O Credo afirma que Jesus é o único Senhor. Devemos lembrar que a declaração mais básica de fé no Novo Testamento é “Jesus é Senhor” (cf. Rm 10.9). Um pecador é salvo, e colocado numa relação correta com Deus, quando ele confessa que Jesus é o único Senhor. Precisamos desenvolver um pouco essa palavra, “Senhor”. A tradição evangélica brasileira – e isso envolve os batistas, metodistas, assembleianos e mesmo muito dos presbiterianos – é fortemente pietista. O pietismo foi um movimento de renovação da igreja luterana, ocorrido na Alemanha, no século XVII, que, para reagir à ortodoxia morta, acabou pendendo para o outro lado, enfatizando a subjetividade — Deus no coração, Deus operando dentro de nós —, a santificação pessoal e o senhorio interno de Cristo sobre a vida da pessoa que crê.
Algumas vezes, lemos na Escritura a declaração de que Jesus Cristo é Senhor, e que precisamos confessar que Jesus é Senhor. Mas, por causa do contexto onde crescemos na fé, corremos o risco de reduzir a expressão “Jesus é Senhor” ao mínimo possível. Em comunidades influenciadas pelo pietismo, a pessoa é salva quando “aceitou” a Jesus como seu senhor pessoal. Então, a partir daí a vida do fiel é rendida a Cristo, e ele vai tentar se comportar segundo Cristo exige ou requer. Ou, para complicar a situação, em alguns círculos que ensinam a teoria que distingue o “crente carnal” do “crente espiritual”, o fiel tem a opção de ser um crente de “segunda categoria”, tendo “aceito” a Jesus como seu salvador, tendo a opção de ser um crente de “primeira categoria”, recebendo-o como senhor de fato da sua vida. Então, agora, este fiel tem um novo status, é um “crente consagrado”. Mas o que é ensinado no Credo, e nos é requerido confessar, é que nosso Jesus Cristo é Senhor. Sendo bem importante manter isso junto: “Nosso Senhor”.
O Credo começa com “Creio”, uma declaração individual. Porém, quando o Credo mantém juntas essas duas expressões “nosso Senhor”, ele quer lembrar alguns pontos importantes.
Jesus Cristo, o Senhor de nossa vida
De fato, Jesus é Senhor de todo aquele que confessa o Credo. A nossa vida não pertence mais a nós mesmos. Nós somos agora escravos de Cristo (Rm 6.8-23). Muitas vezes, é desconfortável para algumas pessoas lembrarem que, se confessam Jesus Cristo, como ensinado na Escritura, e sumariado no Credo, não pertencem mais a si mesmas. Se nós proferimos o Credo com confiança, com obediência, com comprometimento, estamos confessando que nossas vidas não pertencem mais a nós mesmos. Jesus é Senhor de fato da nossa existência.
O crente é alguém que vai lutar dia após dia para ser conformado a Cristo, e essa é uma das marcas da predestinação e eleição do fiel: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). Como podemos saber se fomos amados desde antes da fundação do mundo e predestinados? Porque, por obra do Espírito Santo, as marcas de Jesus Cristo estão nesta pessoa. Isso é uma exigência pesada, mas é isso que o evangelho requer de nós.
Unidade sob o senhorio de Jesus Cristo
Em um aspecto, quando dizemos que cremos em Jesus como Senhor, somos lembrados, então, que toda a nossa vida é colocada debaixo de sua autoridade. Mas o Credo aqui muda o tempo verbal do pronome, agora é “nosso Senhor”. Note o plural. Então, confessamos agora, no cerne do Credo, que toda a nossa vida em comunidade pertence a Jesus Cristo. E como isso é difícil, dado ao tanto que continuamos lutando com o pecado e a carnalidade. Se confessamos a Jesus como o Credo requer, e estamos entendendo corretamente o que essas doutrinas mais básicas querem ensinar-nos, todos nós, agora, estamos debaixo do senhorio de Jesus; todos nós nos colocamos debaixo do santo senhorio de Cristo, o nosso único Senhor. Ele vai à nossa frente. Portanto, não deveria haver lugar para mesquinharias, pensamentos pequenos ou egoístas dentro da comunidade cristã. A comunidade junta que confessa Jesus Cristo como único Senhor é uma comunidade que luta intencionalmente para se colocar debaixo do senhorio e da vontade amorosa de nosso Senhor Jesus Cristo, que deu tudo por nós – inclusive sua própria vida.
Jesus, o Senhor de toda a criação
E há um terceiro aspecto nesta seção do segundo artigo do Credo. A ideia é que Jesus Cristo é o Senhor cósmico. Ele reina sobre toda a criação. Deus, o Pai todo-poderoso, entregou ao seu Filho a regência do cosmos. E aqui eu lembro de um hino de natal composto por Martinho Lutero, Canção infantil para o Natal de Cristo, que ele fez para cantar com seus filhos. Ele diz assim na estrofe do hino:
Atentem! Este é o sinal:
No cocho, em fraldas, muito mal
Deitado está o que mantém
O céu e a terra, e os sustém.
Que mistério! O pequeno bebê na manjedoura, pelo seu balbuciar, domina céus e terra. Aqui é desvendado para nós o mistério do Deus encarnado. Conseguimos perceber o paradoxo aí? Um bebê, frágil, que só consegue dizer “da, da, ba, ba”. E são esses sons que sustentam toda a criação, porque Jesus, que assumiu a forma de escravo, está destinado a receber o nome que ninguém tem, o nome ao qual todos os joelhos nos céus, na terra, de debaixo da terra se dobrarão, para prostrarem-se e confessarem que Jesus Cristo é Senhor para glória de Deus Pai.
Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da nossa vida pessoal, Senhor da nossa comunidade, uma comunidade da confissão, uma comunidade confessional, e Senhor de todo o cosmos. Mais uma vez: o teísmo aberto parece ser uma página virada em nosso meio, uma moda que passou; porém, mais uma vez, isso é importante: É possível alguém ser de fato um cristão e eliminar ou negar algum artigo do Credo? Como já foi dito, parece que esta afirmação do Credo é uma paráfrase, quase uma citação direta da afirmação do apóstolo: “Confessares Jesus como Senhor” (Rm 10.9). Isso é muito sério.
O artigo acima é um trecho extraído com permissão do livro Credo dos Apóstolos, de Franklin Ferreira, Editora Fiel.
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