Digamos que uma mãe solteira se une à minha igreja. Com quem, naturalmente, ela formará um relacionamento? Com outras mães solteiras, é claro. Portanto, eu a encorajo a se unir a um pequeno grupo para mães solteiras, e, com muita certeza, ela se integrará rapidamente nessa comunidade e prosperará. Missão cumprida, certo? Não muito.
O que aconteceu foi um fenômeno demográfico, e não necessariamente um fenômeno do evangelho. Mães solteiras tendem a ser atraídas umas às outras, independentemente de o evangelho ser verdadeiro ou não. Esta comunidade é maravilhosa e bastante útil, mas sua existência nada diz sobre o poder do evangelho.
De fato, a maioria das “ferramentas” que usamos para edificar comunidade centraliza-se em algo que não é o evangelho:
- Experiência de vida semelhante: grupos de solteiros, estudos bíblicos para recém-casados e redes de jovens profissionais edificam comunidade com base em agrupamentos demográficos.
- Identidade semelhante: igrejas de cowboys, igrejas de motoqueiros, igrejas de artes e coisas semelhantes são, todas, igrejas que creem no evangelho mas tem algo que não é o evangelho no âmago de sua identidade.
- Causa semelhante: formar equipes de ministério para alimentar os famintos, ajudar em escolas de ensino fundamental e combater o tráfico de pessoas formam comunidade com base em paixão compartilhada por uma causa que honre a Deus.
- Necessidades semelhantes: igrejas baseadas em programas formam comunidade, por reunirem pessoas em programas alicerçados na semelhança de suas necessidades mais prementes.
- Posição social semelhante: às vezes, um ministério – ou uma igreja inteira – reúne pessoas “importantes e influentes” da sociedade.
Reconheço que isso talvez pareça ridículo. No espaço de uma centena de palavras, critiquei estudos bíblicos para mães solteiras, grupos de solteiros e ministério para famintos. Mas aguente-me por um momento. Por trás de todas essas estratégias de edificar comunidade, há algo que precisamos expor e examinar com novos olhos.
Voltemos ao pequeno grupo para mães solteiras. Não há nada de errado em querer estar com pessoas de experiência de vida semelhante. É totalmente natural e pode ser espiritualmente benéfico. Mas, se isso é tudo que chamamos de “comunidade de igreja”, receio que edificamos algo que existiria mesmo que Deus não existisse.
Meu alvo, ao escrever o livro A Comunidade Cativante, não é que nos sintamos culpados sempre que desfrutamos de uma amizade que, talvez, existiria mesmo que o evangelho não fosse verdadeiro. Meu alvo não é incentivar igrejas a se focarem em algum modelo irrealista de relacionamento em que não compartilhamos nada em comum, exceto Cristo. Pelo contrário, meu alvo é duplo:
1. Reconhecer que edificar comunidade puramente por meio de laços naturais tem um custo e também um benefício. Frequentemente, olhamos para instrumentos como pequenos grupos de mães solteiras e vemos apenas o lado positivo. Mas há também um custo: se grupos desse tipo chegarem a caracterizar nossas igrejas, então nossa comunidade deixará de ser notável para o mundo ao nosso redor.
2. Ajustar nossa aspiração. Muitos relacionamentos que se formam naturalmente em nossas igrejas continuariam existindo, ainda que o evangelho não fosse verdadeiro. Isso é bom, correto e proveitoso. Mas devemos aspirar que muitos dos relacionamentos existam por causa do evangelho. Com muita frequência, almejamos nada mais do que comunidade formada com base em semelhanças. Desejo que almejemos comunidade caracterizada por relacionamentos que sejam obviamente sobrenaturais. E, por sobrenaturais, não estou querendo dar a entender o sentido místico e vagamente espiritual em que a cultura popular usa essa palavra. Estou me referindo à própria ideia bíblica de um Deus soberano que age no tempo e no espaço, para fazer o que confunde as leis naturais de nosso mundo.
Dois tipos de comunidade
Neste livro, farei um contraste entre dois tipos de comunidade que existem em igrejas evangélicas que pregam o evangelho. Vamos chamar um tipo de comunidade “evangelho mais”. Na comunidade “evangelho mais”, quase todo relacionamento está fundamentado no evangelho mais alguma coisa. Sam e Joe são ambos cristãos, mas a verdadeira razão pela qual são amigos é que ambos são solteiros em seus 40 anos de idade, ou compartilham de uma paixão por combater o analfabetismo, ou são médicos. Na comunidade “evangelho mais”, os líderes da igreja usam, entusiasticamente, semelhanças para edificar comunidade. Mas, como um todo, essa comunidade diz muito pouco sobre o poder do evangelho.
Contraste isso com a comunidade “que revela o evangelho”. Na comunidade que revela o evangelho, muitos relacionamentos jamais existiriam se não fossem a verdade e o poder do evangelho – ou por causa da profundeza do cuidado recíproco, ou porque as duas pessoas no relacionamento têm pouco em comum, exceto Cristo. Embora relacionamentos baseados em afinidade também floresçam nessa igreja, não são o foco. Em vez disso, os líderes da igreja se focalizam em ajudar as pessoas a saírem de sua zona de conforto e cultivarem relacionamentos que não seriam possíveis sem o sobrenatural. E, assim, essa comunidade revela o poder do evangelho.
Você não pode ver fisicamente o evangelho; ele é simplesmente verdade. Mas, quando encorajamos uma comunidade que é obviamente sobrenatural, ela torna o evangelho visível. Pense numa criança esfregando um balão em sua camisa para carregá-lo de eletricidade estática. Quando a criança segura o balão acima da cabeça de alguém que possui cabelos finos e ralos, o que acontece? Os cabelos se erguem em direção ao balão. Você não pode ver a eletricidade estática. Mas seu efeito – a reação não natural dos cabelos – é inconfundível. Isso também é verdade em relação à comunidade que revela o evangelho.
No entanto, uma comunidade “que revela o evangelho” não é a nossa primeira inclinação, é? Nossa tendência segue em direção à comunidade “evangelho mais”, porque ela “dá resultado”. O marketing de nichos fundamenta tantos planos de crescimento de igreja porque “dá resultado”. Pessoas se inclinam para pessoas semelhantes a elas mesmas. Se eu lhe dissesse que você deveria assumir uma igreja de duzentos membros e fazê-la crescer para quatrocentos em dois anos, você pareceria tolo se não edificasse comunidade com base em algum tipo de semelhança.
Um amigo meu recebeu, recentemente, esse tipo de orientação. Ele pastoreia a congregação de fala inglesa de uma igreja etnicamente chinesa, e o conselho que recebeu consistiu quase totalmente em que tipo de semelhança ele deveria focar. “Vocês devem ser uma igreja para segundas gerações.” “Devem ser uma igreja para jovens profissionais.” “Devem prender-se a pessoas de fala inglesa que são descendentes de chineses.” E assim por diante. Se quer atrair uma multidão, edifique comunidade por meio de semelhança. É assim que as pessoas agem. Há algo errado nisso? Não é apenas uma lei básica de desenvolvimento organizacional? É importante o modo como atraímos a multidão se, quando as pessoas vêm à igreja, nós lhes anunciamos o evangelho?
Sim, é realmente importante. Quando cristãos se unem ao redor de algo que não é o evangelho, criam uma comunidade que provavelmente existiria, ainda que Deus não existisse. Como uma moderna torre de Babel, essa comunidade glorifica a sua própria força, e não o poder de Deus. E as coisas zelosas que eles fazem para criar esse tipo de comunidade arruínam os propósitos de Deus para ela. A comunidade “evangelho mais” pode resultar nos relacionamentos inclusivos que estamos buscando. Mas ela diz pouco sobre a verdade e o poder do evangelho.
Terminarei este artigo com algumas perguntas que o ajudarão a avaliar suas próprias atitudes em relação à comunidade de igreja.
1. Como você define “sucesso” para a rede de relacionamentos de sua igreja, que chamamos comunidade? Quão próxima de Efésios 3.10 (“Pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida…”) está sua definição?
2. Seus alvos e objetivos para nutrir comunidade na igreja local são coerentes com algo que somente Deus pode criar? Ou o pressionam a ter uma comunidade de “evangelho mais”, que as pessoas podem fabricar sozinhas?
3. Você se acha sob a necessidade de “vender” vários programas e iniciativas à sua congregação? Ou está apelando a eles, de modo que os afaste de uma mentalidade de consumismo?
4. O que você fala com os outros membros quando vocês estão fora do prédio da igreja? Em que extensão as conversas casuais diferem do que você ouviria num restaurante, ou num piquenique da vizinhança, ou num jogo de futebol da liga juvenil?
5. Quantos amigos seus da igreja você ainda teria se não fosse um cristão?