domingo, 17 de novembro
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Resignação preventiva: o que a igreja precisa saber

Líderes eclesiásticos geralmente perguntam como eles deveriam responder quando uma pessoa que está sendo disciplinada pela igreja resigna antes do processo de disciplina estar completo. Eles deveriam aceitar a resignação ou continuar movendo-se para excomunhão?

Suponha que um homem decide deixar sua mulher por causa de outra mulher. Outros membros da igreja pedem que o homem se arrependa e volte para sua mulher. Ele não volta. Eles pedem novamente, mas dessa vez, eles também o advertem acerca da possibilidade de excomunhão. Então, ele resigna da sua membresia. Caso encarrado. Ele agora está imune. Ou, no mínimo, isso é o que o homem adúltero está dizendo. Isso é correto?

O caso da permissão de resignações preventivas

Uma defesa de ordem civil para a permissão de resignação preventiva argumentaria que as igrejas locais, em um contexto de uma sociedade civil democrática, são “organizações voluntárias”, assim como os escoteiros, a liga de futebol feminino ou o clube de jardinagem. Você pode escolher aderir, você pode escolher abandonar. E ninguém dá o direito à igreja de dizer o contrário. Em um contexto civil liberal, o indivíduo reina supremo.

Agora, adicione uma camada teológica ao argumento da resignação preventiva. Seres humanos não dependem em última instância de suas famílias, suas igrejas, suas nações ou seus sacerdotes paroquiais para um relacionamento com Deus.  Eles devem depender de Cristo. Apenas ele é o mediador entre Deus e o homem. Isso significa que as igrejas não devem negar aos indivíduos a habilidade de agir de acordo com suas consciências, o que inclui permitir que eles deixem a igreja quando quiserem. Caso contrário, a igreja efetivamente nega a competência da alma e, de forma errada, coloca a si mesma entre o indivíduo e o Salvador do indivíduo. Certo?

O caso contra a permissão das resignações preventivas

De fato, ambas objeções, civil e teológica, dependem de uma ideia reducionista acerca do que a igreja na terra é. A igreja na terra não existe somente porque alguns indivíduos têm decidido livremente se associar juntamente em uma área de interesse comum a eles, como os escoteiros. Ela não existe somente como um cuidado para nossa santificação como crentes, como um conceito supervalorizado da competência da alma faria que acreditássemos.

Em vez disso, a igreja existe porque Cristo veio estabelecer seu reino e ele quer que um grupo marcado de pessoas represente seu reinado celestial na terra (veja Mateus 3.2; 4.7; 5.3, 5; 6.10,19-20; 13.11). A igreja não existe simplesmente para o próprio bem da sua santificação, ou mesmo para o bem do mundo de forma final. Ela existe para cumprir a tarefa originalmente dada a Adão e Israel, mas cumprida de forma final em Cristo: a tarefa de ser a imagem, ou a representação, do reinado glorioso de Deus na terra.

O problema é que muitos hipócritas alegarão pertencerem ao reino baseados nos laços familiares ou obras de justiça (por exemplo, Mateus 3.9; 6.1; 2-3, 5-6, 16-17; 8.11-12; 13.47-50) e muitos virão clamando o nome de Cristo e dizendo “Senhor, Senhor” (Mateus 7.21-23; cf. 24.5). Mas o reino não pertence a qualquer um e todos os que professam estar nele, mas pertence somente àqueles que produzem o fruto do reino e continuam em arrependimento (Mateus 3.8; 5.3-12; 7.15-20; 7.24-27; 18.3-4). “Vede que ninguém vos engane”, disse Jesus, antecipando tais falsos professos (Mateus 24.4).

Assim, Jesus deu às igrejas locais, que são postos avançados do seu reino, a autoridade de vincular e liberar, o que inclui a habilidade de excomungar (Mateus 16.19; 18.17-19). Excomunhão, então, é um aspecto da autoridade que Cristo deu à igreja local para o bem de defender o nome e reputação de Cristo na terra (Mateus 18.15-20). É uma forma de dizer que alguém não mais pertence ao reino de Cristo, mas ao reino de Satanás (1Coríntios 5.5). Assim como o batismo funciona como uma forma pública da igreja afirmar a profissão de fé de um indivíduo (Mateus 28.19), assim a excomunhão funciona como uma forma pública da igreja remover sua afirmação corporativa da profissão de fé de um indivíduo, porque essa profissão se mostrou fraudulenta.

Tenha em mente o que a membresia eclesiástica está do lado da igreja: é a afirmação formal da igreja da sua profissão de fé, junto com seu comprometimento de supervisionar sua disciplina. Sem disciplina, essa afirmação e supervisão são sem sentido, o que significa dizer que a membresia é sem sentido. Se uma igreja não pode retirar sua afirmação, que bem a afirmação traz? Para essa afirmação e supervisão significar algo, a igreja precisa estar apta para “corrigir o que foi dito”. Isso é o que excomunhão é. A igreja diz à comunidade: “Nós afirmamos anteriormente a profissão de fé dessa pessoa, mas não podemos mais fazer isso”. Então, o indivíduo pode não gostar, mas a igreja tem seus próprios problemas de relações públicas para resolver quando o indivíduo sob disciplina tenta resignar. De fato, a tentativa de um indivíduo de resignar, enquanto está sob disciplina, é tentar coagir toda a igreja a fazer uma declaração pública acerca do indivíduo que a igreja não acredita.

Com tudo isso em mente, considere novamente o exemplo do homem que deixa sua esposa por causa de outra mulher. O homem continua a professar sua fé em Cristo, mas sua profissão agora se mostra fraudulenta, porque sua vida não produz fruto de arrependimento contínuo (Mateus 3.8). Ele tem sido orientado a se arrepender, mas não irá. Entre seu pecado e os mandamentos daquele que ele diz ser seu Senhor, ele escolhe seu pecado. Precisamente por tais ocasiões, Jesus deu à igreja a autoridade de excomungar, a autoridade de remover sua afirmação pública da profissão de fé do homem. Outrora, a igreja afirmou publicamente a profissão de fé do homem ao aceitá-lo na membresia, ao compartilhar o batismo e a Ceia do Senhor com ele; foi dito ao mundo observador: “Sim, afirmamos que esse homem é um seguidor de Cristo”. Porém, agora a igreja não quer que o mundo seja enganado pela falsa aparência da profissão do homem. Portanto, ela age através da disciplina eclesiástica para clarificar o estado do homem para seus próprios membros e para o mundo que está observando.

Fazendo isso, ela efetivamente diz: “Não, não é assim que um seguidor de Cristo aparenta. Nós não podemos afirmar sua profissão e não mais podemos identificá-lo como um de nós, porque identificá-lo conosco é identificá-lo com o nosso Senhor. E nosso Senhor nunca iria abandonar sua esposa”.

Sim, indivíduos são responsáveis, em última instância, em relação a Deus e não à suas igrejas. Sim, indivíduos deveriam escolher o lado de Deus, em vez do lado da igreja, quando uma igreja exige que membros ajam contra a Palavra de Deus. Sim, a igreja é uma “organização voluntária” na medida que a igreja não pode recrutar membros como um projeto de exército, ou impedi-los de deixá-la como se fossem escravos. Fomos justificados pela fé somente. Ainda assim, Cristo tem dado à reunião corporativa de crentes uma autoridade que ele não deu ao indivíduo unicamente: a autoridade, podemos chamar assim, de guardar as fronteiras do reino por fazer uma declaração pública pela causa de Cristo. É da autoridade do secretário de imprensa da Casa Branca falar oficialmente pelo presidente, ou de um embaixador falar oficialmente por seu governo. O indivíduo que tenta prevenir esse processo de resignar, antes da igreja promulgar uma disciplina formal, é culpado de usurpar a autoridade apostólica da igreja de falar dessa forma. Ao fazer isso, ele agrava sua culpa, como um criminoso acusado de “resistência à prisão”.

Passos práticos

Uma igreja põe-se em risco legal por negar uma resignação preventiva e proceder com a disciplina? É possível, mas esse risco é suavizado, se não completamente mitigado, ao adotar dois passos práticos: 1. Incluir uma declaração a respeito da disciplina eclesiástica nos documentos oficiais da igreja, ou uma constituição, ou estatuto.

2. Ensinar claramente acerca da possibilidade da disciplina eclesiástica para todos os membros que estão chegando e incluir esse ensino no currículo padrão dos membros em potencial.

As igrejas deveriam disciplinar membros que renunciam explicitamente a fé? Acho que não. Em vez disso, a igreja deveria fazer o que faz quando alguém morre – informar o fato e excluir o nome do diretório de membresia da igreja. Isso é tudo que pode fazer. Cristo não deu à igreja a autoridade sobre os mortos ou sobre aqueles que tomam para si o seu nome. Em cada caso, o pacto da igreja é simplesmente apresentado para discussão. Vale a pena observar que as duas passagens mais importantes sobre disciplina eclesiástica (Mateus 18.15-17 e 1Coríntios 5) instruem a igreja a como tratar aquele que alega ser um irmão.

Conclusão

Para afirmar o argumento em um único parágrafo, podemos dizer que finalizar a membresia de alguém em uma igreja requer consentimento de ambas as partes. Aderimos a uma igreja pelo consentimento da igreja e deixamos uma igreja pelo consentimento da igreja, porque é a igreja local que tem autoridade de representar publicamente Cristo na terra, como uma embaixada faz de seu governo. Cristo deu à igreja a autoridade de vincular e liberar, não ao indivíduo cristão. O homem que continua a chamar a si mesmo de cristão e ainda tenta evitar o ato da igreja de disciplina é culpado de usurpar o poder das chaves. Cristo fez a igreja seu procurador na terra exatamente para tais ocasiões, para evitar que hipócritas e heréticos presumam continuar falando em nome de Cristo.


Autor: Jonathan Leeman

Jonathan Leeman é graduado em Jornalismo, possui mestrado em Divindade pelo Southern Baptist Seminary (EUA) e Ph.D. em Eclesiologia. É diretor de comunicação do Ministério 9Marks.

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