O trecho abaixo foi extraído do livro Você Educa de Acordo Com o Que Adora, da Editora Fiel.
O conceito de religião
A maioria das pessoas, muitos de nós inclusive, define religião desta maneira.
Imagine que alguém fosse solicitado a definir um indivíduo religioso. Ele não encontraria resistência, se o definisse como: alguém que crê na existência de um Deus pessoal que criou o universo e, então, procura se relacionar com esse Deus, através do conhecimento de um texto sagrado, de orações, da participação em determinados rituais, do convívio comunitário, etc. Ou então, como alguém que crê na existência de um mundo espiritual habitado por espíritos desencarnados, e que o mundo físico é o ambiente no qual esses espíritos, temporariamente encarnados, pagam por seus próprios erros, aperfeiçoando-se gradativamente, e, portanto, envolve-se de corpo e alma com a prática de boas obras em serviços sociais. Ou, finalmente, como alguém que sustenta a existência de uma força superior impessoal – uma espécie de harmonia universal – da qual o homem participa pelo contato com determinados elementos da natureza, e, por isso, se dedica incansavelmente a conhecer e a organizar a sua vida em torno do eventual impacto de cada um desses elementos naturais.
Mas, se ele definisse o indivíduo religioso com a imagem de um professor universitário materialista, que sustenta que o conhecimento racional do mundo é o caminho definitivo para a experiência de valor e reconhecimento, e, por isso, dedica todo o seu tempo, recursos e energia no projeto de tornar-se culto; ou a de um indivíduo que entende que a segurança de um homem é derivada dos bens que possui, e, portanto, sente-se seguro quando visualiza os rendimentos de seus investimentos em seu extrato bancário, na tela do computador; possivelmente, ele encontraria resistência.
A razão pela qual as primeiras imagens tendem a ser mais facilmente aceitas como definição de um homem religioso do que as últimas é que elas se assemelham no critério que costumamos usar para definir religião: o objeto com o qual o indivíduo estabelece uma relação. Em geral, costumamos definir religião como a crença e a devoção a um objeto transcendente, ou seja, que está além da realidade concreta.
No entanto, quando consideramos o estudo das religiões enquanto manifestação social, aprendemos que, ao longo da história da humanidade, não apenas objetos transcendentes, mas também objetos imanentes – aqueles que são parte da realidade concreta – têm sido alvo de crença e devoção religiosas. Historicamente, muitos
grupos humanos depositaram sua confiança e se devotaram a elementos da natureza, como os astros celestes, por exemplo: o sol, a lua e as estrelas, o que acontece ainda hoje em algumas tribos indígenas. Outros grupos humanos trataram determinados animais como objetos sagrados. Isso aconteceu no Egito Antigo, e, atualmente continua acontecendo em determinados ramos do hinduísmo. Finalmente, outros grupos humanos costumavam reconhecer alguns homens, ou funções particulares exercidas por eles, como dignos de confiança e devoção. Foi o que aconteceu na Roma Antiga, onde o imperador era adorado e servido como alguém que desfrutava da natureza divina.
O que esses exemplos mostram é que definir religião como uma relação com objetos exclusivamente transcendentes não é adequado. A religião é uma relação que, historicamente, tem envolvido qualquer objeto, seja ele transcendente ou imanente.
Como, então, é possível definir religião de modo mais adequado? Pelo tipo de relação que o indivíduo estabelece com um determinado objeto, independente de qual seja. O que há de comum entre todas as imagens de religião apresentadas no texto, até aqui, é que todas apresentam o homem em sua relação mais fundamental, sua relação com o absoluto. Religião é a relação de confiança e devoção estabelecida por um indivíduo ou grupo com um determinado objeto, da qual este indivíduo ou grupo esperam obter as respostas finais sobre: sentido, significado, valor, reconhecimento, prazer, segurança, etc.
Retornemos à situação imaginária do início deste tópico. Quanto ao objeto, há diferença entre o indivíduo que crê na existência de um Deus pessoal e se devota a Ele, e um materialista que rejeita a existência de Deus e, por entender que valor e segurança são derivados do conhecimento racional, dedica-se inteiramente a esta experiência do mundo. O primeiro está envolvido numa relação com um objeto transcendente, enquanto o segundo está envolvido numa relação com um objeto imanente. No entanto, quanto ao tipo de relação, não há qualquer distinção entre eles. Tanto o primeiro, quanto o segundo creem e se devotam. O primeiro se devota a Deus, e faz isso porque crê que ele é a fonte de sentido, segurança e realização. O segundo se devota ao conhecimento, e faz isso porque crê que conhecer é o que lhe garante todas estas coisas. Da mesma forma, podemos dizer que a relação que um indivíduo tem com o dinheiro, quando experimenta segurança depois de consultar o alto rendimento de seus investimentos financeiros, quanto ao tipo, é semelhante à do homem que experimenta segurança depois de ter participado de uma reunião de oração. Eles têm objetos diferentes, mas ambos estão envolvidos em uma relação de natureza religiosa.
Se é verdade que esta é a definição mais adequada de religião – como os seus estudos acadêmicos enquanto fenômeno social parece mostrar – também é verdade que a crítica mais frequente ao projeto de educação cristã é inadequada. Pois, esta redefinição de religião possui, pelo menos, duas implicações: a primeira é que, a partir dela, a religião passa a ser vista não como uma experiência de algumas pessoas, mas como uma experiência comum a todos os seres humanos. A segunda é que, sendo ela compreendida como a relação da qual obtemos as respostas fundamentais da nossa existência, passa a ser vista como aquela que dirige a nossa experiência do mundo como um todo, incluindo o modo como fazemos educação. Em outras palavras: à luz desta definição, a relação entre religião e educação não é uma relação facultativa, mas uma relação necessária. Consequentemente, o projeto de educação cristã escolar, longe de estar tentando unir duas coisas que deveriam permanecer separadas, está simplesmente reconhecendo que elas sempre estiveram juntas. Educação jamais se separa de religião.