domingo, 17 de novembro
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Os profetas hoje

Ainda há profecias que revelem novas verdades?

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Profetas, de Augustus Nicodemus, Editora Fiel (em breve).


 

A profecia, entendida como a revelação da vontade inerrante de Deus para a sua igreja, cessou com os profetas do Antigo Testamento e com os apóstolos do Novo Testamento. Com efeito, o linguajar do sacerdote Zacarias no texto que analisamos no capítulo precedente parece dar a entender que, mesmo em sua época, o grupo dos profetas do Antigo Testamento era distinto, separado, exclusivo e fechado. Esses profetas — aos quais o texto bíblico atrela a designação “santos”, uma evidente alusão ao grupo de profetas canônicos — haviam profetizado a respeito da manifestação do Rei messiânico “na antiguidade” (απ αιωνος; Lc 1.70, NVI), o que revela que, no primeiro século, Deus já não levantava profetas havia muito tempo — desde a morte do profeta Malaquias, que exercera o seu ministério, no mínimo, 400 anos antes do tempo do pai de João Batista. O ministério profético à maneira do que era praticado no Antigo Testamento não existe mais hoje, como já definimos, mas já não existia mais mesmo na época de Zacarias, cujo filho, João Batista, encerrou definitivamente a linhagem dos profetas de Israel.

Ademais, definimos, no capítulo anterior, que os legatários da sucessão profética do Antigo Testamento não foram os profetas do Novo Testamento, mas os apóstolos. Assim, uma vez que, com a morte destes, o ministério apostólico chegou definitivamente ao fim, o ministério profético, definido como a entrega de uma mensagem inspirada e infalível da parte de Deus, também cessou, por consequência. A revelação inerrante que tanto os profetas da antiguidade como os apóstolos do primeiro século tinham para o povo de Deus já foi proferida e registrada de uma vez por todas na Bíblia. Os porta-vozes autorizados e inspirados por Deus já terminaram o seu ministério e nos legaram o fundamento sobre o qual a igreja de Jesus Cristo vem sendo edificada desde então, além de nos terem desvelado todas as etapas da História da Redenção, até o seu último capítulo. Não há mais, pois, a necessidade de figuras como Isaías, Jeremias, Paulo e Pedro. A obra deles já foi concluída e não precisa nem pode ser repetida. O que nos resta no presente é darmos continuidade à edificação da igreja sobre o fundamento que eles lançaram no passado.

A profecia hoje

Por outro lado, há alguns aspectos do ministério profético que, ainda hoje, permanecem (e devem permanecer) muito ativos na igreja. Vimos que os profetas, ao contrário do que popularmente se imagina, não somente anteviam o futuro, mas também — e sobretudo — faziam análises precisas de seu próprio tempo, interpretavam as Escrituras, aplicavam-nas de forma adequada ao seu público, conclamavam as pessoas ao arrependimento e à fidelidade pactual, além de serem pregadores que Deus usava para levar exortação, ensino e conforto para o seu povo. Essas características do ministério profético não cessaram com a morte dos profetas do Antigo Testamento ou dos apóstolos do Novo Testamento. Todo aquele que, a exemplo dos profetas bíblicos, leem a Palavra de Deus, interpretando-a de forma fiel e aplicando-a adequadamente ao seu público, está, em um sentido, profetizando, ainda que jamais faça uma previsão do futuro. Paulo assim define a função do profeta: “[…] o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando” (1Co 14.3).

A profecia enquanto revelação infalível e inspirada de Deus cessou. A profecia como direcionamento particular para pessoas pode ocorrer, mas muito esporadicamente. Contudo, quando os pregadores cristãos, mesmo os mais simples, se colocam diante de suas congregações numa manhã de domingo, abrem sua Bíblia, explicam-na acuradamente e a aplicam de forma adequada ao contexto de seus ouvintes, eles estão fazendo exatamente o que os profetas do período bíblico faziam. Um exemplo notável dessa compreensão da pregação como profecia se acha em um dos mais influentes tratados de homilética já escritos por um protestante: A Arte de Profetizar, do puritano William Perkins (1558–1602). Evidentemente, não se trata de um manual que ensine os leitores a obter de Deus, por meio de algum ritual, o conhecimento do futuro. O objetivo de Perkins é mostrar aos que o leem como se deve interpretar, pregar e aplicar as Escrituras. A profecia, uma vez que a definamos como Perkins, permanece viva na igreja. De fato, a maior parte da profecia bíblica é exortação, interpretação, aplicação, conforto e instrução, e não futuração ou adivinhação.

Ademais, há outro sentido em que o dom de profecia está disponível para nós hoje. Quando, por exemplo, ao longo da semana, um pregador se prepara para pregar no domingo seguinte, lendo o texto bíblico repetidas vezes (em alguns casos, nas línguas originais da Bíblia), manuseando comentários bíblicos, organizando meticulosamente o seu discurso de forma coerente e buscando traçar aplicações válidas e relevantes para a sua igreja, o dom de ensino que ele recebeu está em plena operação. Contudo, não obstante todo o seu árduo labor, fruto do dom de ensino que recebeu, esse mesmo pregador que se preparou com o afinco característico de um mestre zeloso talvez entre em seu gabinete pastoral momentos antes de o culto ter início e suplique a Deus que lhe conceda o dom de profecia enquanto prega, trazendo à sua mente e boca palavras que, embora não constem em seu esboço, o Senhor quer que a igreja ouça, a fim de edificá-la, exortá-la e consolá-la. Talvez o pastor, apesar de sua devoção e esmero, tenha deixado de considerar uma importante faceta do texto bíblico que exporá. Embora diligente no exercício de seus deveres e afeito à prática de sinceras súplicas por iluminação, ele pode não ter atentado para uma aplicação do texto que Deus quer enfatizar para a congregação que o ouvirá. Assim, consciente de suas limitações e da imperfeição de seus esforços bem-intencionados, ele se coloca nas mãos de Deus mais uma vez antes de subir ao púlpito, humildemente rogando-lhe que não apenas use as palavras que ele mesmo planejou proferir, mas que lhe coloque na boca quantas palavras não planejadas quiser. Aqueles que atuam no ministério de ensino de maneira regular sabem que Deus, de fato, em certas ocasiões, os impele a proferir palavras de instrução, exortação e consolo que não eles não haviam premeditado.

A profecia assim definida — isto é, como um estímulo divino súbito que incute na mente de alguém uma mensagem não planejada — continua à disposição da igreja hoje, embora seja importante enfatizarmos que, em nossos dias, esse impulso repentino não possui um caráter revelatório, mas didático. Em outras palavras, Deus não instiga um pastor, durante a entrega de um sermão, a revelar coisas novas, mas a reforçar e explicar as antigas, aquelas que ele revelou aos escritores bíblicos e que se acham reunidas no cânon sagrado. Nunca se dará o caso de Deus levar um pregador a proferir conteúdos que jamais foram ouvidos e conhecidos. Pelo contrário, o impulso divino propele os servos de Deus a discorrer sobre um determinado tópico bíblico ou sobre uma implicação válida de um texto das Escrituras. Não há mais profecias que nos revelem novas verdades em que devemos crer ou que temos de aceitar.

 

 


Autor: Augustus Nicodemus

Augustus Nicodemus é bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife, mestre em Novo Testamento pela Universidade Cristã de Potchefstroom, na África do Sul, e doutor em Hermenêutica e Estudos Bíblicos pelo Seminário Teológico de Westminster, na Filadélfia (EUA), com estudos adicionais na Universidade Reformada de Kampen, na Holanda. Foi chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie por dez anos, é professor do Centro Presbiteriano de Pós Graduação Andrew Jumper. Autor de diversos livros, dentre eles, Apóstolos, publicado pela Editora Fiel. É autor de vários livros, entre eles Apóstolos, publicado por Editora Fiel. É casado com Minka Lopes e tem quatro filhos: Hendrika, Samuel, David e Anna.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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