No colégio, um grupo de amigos meus decidiu acampar no topo da Montanha Lookout, Geórgia. Esses amigos, cerca de dez deles, incluíam um grupo misto de meninos e meninas. Eu sabia que meus pais não permitiriam que eu fosse acampar num grupo tão misto como esse, então “esqueci” de contar a eles sobre a presença das minhas colegas. Nós nos divertimos muito – sem brincadeira – mas, quando voltei para casa, meus pais me confrontaram e, quando tentei me esquivar, distorcendo ainda mais a verdade, eles me colocaram de castigo. Com razão.
Pequenas “mentiras brancas” como essa parecem bastante inofensivas, mas com que frequência evitamos a verdade, escondemos a verdade ou deixamos de dizer a verdade? A realidade é que Deus ama a verdade, se deleita na verdade e defende a verdade porque ele é o Deus da verdade. Como o Criador soberano de todas as coisas, ele estabeleceu a verdade e revelou sua verdade em toda a criação e especificamente em sua Palavra (Sl 19).
O apóstolo João escreve: “Deus é luz, e não há nele treva nenhuma” (1 Jo 1.5). Essa “luz” de Deus transmite as qualidades morais da verdade, integridade e retidão. Deus não é apenas o Deus vivo e verdadeiro – ao contrário de todos os falsos deuses deste mundo – ele também conhece todas as coisas como realmente são. Em outras palavras, ele não está mal orientado ou confuso, mas sim tem um conhecimento preciso e completo de todas as coisas.
Este Deus da verdade nos chama a amar a verdade, deleitar-nos na verdade, falar a verdade e andar na verdade. Se a igreja deve ser “coluna e baluarte da verdade” (1 Tm 3.15), precisamos conhecer a verdade e cultivar a fortaleza moral de defender a verdade em um mundo de mentiras.
Nossos primeiros pais foram tentados pela mentira de Satanás, o “pai da mentira” (Jo 8.44). Não é de se admirar que Deus estabelecesse sua preocupação com a verdade em sua Palavra. Em seu conhecido hino “Castelo Forte”, Martinho Lutero escreveu:
Deixe os bens e parentes irem,
Esta vida mortal também;
O corpo que eles podem matar:
A verdade de Deus ainda permanece,
Seu reino é para sempre.
Enquanto Satanás tenta destruir a verdade de Deus e o mundo procura miná-la, a ira de nosso soberano e santo Deus foi revelada contra a injustiça dos homens, “que detêm a verdade pela injustiça” e “mudaram a verdade de Deus em mentira ” (Rm 1.18-25). Mas a verdade de Deus permanecerá; seu reino é para sempre.
O nono mandamento
Os Dez Mandamentos expressam como devemos amar a Deus (1-4) e ao próximo (5-10). Junto com o maná e o cajado de Arão, os Dez Mandamentos foram colocados dentro da arca da aliança – revelando seu significado para a vida e identidade de Israel – e também se tornaram o fundamento de todas as outras leis e mandamentos de Deus. Eles fornecem um retrato da vida que lhe agrada.
Deus deu os Dez Mandamentos no contexto da aliança que ele fez com seu povo no Sinai. Deus agiu em nome de Israel, assegurando-lhes a condição de seu povo: “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20.2; ver Dt 5.6). A libertação e redenção de Deus, portanto, tornaram-se o pano de fundo para o decreto e a lei de Deus. Eles eram o seu povo e ele era o seu Deus.
O nono mandamento nos instrui sobre a importância da verdade: “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êx 20.16). O julgamento legal forma o pano de fundo desse mandamento, no qual um falso testemunho pode levar a uma punição severa para o próximo. As testemunhas eram muito importantes no mundo antigo. Deuteronômio 17.6 declara: “Por depoimento de duas ou três testemunhas, será morto o que houver de morrer; por depoimento de uma só testemunha, não morrerá”. Uma falsa testemunha, portanto, tinha o potencial de causar grande injustiça a uma parte inocente. Mas o nono mandamento transmite muito mais do que esta aplicação específica.
Deveres exigidos e pecados proibidos
O Catecismo Maior de Westminster dedica três perguntas ao nono mandamento (143–145), fornecendo o conteúdo do mandamento, bem como os “deveres exigidos” (o positivo) e “pecados proibidos” (o negativo) por ele.
Positivamente, os teólogos de Westminster ensinaram que devemos preservar e promover a verdade entre os homens, e o bom nome de nosso próximo, bem como o nosso. Devemos aparecer e defender a verdade, falar a verdade e estudar e praticar tudo o que é verdadeiro, honesto, amável e de boa fama (Fp 4.8). Negativamente, os teólogos de Westminster ensinaram que não devemos ceder a prejudicar a verdade ou o bom nome do nosso próximo ou o nosso próprio. Não devemos dar provas falsas, proferir sentenças injustas, ocultar a verdade, permanecer em silêncio quando a verdade deve ser falada, ou falar a verdade fora da hora, maliciosamente ou de uma forma que a perverta para um significado errado. Além disso, não devemos ceder à mentira, difamação, calúnia, escárnio, injúria, levantar falsos rumores e outros pecados de falsidade. Assim, devemos ter uma estima caridosa por nossos vizinhos, pensando o melhor sobre eles, a menos que haja evidência clara em contrário, não dando atenção a fofocas.
Embora o texto do nono mandamento diga especificamente apenas que não devemos dar falso testemunho, ele transmite a importância geral que Deus dá à verdade, conforme visto na sua aplicação pela Assembleia de Westminster. O argumento é único do maior para o menor: se é proibido dar falso testemunho contra o nosso próximo – o que poderia levar à sua morte (o maior) – então certamente todas as outras formas de falsidade são igualmente proibidas (o menor).
Em seu comentário sobre o Catecismo Maior, Johannes Vos explica: “O escopo geral do nono mandamento é a santidade da verdade e da honestidade na sociedade humana, e o dever de manter o nosso próprio bom nome e o de nosso próximo”. Porque a verdade é um atributo de Deus e porque fomos criados à sua imagem, devemos apoiar, defender e sustentar a verdade em nossa vida, nosso lar, nossa igreja e nossa sociedade.
Três maneiras de viver a verdade
À luz do fato de que Deus é um Deus de verdade e se preocupa com a verdade – vista especialmente no nono mandamento –, quais são algumas maneiras práticas de vivermos essa verdade em nossa vida diária? Deixe-me dar três.
Primeiro, vigie diligentemente os pecados da língua. Como Tiago diz: “A língua é fogo; é mundo de iniquidade” (3: 6). A imagem continua, mostrando a rapidez com que um incêndio pode se espalhar. Devemos dar atenção às advertências das Escrituras: “A falsa testemunha não ficará impune, e o que profere mentiras perece” (Pv 19.9). Por natureza, temos preconceito contra a verdade e devemos estar atentos às maneiras pelas quais continuamos a distorcer a verdade. Falsas falas – os pecados de fofoca, calúnia, mentira, dar falso testemunho etc. – não devem ter lugar em nossos lábios, pois estes não apenas entristecem o coração do Deus da verdade, mas podem facilmente se espalhar e causar grande dano a nossos vizinhos. Em vez disso, devemos falar “a verdade em amor” (Ef 4:15) e promover o bom nome do nosso próximo.
Em segundo lugar, porque Deus é soberano e a fonte de toda a verdade, podemos confiar nele e em sua Palavra. Ele é confiável e suas promessas não podem falhar. A inerrância, infalibilidade e veracidade de sua Palavra fornecem uma base sólida sobre a qual podemos construir uma cosmovisão coerente e consistente – que dá esperança e suscita confiança enquanto se vive num mundo instável. Jesus orou por seus discípulos: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade ” (Jo 17.17). O apóstolo Paulo lembrou aos efésios de sua selagem pelo Espírito Santo quando ouviram e creram na “palavra da verdade” (Ef 1.13). Somos chamados a confiar no Deus verdadeiro e vivo, “que não pode mentir” (Tt 1.2). A realidade de que nosso Deus soberano é a fonte de toda a verdade dá descanso às almas cansadas e errantes.
Terceiro, estude e conheça a verdade, a qual “vos libertará” (Jo 8.32). A verdade está incorporada na pessoa de Jesus Cristo, que é “o caminho, e a verdade e a vida” (14.6). Ele é chamado de “luz verdadeira” (1.9), “pão verdadeiro” (6.32) e “videira verdadeira” (15.1). Como a personificação da verdade, Cristo derramou o seu sangue e morreu para que pudéssemos ser perdoados por todos os nossos falsos testemunhos e pecados da língua. Devemos cultivar um conhecimento mais profundo de Jesus e de sua verdade – meditando nessa verdade dia e noite, escondendo-a em nossos corações para não pecarmos contra ele e nos valendo disso por meio da pregação regular da Palavra de Deus. “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo” (Cl 3.16).
Jesus veio ao mundo “a fim de dar testemunho da verdade” (Jo 18.37), e o mundo o rejeitou e zombou dele. Mas suas ovelhas conhecem a voz de seu bom pastor e o seguem. Ele lhes dá vida eterna e ninguém os arrebatará de suas mãos. Nós também testemunhamos a verdade em um mundo que precisa desesperadamente do Salvador, um mundo que precisa da voz do pastor que as conduz aos pastos verdes de sua graça transformadora. Que possamos amar, falar e andar na verdade de Deus – para que possamos glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre.
Publicado originalmente em Ligonier Ministries.
Tradução: Melanie de Bessa. Revisão: Natã Abner Marcelino.