sexta-feira, 3 de maio
solteirice

Solteirice, uma dádiva

Aquilo que somos é uma escolha somente do Doador

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Aquietai-vos, de Elisabeth Elliot, Editora Fiel.


Aquilo que somos é uma dádiva e, como outras dádivas, é uma escolha somente do Doador. Ele não nos apresenta uma lista de opções: o que você gostaria de ser? Quão alta? De que cor? Qual temperamento prefere? Que pais você escolheria como seus progenitores?

Portanto, você é uma mulher, escolhida desde a fundação do mundo, concedida a pais que haviam pedido por um menino (e só Deus sabe quantas vezes e quão profundamente eu agradeci por ele haver negado aquela ignorante oração). E, antes de completar vinte anos, você entregou seu coração ao homem que, em breve, será seu marido, de modo que não sabe, de fato, o que é ser uma mulher solteira. Você não foi convidada a se debater com essa questão. Relativamente poucas mulheres precisam fazê-lo, pois a maioria se casa. E, entre aquelas que se casam, noventa por cento o fazem antes dos 21 anos, o que significa que jamais souberam o que é ser uma mulher solteira no mundo.

Elas provavelmente viveram com seus pais e foram sustentadas por eles durante a maior parte de sua vida. Muitas estavam na faculdade na época em que se casaram — como acontecerá com você — e, portanto, o tempo delas foi planejado por outrem. Nenhuma decisão importante terá cabido inteiramente a elas.

Eu lhe contei um pouco de minha própria perplexidade a respeito desse assunto quando era uma estudante universitária, pois eu cria que Deus estava me chamando para ser missionária e, possivelmente, uma mulher solteira. Eu queria ser missionária, mas não queria ser solteira. Parecia que eu iria para a África, e o único homem por quem eu me interessava estava prestes a ir para a América do Sul, o único lugar para onde eu tinha certeza de que nunca iria.

Houve um dia, apenas uma semana antes de eu me formar, em que aquele homem e eu conversamos sobre casamento e os rumos pelos quais Deus parecia estar nos guiando, e me lembro de ele dizer que Paulo considerava a vida de solteiro uma dádiva. Bem, pensei debochadamente, Paulo de fato tinha algumas ideias bizarras e certamente não devia ser levado muito a sério em sua opinião sobre o casamento. O que ele sabia sobre casamento? Ele era solteiro porque gostava de estar solteiro; e eu suspeitava de homens assim. (Depois disso, ocorreu-me que não temos evidências de que Paulo nunca tenha sido casado.)

Porém, depois de passar mais de 41 anos sem marido, aprendi que isso é realmente uma dádiva. Não uma dádiva que eu teria escolhido. Não há muitas mulheres que a escolheriam. Mas nós não escolhemos nossas dádivas, lembra? Elas nos são dadas por um Doador divino que conhece o fim desde o começo e que deseja, acima de tudo, dar-nos a dádiva de si mesmo. É no contexto dessas circunstâncias que ele escolhe para nós — solteirice, casamento, viuvez — que nós o recebemos. É ali, e em nenhum outro lugar, que ele se dá a conhecer a nós. É ali que temos a oportunidade de servir a ele.

Em 1 Coríntios 7, Paulo diz que é melhor que cada homem tenha sua própria esposa e que cada mulher tenha seu próprio marido, “por causa da impureza” (v. 2). Então, quase imediatamente, ele diz: “Quero que todos os homens sejam tais como também eu sou; no entanto, cada um tem de Deus o seu próprio dom; um, na verdade, de um modo; outro, de outro. E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor se casar do que viver abrasado” (vv. 7-9).

Nos cinco anos seguintes à minha formatura, até meu casamento com ele, aquele jovem e eu esperamos em Deus, oramos, examinamos as Escrituras, trocamos correspondência e, em ocasiões muito esparsas, pudemos conversar sobre esses assuntos. Será que Paulo estava colocando a vida de solteiro acima do casamento? Sem dúvida, parecia que sim. Ele falou da fraqueza de não poder resistir à tentação e dos obstáculos ao serviço de Deus que o casamento inevitavelmente traria. Ele lembrou aos coríntios da “angustiosa situação presente”, que tornava imprudente alguém tentar mudar seu estado civil a qualquer custo. Ele disse que o homem que se casa com sua prometida faz bem, mas o que se abstém de casar-se faz ainda melhor. Uma viúva, na opinião de Paulo, é mais feliz ao não se casar novamente; e ele pensava que nisso estava o Espírito de Deus.

Não é de admirar que tenhamos ficado confusos e que um homem com a determinação de seu pai tenha refletido longa e seriamente sobre as aparentes contradições desse difícil capítulo. Ele ansiava pelo caminho “melhor” e “mais feliz”. Ele estava determinado a experimentar o bastante da força e da graça de Deus para vencer as fraquezas comuns da carne de um homem. Ele conhecia a própria e forte atração por mulheres. Ele também estava determinado a servir ao Senhor sem embaraços. Chegou o momento, porém, em que o casamento tornou-se, para ele, um mandamento claro, e ele soube que se tratava de uma dádiva, dada pelo mesmo Doador que dá a alguns a dádiva especial de ser solteiro. “Ande cada um segundo o Senhor lhe tem distribuído”, escreveu Paulo.

A certo jovem que estava vacilando quanto à questão do casamento, Martinho Lutero escreveu:

A castidade não está em nosso poder, assim como as demais maravilhas e graças de Deus. Mas todos nós fomos feitos para o casamento, como mostram nossos corpos e como as Escrituras declaram em Gênesis 2: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”.

Reputo que o temor dos homens e a timidez estejam a impedir seu caminho. Diz-se que é preciso ter ousadia para um homem se aventurar no casamento. O que você precisa, acima de tudo, então, é ser encorajado, admoestado, instado e incitado, e ter ousadia. Por que você se demoraria, meu querido e reverendo senhor, e continuaria a pesar o assunto em sua mente? Isso precisa acontecer, deve acontecer e vai acontecer de qualquer maneira. Pare de pensar a esse respeito e vá direto ao ponto, alegremente. Seu corpo exige isso; Deus quer e o conduz a isso. Não há nada que você possa fazer a respeito […] É melhor nos conformarmos a todos os nossos sentidos, o quanto antes, e nos entregarmos à Palavra e à obra de Deus em tudo que ele deseja que façamos.

Não tentemos voar mais alto e ser melhores do que Abraão, Davi, Isaías, Pedro, Paulo e todos os patriarcas, profetas e apóstolos, bem como muitos santos mártires e bispos — e todos eles sabiam que haviam sido criados por Deus como homens que não se envergonhavam de ser homens e de ser considerados como tais, comportando-se de acordo com isso, e não ficaram sós. Quem quer que se envergonhe do casamento também se envergonha de ser homem ou de ser considerado como tal; ou então pensa que pode tornar-se melhor do que Deus o fez (1).


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(1) “Carta de Lutero a Wolfgang Reissenbusch”, 27 mar. 1525, Library of Christian Classics, vol. XVIII (Philadelphia: Westminster Press).


Autor: Elisabeth Elliot

Elisabeth Elliot (1926–2015) foi uma das mulheres cristãs mais influentes do século XX. Nascida na Bélgica, filha de missionários, ela inspirou, com sua fé corajosa, seguidoras de Cristo em todo o mundo através de suas experiências como esposa, mãe e missionária. Seu primeiro marido, Jim Elliot (1927–1956), foi morto, com outros quatro missionários, quando buscava dar testemunho de Cristo entre os Auca, atualmente conhecidos como Huaorani, no leste do Equador. Alguns anos depois dessa tragédia, Elisabeth, com sua filha ainda pequena, passou a viver entre os membros dessa mesma tribo, a fim de compartilhar com eles o precioso evangelho. Em seu retorno para os Estados Unidos, Elisabeth deu início ao seu ministério como palestrante e escritora, publicando mais de vinte livros que foram traduzidos para diversas línguas. Seu ministério continua a influenciar gerações de mulheres ao redor do mundo.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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