sexta-feira, 22 de novembro
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O tom sofrido da voz profética

Já foi dito que precisamos aprender a sofrer o que não podemos evitar; isto significa que o sofrimento faz parte desta vida. Jó, experimentado no drama do sofrimento, concluiu que “o homem, nascido de mulher, vive breve tempo, cheio de inquietação” (Jó 14.1). Como as faíscas das brasas voam para cima, “o homem nasce para o enfado” (Jó 5.7).

O Sofrimento Como Fato da Vida

A Palavra de Deus nos revela que o sofrimento é uma realidade conseqüente da queda do homem, isto é, do pecado que nos atinge (Gn 3.16-19). Até mesmo a natureza sofre (geme) por conta da desobediência do homem, inclusive com desastres que ultrapassam a capacidade de controle da vontade humana. Entre os efeitos do pecado encontram-se dor, sofrimento, enfermidade e morte. Devemos, pois, esperar o sofrimento como um fato natural desta vida. Mesmo muitos autores incrédulos descrevem o sofrimento como um fator característico e significativo da vida humana. Francisco Otaviano, poeta do século XIX, escreveu em seus versos: “Quem passou pela vida em branca nuvem,/ E em plácido descanso adormeceu; / Quem não sentiu o frio da desgraça, / Quem passou pela vida e não sofreu; / Foi espectro de homem, não foi homem. / Só passou pela vida, não viveu”.

Também nós, os crentes, embora tenhamos sido libertos da condenação do pecado, não estamos livres de sua presença, nem completamente isentos de suas conseqüências neste mundo. Além disso, devemos estar sempre convictos de que o sofrimento pode nos advir como conseqüência da ação do maligno contra nós. A Bíblia diz que “o diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar” (1 Pe 5.8). Como exemplos, no Antigo Testamento, podemos lembrar as grandes aflições de Jóe, no Novo Testamento, vemos o apóstolo Pedro sendo peneirado por Satanás (Lc 22.31). Outras vezes, nós mesmos voluntária e conscientemente buscamos o sofrimento. “Aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7).

Muitas vezes culpamos o diabo, quando nós mesmos procuramos, produzimos e alimentamos o sofrimento. Fomos atraídos e engodados pela nossa própria concupiscência; é o caso dos sofrimentos que com freqüência advêm aos maledicentes. E não esqueçamos que podemos estar sofrendo também como conseqüência da correção ou direção de Deus. O servo de Deus aprende que o “Senhor corrige a quem ama”; Ele nos “trata como filhos” (Hb 12.6,7).

Bem-aventurado o homem a quem Deus disciplina” (Jó 5.17). “Antes de ser afligido, andava errado, mas agora guardo a tua Palavra” (Sl 119.67).

Na conclusão do Sermão do Monte, ao falar sobre os dois alicerces, Jesus disse que as tempestades vêm às duas casas (Mt 7.24-27). Falando-nos sobre a importância vital do alicerce, Ele ressalta a obediência: “O que ouve as minhas palavras e as pratica”. Por vezes, somos chocados pela forma como vivem artistas e personalidades famosas, empresários e homens bem sucedidos no campo financeiro, desportistas, políticos e homens poderosos, cientistas e intelectuais, grandes acadêmicos ou mesmo pessoas comuns que estão engajadas na construção do seu projeto de vida, e podemos ser levados à indignação. Entretanto, antes de indignar-se, ouça o que a Palavra de Deus afirma: “Descansa no Senhor e espera nele, não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus desígnios. Deixa a ira, abandona o furor; não te impacientes; certamente, isso acabará mal” (Sl 37.7-8). Não podemos nos iludir com a aparência das construções. A diferença está nos alicerces. Um dia a casa sobre a areia vai ruir, e será “grande a sua ruína”.

A Natureza de Nossa Vida com Cristo

O sofrimento como um elemento característico da vida humana, portanto, é um fato. Porém, algo ainda deve ser dito, conquanto não gostemos de admitir: o sofrimento faz parte da própria natureza de nossa vida com Cristo aqui neste mundo. Talvez alguém receie dizê-lo com todas as letras, mas um cristianismo sem sofrimento é algo totalmente estranho ao conteúdo do Novo Testamento. O próprio Senhor Jesus nos advertiu com clareza a este respeito. De fato, Ele honesta e cristalinamente, assim advertiu todos quantos desejaram segui-Lo. Advertiu seus discípulos: “No mundo tereis aflições”; e referiu-se ao discipulado como “lançar mão do arado”, “tomar a cruz”, “negar-se a si mesmo”. Ele falou apenas de dois caminhos: um, estreito, apertado, anti-natural, para a vida, para cima, como o trajeto do peixe na piracema. O outro, largo, espaçoso, natural, para a morte, para baixo, como o trajeto do peixe morto levado pela correnteza. Devemos ficar preocupados e temerosos, se o nosso cristianismo é o mesmo das multidões. Se o seu cristianismo é fácil, popular e conveniente, tome cuidado! Não devemos nos sentir desanimados, se o cristianismo que professamos não é popular e se poucos concordam conosco. “Estreita é a porta, e apertado, o caminho… e são poucos o que acertam com ela” (Mt 7.14). O arrependimento, a fé em Cristo e a santidade na vida nunca estiveram na moda. No seu ministério na Galácia do Sul, Paulo experimentou grandes tribulações (inclusive apedrejamento), sendo, entretanto, capaz de fortalecer “a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22). Este mesmo Paulo comissionou Timóteo aos crentes tessalonicenses, dizendo: “…a fim de que ninguém se inquiete com estas tribulações. Porque vós mesmos sabeis que estamos designados para isto” (1 Ts 3.3).

O escritor da Epístola aos Hebreus nos lembra que somos estrangeiros neste mundo, e João, exilado em Patmos, escreve às sete igrejas da Ásia apresentando-se como “irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus” (Ap 1.9). Vivemos em terra estranha.

O crente está identificado com Cristo. E, como afirma o apóstolo Paulo, estamos crucificados com Cristo, o que nos identifica também com os seus padecimentos e sua morte. Paulo disse a sofredora igreja de Filipos: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele, pois tendes o mesmo combate que vistes em mim, e a- inda agora, ouvis que é meu” (Fp 1.29-30). Pedro declarou que não devemos estranhar o fogo ardente que surge em nosso meio, como se alguma coisa extraordinária estivesse acontecendo (1 Pe 4.12). E continuou: “Pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando” (v. 13). Assim como o crente está identificado com Cristo nos seus padecimentos e na sua morte, assim também o será na sua consolação e na semelhança de sua ressurreição e sua glória. “Como sois participantes dos sofrimentos, assim o sereis da consolação” (2 Co 1.7); e, “se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados” (Rm 8.17). Paulo nos diz que estas aflições são temporárias e leves, em comparação com a glória eterna vindoura, que, aliás, disse ele, está “acima de toda comparação” (2 Co 4.17).

Isto não significa que um cristão saudável é alguém que tem prazer no sofrimento por si mesmo. Ele não é um masoquista enfermo que busca insanamente o sofrimento ou que tolamente o apressa. Não se trata de idealizar o sofrimento e nele sentir prazer ou se deleitar em ser maltratado.

Isto é um distúrbio de personalidade. Tampouco significa que ele está aqui no mundo com a missão de, sadisticamente, provocar o sofrimento dos outros, nem desejá-lo para a humanidade. Ao contrário, um cristão saudável não se deleita no sofrimento alheio. Tampouco é alguém que deseja tornar o sofrimento maior do que já é ou tem de ser. Um cristão saudável não é alguém que dramatiza o sofrimento, nem que fica se lamentando em autocomiseração ou auto- piedade. Não necessita da piedade alheia para sentir-se bem. Também não desenvolve, em meio ao sofrimento, uma natureza amargurada, rancorosa, ressentida, cínica ou incrédula. A ocasião não faz o homem; a ocasião revela o homem.

Isso também não significa que a vida do justo é pior do que a do ímpio. Ao contrário, a vida do justo caracteriza-se por bem-aventurança eterna, paz e contentamento que transcendem às circunstâncias ao nosso redor. A Bíblia e o crente estão repletos da alegria do Senhor. E esta alegria é nossa força.

Isso significa ser realista e perceber que o mal conspira contra o bem, em um mundo que jaz no Maligno. As trevas aborrecem a luz. “Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou. Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal” (Jo 17.14-15). “Sereis odiados de todos por causa do meu nome” é uma palavra de Jesus registrada muitas vezes nos evangelhos (Cf. Mt 10.22, 24.9). “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. Tudo isto, porém, vos farão por causa do meu nome, porquanto não conhecem aquele que me enviou” (Jo 15.18, ss).

Assim, o cristão é capaz de se regozijar quando é considerado digno “de sofrer afrontas” pelo nome de Cristo (At 5.41); pode se gloriar nas “próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Rm 5. 3,4); e tem por motivo de grande alegria o passar por várias provações, sabendo que a provação da fé, “uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tg 1.2-4).

O cristão sofrerá quanto mais ele se tornar semelhante a Cristo. E o crente sabe que são prerrogativas de Deus: determinar o sofrimento, retribuir conforme sua própria vontade e justiça, regular a intensidade do sofrimento e determinar sua duração, tempo e continuação. Podemos e devemos orar expressando a Deus o nosso sofrer, inclusive pedindo-lhe alívio. Mas, acima de tudo, cumpre-nos confiar nEle, mesmo que o barco de nossa vida esteja em meio à tormenta. Deus “não aflige nem entristece de bom grado” (Lm 3.33). Porém, é justo e bom em todos os seus caminhos. O bom coração de Deus está pulsando em toda parte; e quem tem ouvidos para ouvir, ouça!

Uma Marca do Ministério Profético

Tiago recomenda aos irmãos tomarem “por modelo no sofrimento e na paciência os profetas, os quais falaram em nome do Senhor” (Tg 5.10).

Os profetas não herdavam seu ofício, nem eram estabelecidos por autoridade humana; eram escolhidos por Deus, que os chamava e lhes conferia as qualificações necessárias. A palavra do Senhor vinha a eles; Deus ordenava-lhes que falassem e não guardassem silêncio. Entre os sábios que a história registra, os profetas de Israel elevam-se pela sua pureza, pelo seu valor moral, bem como pela oportunidade de seus ensinos. Os profetas eram respeitados como homens e servos de Deus, mensageiros do Senhor, vigias e intérpretes. Eram homens santos, que se haviam entregado ao serviço de Deus e viviam em comunhão com Ele; eram homens de oração e meditação habitual.

O profeta era primariamente um homem da Palavra de Deus. O Novo Testamento, autenticando o Antigo Testamento, apresenta os profetas co- mo a mais importante voz que nos veio do passado. O Senhor Jesus endos- sou a mensagem dos profetas. Porém, o Novo Testamento alude freqüentemente ao fato de que foram uma minoria perseguida. A voz profética foi um grande e verdadeiro incômodo a uma liderança corrupta, a uma sociedade iníqua e injusta e a uma religião falsa, decadente ou apóstata. Para os tais, a presença do profeta era uma ameaça e um perigo; a voz profética era uma grande inconveniência. Às vezes, ela soava agradável e consoladora como bálsamo, mas, com freqüência, a voz profética se assemelhava a um espinho. Assim, um aspecto impressionante é a quantidade de referências do Novo Testamento ao sangue e à morte dos profetas (Mt 23.29-37). O escritor da Epístola aos Hebreus, na galeria da fé, afirmou que “alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra” (Hb 11.35-38).

Jesus se apresentava como quem pertencia à linhagem dos profetas rejeitados, e sua rejeição marcava o cúmulo da iniqüidade, trazendo julgamento público sobre Jerusalém (Lc 11.47-51). Ele teve o seu getsêmane e sofreu os pesados golpes de martelo que O cravaram pelas mãos e pelos pés. Cumpriu-se nEle a palavra profética: “Homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is 53.3). Estêvão, o primeiro mártir do cristianismo, no seu sermão em Jerusalém, fez uma conexão ininterrupta entre o assassinato dos profetas e a morte de Jesus: “Qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos” (At 7.52).

Nas bem-aventuranças, o Senhor Jesus disse aos seus discípulos: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.11-12; comp. Lc 6.22-23).

No Novo Testamento, os profetas não eram fonte de novas verdades apresentadas à Igreja, e sim meros expositores da verdade revelada (1 Co 14.37-38). Eles não deveriam desejar a notoriedade dos inovadores, mas, antes, contender zelosamente pela “fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3), mantendo-se em posição de subordinação à doutrina dos apóstolos. Não obstante, eles, igualmente, não podiam esperar que ficariam isentos de sofrimento. No rico simbolismo do livro do Apocalipse, há uma referência a dois profetas (duas testemunhas) do Senhor, e afirma-se que de suas bocas sai fogo. Quando esses dois profetas são mortos, “os que habitam sobre a terra se alegram por causa deles, realizarão festas e enviarão presentes uns aos outros, porquanto esses dois profetas atormentaram os que moram sobre a terra” (Ap 11.10). Esta é uma descrição bastante realista do incômodo que o ministério profético também representa nesta dispensação da graça.

Escrevendo acerca dos sofrimentos da igreja tessalonicense, Paulo falou sobre os judeus que “não somente mataram o Senhor Jesus e os profetas, como também nos perseguiram, e não agradam a Deus, e são adversários…” (1 Ts 2.15). Este mesmo Paulo escreveu a Timóteo, encorajando-o: “Participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação” (2 Tm 1.8-9); “E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros. Participa dos meus sofrimentos como bom soldado de Cristo Jesus” (2 Tm 2.2-3). Disse-lhe o apóstolo: “Tudo suporto por causa dos eleitos” (v. 10).

O Desafio de uma Cultura Hedonista

Muito se tem dito e escrito acerca do caráter hedonista de nossa geração. Somos uma geração que cultua o prazer e celebra o entretenimento. Até mesmo entre muitos evangélicos contemporâneos, o servir a Deus relaciona-se apenas com idéias felizes, fáceis e agradáveis. O privilégio ou a graça de sofrer (Fp 1.29) é, repetindo um refrão já conhecido, uma graça que poucos desejam. Nosso mundo, em toda a sua lógica, se torna a cada dia mais patrocinador da idéia do não-sofrimento. “Somos a sociedade do analgésico.”

Por outro lado, é tremenda a necessidade de que Deus levante homens para a época em que estamos vivendo. Homens chamados, capacitados e enviados. Homens que acima de tudo tenham corações inflamados de amor a Deus e aos homens, que temam a Deus e nada mais, exceto o pecado, que tenham um zelo infatigável pela glória de Deus, que estejam prontos a morrer por Cristo, se necessário.

A leitura da história eclesiástica e de biografias de homens de Deus pode auxiliar-nos grandemente a perceber quão acanhada está se revelan- do a nossa geração. Quando lemos a história do povo de Deus, constatamos que os caracteres mais inabaláveis sempre estiveram cheios de cicatrizes.

David Brainerd é um exemplo de alguém que resolveu colocar sua vida no altar. Na história de missões, poucos influenciaram a vida de outros missionários como ele. Brainerd morreu jovem, aos vinte nove anos de idade, em 1747. Trabalhou entre os índios da América do Norte e viu, durante o seu ministério, um grande avivamento espiritual entre eles. As privações, o trabalho incansável, as intempéries consumiram o seu vigor. Uma prolongada enfermidade ceifou sua vida. Devido à sua fragilidade física e aos rigores do campo missionário, ele contraiu tuberculose. Brainerd calculou o preço do seguir a Cristo e deliberadamente fez uma escolha que significava separar-se do mundo civilizado, com suas vantagens, e associar-se à dureza, ao trabalho e, possivelmente, a uma morte prematura e solitária. Entretanto, homens como William Carey, Henry Martyn, Robert Mürray McCheyne, John Wesley, Jonathan Edwards, Charles Spurgeon, Oswald Smith, Jim Elliot, citando apenas alguns, testemunham a grande influência da biografia de Brainerd em suas vidas. Um biógrafo de Brainerd diz que ele “foi como uma vela que, na medida em que se consumia, transmitia luz àqueles que estavam em trevas”.

George Whitefield é outro homem do qual o mundo não era digno. Sua vida foi consumida diante do Senhor. Dr. Martyn Lloyd-Jones impressionou-se dele ter vivido quase 65 anos. Nos dias que antecederam à sua morte, Whitefield costumava pregar cinco ou seis vezes por dia. “Aquilo era comum para ele e, assim, colocava o seu corpo sob uma tremenda tensão.” Vejam o relato de suas ações em momentos antes de falecer, na madrugada de 30 de setembro de 1779. Após haver pregado por várias horas, numa condição física muito frágil, finalmente disse que estava indo para a cama.

Deram-lhe um castiçal com uma vela, mas o lugar estava cheio de pessoas. Aonde ele ia as pessoas se juntavam ao seu redor, fazendo perguntas, querendo ouvir uma palavra sua. Este seu último quadro é tremendamente maravilhoso, idílico. Whitefield estava procurando separar-se deles e começou a subir a escada, segurando a vela acesa em sua mão. Então, ele se voltou e falou-lhes novamente e lhes fez outra exortação. Assim continuou, até que a vela se consumiu e só restou o castiçal em sua mão. Enfim, ele foi para o seu quarto e sua cama. Teve um grave ataque daquilo que agora chamaríamos asma cardíaca e morreu. Ele simplesmente foi para estar com o Senhor, a quem tanto amou… ele anelava estar com seu Senhor… este era seu maior desejo; enfim, lhe foi concedido.

Alguém disse acerca de alguns alpinistas do Monte Everest: “Quando foram vistos pela última vez, estavam marchando decididamente para cima”. Na tumba de outro alpinista que morreu na montanha foi colocado o seguinte epitáfio: “Morreu sabendo!” Estas mesmas palavras poderiam ser ditas de Brainerd, Whitefield e muitos outros.

Devemos afirmar com clareza: a nossa época carece de homens assim. O quadro do ministério evangélico atual é grave e parece estar piorando. Ninguém mais olvida o fato da crescente fisionomia profissional do ministério pastoral; e o sindicato de pastores é apenas um dentre múltiplos exemplos. Grassa um corporativismo sindical, completamente diferente do espírito do Novo Testamento. E o quadro pode se agravar cada vez mais com jovens ingressando nos seminários absorvidos por uma mentalidade em que sacrifício simplesmente é alguma coisa caduca. Até a década de 60, aqueles que ingressavam nos seminários eram, em sua esmagadora maioria, oriundos de famílias pobres e contextos rurais. Talvez o extrato econômico de procedência da maior parte dos atuais seminaristas não tenha mudado, mas agora eles vêm com uma mentalidade e um ideário eminentemente urbanos e de classe média. Muitos, conquanto aparentemente sinceros, procedem de igrejas completamente imersas no triunfalismo dos “movimentos de fé”, da geração “super-crente”, do evangelho da saúde e da prosperidade. Ouviram em seus púlpitos de origem que, “se você aceitar Jesus, ficará muito rico”. Ouviram sobre um Deus que paga para você ser crente, e provavelmente ouviram pouco ou quase nada acerca do servir visando à glória de Deus e motivado pelo privilégio de conhecê-Lo. Tal como na esfera secular, emergiu uma geração predominantemente alheia a idéia de sacrifício, para a qual sofrimento significa ausência de fé, fracasso ministerial ou mesmo tolice.

Deve o leitor perguntar-se: cresce no ministério contemporâneo uma geração de líderes que está mais e mais susceptível a trocar o direito e abênção da primogenitura por uma posição mais abastada e subsidiada? Em sua denominação é fenômeno raro uma troca de ministério em que haja perdas e sacrifício pessoal? E, nalguns casos em que isso ocorre, os motivos são os melhores e os mais nobres? O leitor tem a impressão de que é crescente o número daqueles que estão cada vez mais susceptíveis a transigir com a verdade e com sua consciência colocando sua subsistência e comodidade em primeiro lugar? Cresce o número daqueles que não estão sinceramente dispostos nem a desagradar pessoas ou grupos influentes da igreja, nem a contrariar procedimentos decadentes em sua denominação? Está se tornando comum ouvir que não estão dispostos a “queimar a sua imagem”, pois têm uma “carreira” pela frente? Parece-nos que numa razoável filosofia de ministério deveria constar o seguinte princípio: não devemos serdesnecessariamente antipáticos. Todavia, na filosofia de ministério de alguns obreiros atuais, o princípio pode ser assim enunciado: devemos sernecessariamente simpáticos. A que mais se assemelha o moderno pastor de sucesso em sua denominação? A um empresário e capitalista? A um administrador? A um construtor? A um especialista em marketing e publicidade?

A um relações-públicas? Ou a um profeta?

Precisamos admitir com tristeza: em alguns arraiais do evangelicalismo, a busca pelo poder é algo que envergonha. Há pessoas dispostas a sofrer os relacionamentos superficiais, as amizades descartáveis e as corridas competitivas freqüentes no cenário do poder, mas indispostas a sofrerem realmente pelo nome de Cristo ou a possuírem o mesmo espírito de Cristo revelado aos apóstolos na ocasião do lava-pés.

Um quadro terrivelmente crítico será aquele em que os líderes tiverem verdadeira ânsia pelo espetacular e para quem o sucesso for mais importante do que a excelência e a fidelidade; em que os mecanismos de alienação, manipulação e indução forem cada vez mais fortes; em que para os líderes o importante for a realização de alguns objetivos, não importando muito como chegar lá; em que a busca de poder e o desejo de servir assumirem o mesmo significado.

A ânsia pelo espetacular ou pelo sucesso costuma ser mais uma manifestação de busca por identidade. Ansiamos por ser alguém, celebrado e reconhecido. Se o espetacular cumpre sua necessidade íntima, você fará qualquer coisa para consegui-lo? Admitamos: isto procede da ilusão do ser humano egoísta! Procede de um coração incrédulo, que desaprendeu a confiar em Deus. Procede de um coração que se revela carente de amor por/de Deus, pois “o amor é sofredor”. O ministério consiste em servir ao Senhor dependendo do poder dEle, e não do nosso; é através de nossa fraqueza e vulnerabilidade que nos tornamos solidários ao próximo. Precisamos recordar que a suficiência é de Cristo; que a excelência do poder é Deus e não nossa; e que o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza.

Conclusão

Urge que se levantem homens dispostos a se gastarem por Deus. Michelângelo, artista da renascença, escultor notável, disse que, “quanto mais se gasta o mármore, tanto mais cresce a estátua”. Nossa geração carece de homens que estejam sendo mortificados e transformados na imagem de Cristo.

Precisamos de homens que, enquanto se gastam, transmitam luz. O sol é uma estrela de quinta grandeza. Dizem-nos os astrônomos que é uma estrela cansada. Ele vem queimando e queimando, e sua energia, derramando-se sobre a terra, é aproveitada pelas plantas, nos jardins, e se transforma em oxigênio, flores e frutos… em vida!

James Elliot, mártir missionário entre os índios no Equador, disse: “Não é um insensato aquele que gasta aquilo que não pode conservar, a fim de obter aquilo que não pode perder”. Uma das maiores bênçãos que Deus poderá conceder-nos é uma geração de líderes que, por amor a Jesus, perderam sua vida para ganhar. Que Deus nos conceda seus profetas dos quais este mundo não é digno; trombetas que ecoem um sonido certo e definido, não obstante o tom sofrido!


Autor: Gilson Santos

Gilson Santos é Ministro Batista e pastor titular da Igreja Batista da Graça, em São José dos Campos, SP, há mais de 20 anos. Graduado em História, Teologia e Psicologia, é pós-graduado em psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É escritor no institutopoimenica.com e professor de disciplinas de Teologia Prática no Seminário Martin Bucer.

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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