é amigo do nosso povo, e ele mesmo nos edificou a sinagoga” (vv. 4-5). Isso é o que poderíamos chamar de abordagem religiosa com relação a Deus: Essas são as coisas boas que essa pessoa fez; portanto, essa pessoa é digna de sua ajuda e bênção divinas. Antes de Jesus chegar à sua casa, porém, de alguma forma o centurião fica sabendo que os anciãos judeus fizeram seu apelo com base no que ele fez e parece ter ficado horrorizado. Então, ele envia alguns outros amigos e, por meio deles, faz um tipo muito diferente de apelo:

Senhor, não te incomodes, porque não sou digno de que entres em minha casa. Por isso, eu mesmo não me julguei digno de ir ter contigo; porém manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado. (vv. 6-7)

Mais uma vez, observe o nível da fé dele. Ele não confia em nada que ele tenha feito, mas no poder de Jesus para ajudar e na disposição de Jesus em ajudar.

Ouvidas estas palavras, admirou-se Jesus dele e, voltando-se para o povo que o acompanhava, disse: Afirmo-vos que nem mesmo em Israel achei fé como esta. E, voltando para casa os que foram enviados, encontraram curado o servo. (vv. 9-10)

Fé não é ir até Jesus e dizer-lhe o que fizemos e o que merecemos; fé é ir até Jesus porque sabemos que ele é compassivo e poderoso; que ele está disposto e é capaz de fazer aquilo de que precisamos. Fé é ir até Jesus, por assim dizer, não com as mãos cheias e de pé, mas com as mãos vazias e de joelhos, confiantes não em quem somos, mas em quem ele é. O centurião sabia algo que os anciãos não sabiam: ele conhecia o caráter de Jesus.

Imagine a conversa quando aqueles anciãos voltaram à casa do centurião. Ouvimos dizer que seu servo está melhor!, dizem eles com um sorriso. O que dissemos a Jesus, sobre sua dignidade de ser ajudado por ele, obviamente funcionou. Ele foi persuadido.

Não, não, não teve nada a ver com o que vocês disseram, responde o centurião. Eu enviei amigos para dizer a Jesus que não ouvisse vocês. Jesus não precisa ser persuadido a ajudar. Fazer isso é interpretar seu caráter de forma totalmente equivocada. Ele está pronto para ajudar. Ele não precisa de convencimento – apenas de um pedido.

Seu coração se comoveu por ela

Depois dessa interação com um centurião romano, Lucas nos leva a uma cena “em dia subsequente”, no qual Jesus se depara com uma viúva judia. Aqui está outra casa triste, pois ele encontra uma procissão fúnebre no centro da qual está o corpo de um jovem – e ele era “filho único de uma viúva” (v. 12). É a cena mais desesperadora que se pode imaginar. Essa mulher já havia enterrado o marido há algum tempo e agora está enterrando seu único filho. Nessa sociedade, ela agora não tem meios de proteção ou provisão; do ponto de vista humano, ela enfrenta a tristeza, a solidão e o fim da linhagem familiar. Toda a sua esperança jaz fria no cadáver de seu filho. E é com essa procissão fúnebre que Jesus se depara. É impressionante o fato de que ninguém pede a Jesus para fazer algo. Ninguém parece pensar: Por que não envolvemos Jesus nisso? Ninguém está esperando nada além de um funeral rotineiro, embora trágico.

Mas “vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela” (v. 13, ARC). A versão em inglês NIV (New International Version) traduz a palavra grega por trás de “compaixão” por “seu coração se comoveu por ela”. Ele não a vê simplesmente como uma pecadora, dizendo: Bem, a morte é uma realidade por causa do pecado, e você também é uma pecadora, sob essa maldição. Não, ele a vê como uma sofredora, de modo que seu coração se comove por ela. Ele vê, se preocupa, sente. Jesus não é um Salvador distante, cujos pés nem tocam o chão da Galileia, indiferente e alheio, mas alguém que anda pelas estradas empoeiradas e se envolve na vida daqueles que encontra. Ele é o Deus que, em seu coração, está cheio de compaixão por aqueles que estão sofrendo com as rupturas da vida neste mundo, sejam elas autoinfligidas ou não.

Mas a compaixão de Jesus não se limita à comoção pela dor daquela mulher; ele também tem o poder de vencer a morte:

Chegando-se, tocou o esquife e, parando os que o conduziam, disse: Jovem, eu te mando: levanta-te! Sentou-se o que estivera morto e passou a falar; e Jesus o restituiu a sua mãe. (vv.14-15)

Jesus faz o que ninguém mais pode fazer. Ele interrompe a trágica jornada para a sepultura. Ele devolve a essa mulher seu filho, seu futuro, sua esperança. É isso que Jesus é. Ele é aquele que tem todo o poder e autoridade. E é isso que torna sua compaixão ainda mais magnífica: que alguém tão vasto em seus recursos se rebaixe a esse nível, a uma mulher anônima em suas circunstâncias miseráveis em um dia rotineiro, enquanto ela enterra seu único filho. Não porque ela pediu, mas porque ele viu e se importou. Jesus é movido não por um pedido, mas por sua própria compaixão.

João Calvino nos mostra onde estamos nessa cena:“Esse jovem, que Cristo ressuscitou dos mortos, é um emblema da vida espiritual que ele nos restitui.” Em outras palavras, aos arredores da cidade de Naim, estamos vendo como Jesus é não apenas para essa viúva e seu filho, mas para nós: o que Jesus faz espiritualmente por todo o seu povo.

Da mesma forma que ele viu essa cena fúnebre e se dirigiu a ela, ele viu nossa situação desesperadora e veio até nós; ele encarnou e se fez humano.

Da mesma forma que tocou o local da morte no meio da procissão fúnebre, tornando-se ritualmente impuro, Jesus entrou na própria morte, provando-a por nós, tornando-se impuro e carregando nossa maldição e sentença.

Da mesma forma que ele proferiu palavras que trouxeram o filho da morte para a vida, assim “vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” ( Jo 5.25).

E assim como foi a compaixão que levou Jesus a comparecer a esse funeral e reverter a morte, foi a compaixão que o trouxe ao mundo, o levou à cruz e o tirou da sepultura para nos oferecer a vida com ele.

Jesus ouve e se importa com as coisas que deixam seu coração pesado e seus olhos marejados. E aliado a essa compaixão está o seu poder, de modo que ele é o vencedor da morte e aquele que, de forma plena e final, um dia ressuscitará todo o seu povo e enxugará todos os nossos olhos:

Quando os bem-aventurados, que dormem em Jesus,

a seu pedido se levantarão

Do silêncio da sepultura e do mar,

e com corpos celestiais o encontraremos nos céus, 

Que grande encontro, que alegria!

Que encontro, que encontro,

Que encontro dos resgatados naquela terra de amor no verão! 

Que encontro, que encontro,

Que encontro dos resgatados naquele lar feliz lá no alto.1

Portanto, quando Jesus nos desafia não apenas a dizer “Senhor, Senhor”, mas a falar sério e a viver o que falamos, é esse Jesus, cheio de paixão e poder, quem está lançando esse desafio. Quando Jesus nos chama a ser diferentes – a abraçar valores invertidos, a buscar um tipo diferente de amor, a ser marcados pela integridade e a viver uma vida de obediência – é esse Jesus que está nos chamando. É ao olharmos para Jesus que nos sentiremos atraídos por ele, para segui-lo, servir-lhe e obedecer-lhe. E é quando olhamos para Jesus que descobrimos a maior bênção de todas as bênçãos de estar em seu Reino, a maior alegria de todas as alegrias de fazer parte do povo de Deus e a única coisa de que realmente precisamos para experimentar a vida em sua melhor forma, para sempre: o próprio Jesus.

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro A vida cristã segundo Jesus, de Alistair Begg, Editora Fiel.

Para ler outros artigos que também são trechos deste livro, CLIQUE AQUI.


1. Fanny Crosby (1887).


Autor: Alistair Begg

Alistair Begg serviu duas igrejas na Escócia, sua terra natal, antes de responder, em 1983, ao chamado para se tornar o pastor principal na Parkside Church, em Cleveland (Ohio). Graduado pela London School of Theology, Begg já escreveu vários livros. Além disso, é ouvido diariamente no programa nacional de rádio Truth for Life. Ele e sua esposa, Susan, se casaram em 1975 e têm três filhos adultos.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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