Onde você busca ajuda para lidar com a vida?
Conforme a sociedade falha em cumprir sua promessa, conforme falha em fornecer as técnicas suficientemente adequadas para respondermos às responsabilidades do autopertencimento, adquirimos novas técnicas para lidar com o estresse, a ansiedade, a exaustão e a inadequação. Fazemos isso quando usamos métodos para amenizar o fardo que sentimos a respeito das responsabilidades do autopertencimento, sem as questionar. Se você olhar de perto, descobrirá que a maioria das pessoas nas sociedades ocidentais adotou algumas práticas — que continuam em desenvolvimento — para ajudá-las a lidar com a vida.
O fardo de nossa responsabilidade pode assumir diferentes formas psicológicas, emocionais, físicas ou espirituais — desde o sentimento de inadequação trazido por uma sociedade hipercompetitiva e com demandas crescentes até a fadiga cognitiva causada pelo fluxo constante de informação, desenvolvido para nos equipar a tomarmos decisões racionais, passando pela letargia física, trazida pela suspeita de que o jogo está marcado contra você.
Uma postura de afirmação nos deixa esfarrapados. Você se torna consumido pelo autodesenvolvimento e pelo trabalho total, e qualquer pausa em sua intensa labuta o deixa ansioso e com um sentimento de culpa. Sua única concepção de “paz” é a exaustão causada pelo trabalho total ou uma satisfação momentânea enquanto trabalha. Uma postura de resignação nos deixa sem rumo e desanimados.
Você convive com a falta de sentido disso tudo, com a impossibilidade de fazer qualquer coisa que importe ou que seja boa o bastante tanto para agradar seus pais ou aqueles que você admira quanto para impressionar seus pares e atrair alguma atenção positiva para si.
Em ambos os casos, é difícil levantar-se da cama. Os afirmadores lutam para levantar-se porque estão exaustos das tentativas de satisfazer as demandas desumanas do mundo. Os resignados lutam para levantar-se porque estão exaustos em decorrência de sua sensibilidade à desumanidade das demandas do mundo.
Para todos nós, as responsabilidades do autopertencimento, sejam aceitas conscientemente, sejam inconscientemente absorvidas da cultura, são experimentadas como uma inadequação perpétua. Sua vida nunca está justificada; você está sempre no processo de validar sua existência. Sua identidade nunca está segura; você está sempre no processo de descobrir, proclamar e definir quem você é. O sentido nunca é dado; é sempre algo para ser reinterpretado ou reafirmado. Os valores nunca são definidos; eles sempre estão sendo negociados. E o pertencimento nunca acontece; ele está sempre deslocado.
A sociedade promete nos fornecer os meios para viver uma vida plena e satisfatória por meio do autopertencimento, mas essas ferramentas apenas aumentam o fardo, dando-nos novas maneiras de trabalhar para alcançar um objetivo inalcançável. As mídias sociais nos oferecem ajuda para criarmos e expressarmos nossas identidades, dando cada vez mais ferramentas para autoexpressão e autopromoção, mas essas ferramentas apenas se tornam mais coisas para fazermos. A tecnologia sempre alega ser opcional, mesmo quando se torna praticamente impossível rejeitá-la.
A distinção entre ferramentas que facilitam o autopertencimento e aquelas usadas para lidar com nossa incapacidade de pertencermos a nós mesmos torna-se cada vez mais difusa, conforme olhamos para ela. Será que tomamos antidepressivos para sermos quem nós verdadeiramente somos ou para lidar com o fracasso da tentativa de sermos nosso verdadeiro self? Nós compramos roupas para expressar nossa identidade ou como uma forma de terapia? Retoricamente e no marketing, as estratégias para o autodesenvolvimento e para lidarmos com as dificuldades são bastante parecidas, usam o mesmo apelo para as vendas e a mesma linguagem de empoderamento. Quanto mais similares eles se tornarem, menos seremos capazes de perceber que os mecanismos de enfrentamento das dificuldades não são ferramentas muito úteis para o autodesenvolvimento. Quando categorizamos tanto os antidepressivos quanto a moda como meios de nos tornarmos mais como nosso verdadeiro self, não mais podemos ver que os remédios podem ser usados para lidar com o fracasso da moda em comunicar qualquer coisa de verdadeiro ou significativo a respeito de nós.
É necessário um esforço ativo para ignorar as implicações trazidas pelos mecanismos de enfrentamento. Quando você começa a procurar exemplos de mecanismos de enfrentamento, rapidamente descobre que nossa sociedade é incrivelmente franca a respeito de quão intolerável é a vida moderna sem algum tipo de “medicação”. O exemplo mais vívido que encontrei disso aconteceu quando meu estado, Oklahoma, legalizou o uso medicinal da maconha em 2018. Deixe um pouco de lado os debates legais e cívicos concernentes à legalização e reflita sobre a maneira como a maconha foi anunciada. Dirigindo por uma estrada e chegando em Oklahoma City, fui recebido por vários outdoors que anunciavam locais autorizados a vender maconha. A retórica variava um pouco, mas a mensagem dominante era: “Você está infeliz? Experimente Maconha!”
Um dos outdoors usava emojis felizes e tristes para mostrar os efeitos do princípio ativo da maconha (a loja também vendia maconha para fins médicos). Outro outdoor perguntava se eu estava ansioso. Um deles tinha um casal idoso bem relaxado e usando óculos de sol, com a legenda: “Viva sua melhor vida” [1]. As propagandas pareciam ser efetivas. Apesar de a lei de Oklahoma não permitir o uso recreacional, na prática, parece haver poucas barreiras para conseguir o atestado médico. Alguns dados apontam que um em cada 13 adultos em Oklahoma possuem atestado médico para uso de maconha [2].
O marketing e a demanda por maconha medicinal refletem uma sociedade que acha a vida sem drogas insuportável ou, pelo menos, bastante desagradável. É difícil olhar para essas propagandas e não concluir que nossas vidas não estão funcionando muito bem para nós. O rápido crescimento das lojas que vendem maconha medicinal reflete uma sociedade que desistiu, mas que apresenta sua resignação como saúde mental. Mas, se nós vivemos em um habitat que não foi construído para seres humanos, não deveríamos ficar surpresos quando precisamos de um pouco de ajuda para aturar nossa jaula.
Uso a palavra “automedicar” para descrever não apenas aquilo que normalmente associamos a esse termo (o uso de alguma substância para tratar sintomas de uma doença sem que haja supervisão e aprovação médica), mas para descrever, além disso, o uso supervisionado. Uma vez que, em muitos casos, o medicamento prescrito é de uso eletivo, essa também pode ser uma forma de automedicação. A legalização da maconha medicinal é um exemplo perfeito.
Em 25 de julho de 2019, os moradores de Oklahoma estavam “se automedicando” com maconha, usando o termo no sentido tradicional. Em 26 de julho de 2019, a lei que legalizava o uso medicinal entrou em vigor, e esses mesmos moradores, agora, poderiam conseguir um atestado médico, para que eles não mais “se automedicas- sem”. Agora, eles estavam “recebendo tratamento”.
O que mudou de um dia para o outro? Na teoria, a única diferença é que um profissional autorizado agora decide quem tem necessidade do uso medicinal da maconha e quem não tem. Mas, na prática, se você sente ansiedade, pode conseguir um atestado. Há diversos médicos que cobram pouco e que farão uma consulta online para prescrever a droga para você. Médicos mais tradicionais talvez hesitem em prescrever maconha, mas já surgiu todo um mercado de “doutores da maconha”.
A diferença real entre aqueles que “se automedicam” com maconha e os que têm uma receita é meramente burocrática. Pode ser que o uso prescrito ajude a diminuir o uso excessivo de drogas (há algum debate a respeito da qualidade do monitoramento oferecido pelos médicos a seus pacientes); no entanto, o propósito da medicação permanece o mesmo: para aqueles que não sofrem de doenças, a maconha medicinal torna a vida mais tolerável. Nesse sentido, todos que usam maconha, legal ou ilegalmente, estão medicando a si mesmos.
Ainda há estigma quanto ao uso medicinal da maconha — uma suspeita de que não seria uma droga legítima e que pessoas que sofrem de casos médicos reais de ansiedade deveriam usar remédios antidepressivos ou ansiolíticos. Nós não achamos que as pessoas que tenham uma receita para o uso de Prozac estejam se automedicando. Elas estão reequilibrando-se para que possam ser mais quem elas são. Felizmente, boa parte do estigma contra a medicação psiquiátrica foi perdido. Vemos antidepressivos como vemos remédios contra a pressão alta. Você espera que muitos de seus amigos estejam usando algum tipo de bloqueador de serotonina. Porém, não vemos a maconha da mesma forma.
Temo que a demanda por remédios psiquiátricos (que continua a crescer) não seja muito diferente da demanda por maconha, ou álcool, ou pornografia, ou caça-níqueis, ou jogos online. A vida é intolerável. Pensamos que o uso de alguns tipos de medicação seja um sinal de fraqueza ou de imaturidade, um sinal de inadequação, enquanto vemos outros medicamentos como sinal de que alguém está sendo proativo em melhorar sua saúde mental. Mas, na verdade, não há muita diferença entre a pessoa que depende de Xanax para viver a vida e a pessoa que precisa de maconha, ou de álcool, ou de qualquer outra coisa. Um deles é socialmente aceitável, o outro não. Um deles requer algum dinheiro, educação, advogados e planos de saúde. Os outros estão disponíveis mais facilmente. E, embora seja mais provável encontrar um usuário de Zoloft que seja altamente funcional do que um usuário de maconha, ambos podem tornar-se um vício. Ambos podem ser automedicação.
Uma vez que você dê um passo atrás e comece a pensar a respeito das muitas maneiras como as pessoas contemporâneas lidam com a vida moderna por meio da automedicação — em vez de apenas criticar das formas “socialmente inaceitáveis”, como o uso de drogas ilegais —, você percebe que uma grande parcela de nossa economia está dedicada a mecanismos de enfrentamento. A maioria desses mecanismos leva a algum tipo de vício. Começamos com o uso disseminado de antidepressivos, mas a maioria das pessoas usa uma miríade de ferramentas para sobreviver aos dias. Nós precisamos de uma miríade de ferramentas porque nenhuma daquelas que a sociedade fornece para que lidemos com as responsabilidades do autopertencimento são suficientes para a tarefa. Como Ehrenberg observa, “a depressão e o vício são os dois lados de um indivíduo soberano, de uma pessoa que acredita em si mesma como o autor de sua própria vida” [3].
* * *
Em meu livro anterior, Disruptive Witness, explorei os usos das distrações presentes no mundo contemporâneo e algumas das razões pelas quais nós estamos tão viciados nelas. Ali, eu foquei primaria- mente em nosso desconforto de confrontar as grandes questões da vida. Muitos de nós preferem distrair nossa atenção com as mídias sociais a examinar a nós mesmos.
Ainda acredito nessa tese a respeito de nossa cultura de distrações, mas, desde que escrevi Disruptive Witness, pensei mais a respeito da maneira como as distrações também são usadas por pessoas que são autorreflexivas e que ponderam as grandes questões da vida. Para pessoas assim, há outra motivação para essa tendência para a distração. Parece-me que “permanecer ocupado”, incluindo o uso de distrações tecnológicas e de entretenimento, é uma maneira comum como pessoas contemporâneas lidam com o estresse de viver em um ambiente desumano. Se você sente que não há esperança para a melhora da sua situação, talvez seja melhor não pensar nisso.
Assim, lidamos com a vida nos distraindo. No mundo artificial das mídias sociais, um adulto pode sentir como se estivesse tentando cumprir as responsabilidades do autopertencimento, mesmo que saiba que há um vazio em suas ações. Aqueles que cuidam dos filhos em casa podem começar a postar selfies no Instagram enquanto separa as brigas das crianças, como uma maneira de sentir que estão realizando alguma coisa ao expressar sua identidade. Ou podem entrar em um debate político no Twitter, defendendo uma causa que acreditam ser justa. Seu ativismo online passa uma sensação de significância, uma espécie de justificação passageira em um dia banal. Ou podem submergir em livros de romance ou de suspense. Ou podem envolver-se em algum tipo de competição online de baixo risco, para experimentar uma vitória trivial neste mundo hipercompetitivo. Quando parece que o mundo todo é uma luta de unhas e dentes pela supremacia, quando parece que todos estão brigando por alguma posição, ou fama, ou poder, ou atenção, competições de baixo risco podem nos ajudar a lidar com as dificuldades, fornecendo pequenas vitórias.
Pense comigo. Se você se sente aleijado pela ansiedade trazida pela necessidade de encontrar um trabalho bom e significativo, jogar jogos online permite que você exercite sua competitividade sem colocar muita coisa em risco — exceto o seu tempo. O mesmo pode ser dito a respeito de milhões de outros jogos descerebrados para o celular. Há também a natureza altamente competitiva das mídias sociais, com registros públicos da popularidade dos indivíduos e de suas postagens. Novamente, todas essas coisas são “pequenas, e sem sentido, e fazedoras de tristeza”, mas elas nos ajudam a atravessar o dia, à medida que nos distraem das competições em que há muito mais em jogo. No final, o homem que se automedica — por meio de aconselhamento, antidepressivos, exercícios e comprando — está tão desesperado para conseguir lidar com a vida quanto um homem que se automedica com jogos online, acompanhando esportes e usando maconha. A única diferença é que uma forma de automedicação é socialmente aceita, enquanto a outra, estigmatizada.
______________________________________________________________________
O trecho acima foi adaptado com permissão do livro Humanidade em crise, de Alan Noble, Editora Fiel.
______________________________________________________________________