“Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.” – Filipenses 2.3-5
“Como podemos ser tão egocêntricos se somos uma família cristã?” Este lamento tem sido proferido em quase todo lar cristão, e com boa razão. Toda família, cristã ou não cristã, é afligida com as corrupções do pecado. Assim como todo casamento envolve dois pecadores que dizem “Sim”, todo filho nascido dessa união é afligido com a doença da família. Portanto, impreterivelmente uma mãe cristã puxará os seus cabelos enquanto as crianças contendem para saber quem sentará em que lugar, quem usará o controle remoto, quem brincará com o brinquedo e todas as outras formas da categoria de pecado que equivalem a “eu, eu, eu”.
Todos na família
Não são apenas as crianças que estão no jogo do egocentrismo no lar cristão. O egocentrismo pode ser visto no pai, que exige que seus sonhos de carreira tenham prioridade sobre o bem-estar da família. O egocentrismo acontece quando a necessidade da mãe por controle age como um chicote que mantém os pequenos escravos de Faraó dançando nas poças de lama do Egito. No que concerne ao egocentrismo, há um lugar para todos: é uma atividade verdadeiramente “familiar”. Avós egocêntricos exigem atenção e manipulam emocionalmente; pais egocêntricos impõem expectativas não saudáveis sobre as crianças; e meninos e meninas egocêntricos tornam a sala da família em um Afeganistão social, pelo menos até que saiam para um abrigo egocêntrico em seus livros, celulares e grupos de colegas absorvidos consigo mesmos.
Esta descrição talvez pareça bastante cética. Na verdade, está bem distante da única dinâmica que opera nas famílias cristãs. Mas, se minha experiência como pastor é correta, a maioria dos pais que estão lendo este parágrafo não reagirão com um condenatório “como ele ousa dizer isso sobre nós”, e sim com um aliviado “graças a Deus não somos os únicos”.
O egocentrismo é predominante, porque é a própria essência do pecado. O pecado exige a autonomia do ego, em vez de submissão a Deus; a satisfação do ego, em vez do amor a Deus e ao próximo; e a glória do ego, em vez da exaltação da glória de Deus. Na primeira sessão de aconselhamento familiar, Adão deu a primeira desculpa egocêntrica de uma transgressão, lançando em Deus e em sua esposa a culpa por quebrar a aliança de Deus (Gn 3.12). Para piorar as coisas, pelos menos sob uma perspectiva humana, a maldição de Deus sobre o pecado injetou ainda mais egocentrismo na família humana. A mulher foi amaldiçoada com uma obsessão egocêntrica que garantiu conflito no relacionamento conjugal: “O teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (v. 16). O homem foi amaldiçoado com uma obsessão egocêntrica por trabalho e atividade: “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra” (v. 19).
Tudo que temos realmente de fazer para ver a condenação de nosso próprio egocentrismo é meditar na jornada terrena de Jesus Cristo. Na vida de Jesus, vemos servidão autossacrificial como a definição viva do amor de Deus. Jesus resumiu todo o seu estilo de vida quando disse: “O Filho do Homem… não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28).
Às vezes, faz-se a pergunta: “Como é o amor na família divina da Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo?” A resposta pode ser achada, se examinarmos a pessoa e a obra de Deus Filho, que veio como “a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15) e “a expressão exata do seu Ser” (Hb 1.3). A vida de Jesus foi uma exposição viva de 1 João 4.8: “Deus é amor”. Em Jesus, vemos o próprio oposto da vida egocêntrica, especialmente quando ele se submeteu voluntariamente à morte na cruz. Jesus sacrificou-se a si mesmo, impelido por amor a Deus, o Pai (“para que o Filho te glorifique a ti”) e a toda a família de Deus (“a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste” – Jo 17.1-2).
Cristo, a única cura
Entender o egocentrismo como o fruto de uma raiz de pecado mais profunda deixa claro que um verdadeiro remédio não pode ser aplicado à superfície do problema. A questão não é meramente de comportamento, como podem dizer todos os pais que têm procurado vencer o egocentrismo usando uma “jarra de elogios” ou punições severas para repelir as contendas “eu, eu, eu”. Egocentrismo, como todo pecado, é, em última análise, uma questão do coração. E o único remédio que pode tratar o coração do homem caído e seus frutos amargos é o Salvador, Jesus Cristo.
De acordo com a Bíblia, experimentar a salvação realizada por Cristo e seus resultados práticos no lar exige que, primeiramente, recebamos, somente pela fé, a obra salvífica de Cristo em nosso favor e, depois, que imitemos a Cristo em obediência prática. A afirmação clássica do amor autossacrificial de Cristo foi dada em Filipenses 2.6-8:
Ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.
A cura do pecado, incluindo tanto o perdão como o novo nascimento espiritual, resulta de confiarmos em Jesus e sua morte salvadora por nós. Somente a união com Cristo, por meio da fé, é capaz de redimir-nos de nossa escravidão a todo pecado, incluindo o egocentrismo.
Como crentes espiritualmente capacitados, somos chamados a participar da vida e do amor de Cristo por meio da obediência prática. Por isso, Paulo prefaciou o seu resumo do amor sacrificial de Cristo com uma chamada à renúncia da vida egocêntrica:
Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus (Fp 2.3-5).
Uma família centrada em Cristo
A experiência prática logo ensinará aos cristãos que a transformação de nossa vida é uma obra de Deus gradual e progressiva. A justificação ocorre imediatamente quando cremos. Todo crente é instantaneamente perdoado e justificado por meio de Cristo. Mas a santificação envolve toda uma vida de diligência e aplicação fiel. Por esta razão, mesmo famílias cristãs, em que cada membro professa a fé em Cristo, não exibem automaticamente a ética do amor de Cristo. Temos de parar resolutamente de ser uma família egocêntrica para sermos uma família cristocêntrica.
Quais são algumas das características de uma família que renunciou o amor ao ego em favor do amor sacrificial de Cristo? Eu diria que uma família cristocêntrica é uma família norteada por três compromissos, cada um dos quais iniciados pela letra “d”: doxologia, discipulado e deleite.
Doxologia significa adoração, e uma vida cristocêntrica é uma vida motivada, acima de tudo, pela glória e louvor de Deus. Se eu sou um membro de uma família cristã, por que eu deveria ceder alegremente o melhor lugar ao meu irmão, entregar o brinquedo com um sorriso, tolerar alguma bagunça na sala da família ou desligar o computador para ler um livro para meu filho? As respostas são abundantes: benefício mútuo, evitar conflitos, sentir melhor quanto a mim mesmo e escapar de punição – todas as quais são boas razões no seu devido lugar. Mas o verdadeiro motivo para amarmos a servidão, o motivo que nos manterá em transformação é a gratidão pelo sacrifício de Jesus Cristo e o desejo de que ele seja louvado em minha vida. Este é o motivo que deve ser incutido nos corações cristãos – novos e velhos – de uma família cristocêntrica. Oh! Como é maravilhoso louvar e agradar o Senhor! E quão digno ele é de que sigamos seu exemplo de amor!
Discipulado significa seguir deliberadamente a Jesus Cristo por meio do estudo de sua Palavra, oração e membresia na igreja. Em uma família cristocêntrica, a Bíblia é aberta antes de o computador ser ligado, a Palavra e a oração são recebidas para o fortalecimento na graça, juntamente com o alimento que dá vigor ao nosso corpo, e a família é comprometida com o corpo de Cristo, no qual ele habita por meio de seu Espírito. O discipulado flui da doxologia, que enfatiza a importância da adoração em família e de atender diligentemente aos meios da graça no lar e na igreja.
Deleite significa regozijar-se em olhar para os outros da maneira como Cristo olhou para nós. Doxologia e discipulado promovem este deleite, à medida que embebemos o Espírito de nosso Senhor. Paulo disse: “Nós, daqui por diante, a ninguém conhecemos segundo a carne… Assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Co 5.16-17). A ênfase de Paulo estava não somente no modo como vemos a nós mesmos, como pessoas nascidas de novo, mas também em como vemos agora os nossos irmãos em Cristo. Que deleite há em compreender que vivemos em uma família cristã, na qual Cristo está operando para a sua glória! Em uma família centrada em Cristo, há um senso de admiração do que Deus está fazendo em nossa vida que é mais cativante do que Barbie ou Star Wars. João escreveu: “Amados, se Deus de tal maneira nos amou, devemos nós também amar uns aos outros” (1 Jo 4.11). Isto é algo desagradável? Não, é um deleite, quando compreendemos como Deus nos amou por meio do serviço sacrificial de seu Filho. Quanto mais claramente vemos a Cristo e a maravilhosa graça de Deus em operação em nós, por meio de Cristo, tanto maior é o nosso deleite em sacrificar a nós mesmos para a glória de Deus na vida de nossa família e, depois do lar, na igreja e no mundo.