Quando eu tinha três anos, meu irmão mais velho foi convidado para levar as alianças no casamento de um amigo da família. Eu era muito pequeno para me lembrar, mas, aparentemente, a florista fez uma birra e se recusou a andar pelo corredor. Sendo um menino bonito e bem-comportado, fui escalado de última hora para ser o ajudante do meu irmão.
Alguns anos depois, quando eu tinha oito anos, chegou a minha vez de ser o pajem. A grandiosidade da ocasião me fascinou. Mais tarde naquele ano, quando as meninas da minha turma da terceira série encenaram uma cerimônia de casamento no pátio da escola, fiz o papel do noivo. Os outros meninos riram de mim por ter participado, mas, mesmo naquela idade, eu sabia que queria me casar.
Os pais, na China, enfatizam muito o casamento. A pressão para que os adultos solteiros encontrem um par é tão grande que “alugar” uma namorada ou namorado para levar para casa a fim de apaziguar os pais importunos é uma tendência crescente. Continuar solteiro é até visto como um ato de rebeldia em vez de xiào shùn [demonstrar piedade como filho].
Ser solteiro, nos Estados Unidos, também é visto de maneira negativa. Desde a infância, sentimos uma discreta disposição negativa em relação à solteirice. Veja os contos de fadas. Como todos eles terminam? Eles se casam e vivem felizes para sempre. Fim da história. Na realidade, a verdadeira lição que deveríamos ensinar às nossas crianças é: o contentamento supremo não vem do casamento, e sim de um relacionamento íntimo com Jesus Cristo, quer sejamos casados, quer sejamos solteiros.
Jesus não morreu para que pudéssemos nos casar, e sim para que pudéssemos tê-lo. Dennis Hollinger diz da melhor forma: “A vida sem intimidade sexual e sem casamento não é uma vida deficiente. Deficiente é a vida sem intimidade com Deus em Cristo”. As relações humanas são importantes e significativas. No entanto, “o fim principal do homem” não é se casar ou fazer amizades, mas “glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre”.
Conheci, certa vez, uma mulher que estava solteira quando foi para o campo missionário. Como a maioria dos cristãos solteiros, ela queria se casar. Após terminar seu curso de cinco anos, ela se reconectou com antigos amigos nos Estados Unidos. Eles conversaram sobre o ministério dela no exterior, seus planos para o futuro e sua vida pessoal. Inevitavelmente, perguntaram: “Você está namorando alguém? Há alguém especial em sua vida?”. A resposta simples e honesta dela foi: “Não, ainda não”. A reação deles a pegou de surpresa. Com grande preocupação e até lágrimas nos olhos, perguntaram: “Posso orar por você?”. Foi quase como se ela tivesse câncer.
Ser solteiro é uma maldição? É ser sentenciado a uma vida de tristeza? Os cristãos solteiros não precisam da nossa pena. Eles precisam ser acolhidos, valorizados e amados como irmãs e irmãos em Cristo.
Embora quase metade da população de adultos americanos seja solteira, a porcentagem de solteiros que frequentam a igreja não chega nem perto disso. É lamentável que, entre os não cristãos, o aumento de divorciadas e amasiadas — agravado pelo fato de as pessoas se casarem mais tarde na vida — contribua para isso. Ainda assim, será que nossa igreja não está perdendo uma população importante em nossa comunidade?
Um pastor evangélico muito conhecido foi direto em sua opinião contra os solteiros: “Em uma perspectiva bíblica, a solteirice não é ideal”. Esse pastor simplesmente repreenderia todos os homens solteiros por serem imaturos e egoístas e por terem medo de compromisso. De fato, alguns jovens solteiros são assim, mas nem todos. Jesus e Paulo eram solteiros, porém não eram imaturos e egoístas nem tinham medo de compromisso.
Nosso boletim da igreja está cheio de excelentes programações voltadas para famílias. Porém, frequentemente, faltam programações para adultos solteiros. Para muitas igrejas, o “grupo de universitários e profissionais” realmente é só uma ideia secundária, um gueto de solteiros. O ano não passa sem vários sermões muito necessários sobre casamento e família, mas, raramente, ouvimos sermões completos sobre o valor da solteirice.
Até mesmo nossa exigência não explícita de que pastores sejam casados significa que Jesus e Paulo seriam impedidos de servir na grande maioria das igrejas evangélicas de hoje. Isso deveria nos preocupar. Em nossa vigorosa defesa do casamento tradicional, será que interpretamos mal, desvalorizamos e distorcemos a solteirice?
Você pode estar pensando: “o que uma visão deficiente da solteirice tem a ver com meu ente querido gay?”. Muito. Como é a vontade de Deus que ele ou ela se abstenha de relações homossexuais, ser solteiro é parte de sua realidade por um tempo e, possivelmente, por muito mais tempo. Será que nossa comunidade eclesiástica é um lugar vibrante para que esses solteiros cresçam e prosperem em sua fé cristã?
Sejamos honestos: não muito. Para nossa tristeza, esse mal-entendido tem uma longa história.
Um estigma antigo
Nos tempos do Antigo Testamento, os israelitas tinham uma visão não muito positiva sobre a solteirice. Há evidências na tradição judaica antiga e na literatura rabínica de que os homens judeus estavam sob uma obrigação religiosa de se casar. Além disso, os maridos judeus eram obrigados a ter relações sexuais com sua esposa a fim de “serem frutíferos e se multiplicarem” (Gn 1.28). O casamento precoce era fortemente recomendado.
São poucos os relatos sobre solteirice no Antigo Testamento. Na verdade, a Bíblia Hebraica não possui nenhuma palavra que signifique em específico uma “pessoa solteira”. Os conceitos do Antigo Testamento associados a uma mulher solteira — viúva e virgem — presumem que essas pessoas, em algum momento, se casariam.
Dois temas do Antigo Testamento — descendência e o nome de uma pessoa — tinham implicações particularmente significativas para os solteiros no antigo Israel. A falta de descendência e a incapacidade de perpetuar o próprio nome geravam um enorme estigma para os solteiros.
Deus ordenou que Jeremias desistisse de se casar e ter filhos (Jr 16.2). Essa abstenção era um símbolo visível de sua mensagem profética: o iminente juízo de Deus sobre Judá. Segundo Barry Danylak, escritor de livros de leitura obrigatória sobre uma teologia bíblica da solteirice, “a ausência de uma descendência de Jeremias tinha a função de ilustrar o juízo de Deus sobre seu povo, que também ficaria desprovido de descendência”.
No decorrer da Bíblia Hebraica, ter muitos filhos era visto como uma bênção, ao passo que não ter filhos era considerado uma maldição: “Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão. Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade” (Sl 127.3-4). Desde o primeiro capítulo de Gênesis, há uma associação explícita entre reprodução e bênção: “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos […]” (Gn 1.28).
A incapacidade de Raquel, esposa de Jacó, em gerar filhos causou grande tristeza e aflição (Gn 29.31; 30.1). Para Ana, que, depois, veio a ser mãe do profeta Samuel, os anos de esterilidade provocaram tristeza, vergonha e ridículo (1Sm 1.2-8).
A viúva Noemi, sogra de Rute, viu a morte de seus filhos, que morreram sem deixar descendentes. Noemi confessou sobre Deus “tê-la afligido” e tratado com “grande amargura” (Rt 1.20-21). O que tornava sua solteirice tão insuportável era o flagelo da falta de descendência.
Em Salmos 109.13, o rei Davi amaldiçoa seu adversário ao dizer: “Desapareça a sua posteridade, e na seguinte geração se extinga o seu nome”. A continuidade do nome de uma pessoa era uma bênção, e a extinção da descendência e do nome parecia encarnar as maldições pactuais de Deus. Em um mundo cheio de casais e filhos, um solteiro no antigo Israel tinha pouca — ou nenhuma — esperança de um futuro promissor.
Deus, no entanto, não ouve o clamor dos abatidos e o grito dos pobres? “Pois o necessitado não será para sempre esquecido”, escreve Davi, “e a esperança dos aflitos não se há de frustrar perpetuamente” (Sl 9.18). No Antigo Testamento, contudo, onde podemos encontrar esperança para o solteiro, para aquele que não tem descendência nem nome?
Melhor do que descendência
Durante um período sombrio e difícil na história da nação de Judá, Isaías profetizou sobre um futuro brilhante e esperançoso. Ele falou de um servo sofredor — cumprido mais tarde na pessoa de Jesus, o Messias — que traria salvação e alegria a todos, até mesmo àqueles sem descendência nem nome.
Isaías afirma que essa esperança foi estendida em específico aos eunucos, uma figura desprezada que personificava a realidade de não ter descendência e de não poder dar continuidade ao seu nome. À luz do Messias vindouro, Isaías registra as palavras divinas de esperança para os eunucos: “darei na minha casa e dentro dos meus muros, um memorial e um nome melhor do que filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará” (Is 56.4-5). A exclusão deles é transformada em inclusão. Mas que recompensa ou bênção pode ser “melhor do que filhos e filhas”?
Em Isaías 61.8-9, Deus diz: “[…] com eles farei aliança eterna. A sua posteridade será conhecida entre as nações, os seus descendentes, no meio dos povos; todos quantos os virem os reconhecerão como família bendita do Senhor”. A Nova Aliança eterna significa não apenas que eles terão descendência, mas também que são descendência abençoada por Deus.
Isso representa uma mudança radical de paradigma. Durante muito tempo, acreditava-se que, para entrar na aliança, era necessário nascer hebreu e que, sob essa Antiga Aliança, ter descendência era uma bênção. No entanto, sob a Nova Aliança, estabelecida no sangue de Jesus (1Co 11.25), entrar no pacto exige o novo nascimento (Jo 3.3). A bênção é ser descendência do Senhor.
A Nova Aliança foi inaugurada pela vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Esse novo nascimento significa “nascer da água e do Espírito” (Jo 3.5). O nascimento espiritual nos torna descendência espiritual: “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8.14). O que é melhor do que ter filhos e filhas? É sermos filhos e filhas de Deus!
Em Mateus 28.19, Jesus comissiona seus discípulos a “fazer discípulos de todas as nações”. Ser um discípulo significa ser um filho de Deus nascido de novo; fazer discípulos significa ser usado por ele para trazer “muitos filhos à glória” (Hb 2.10). Todos os filhos de Deus devem gerar filhos espirituais, quer casados, quer solteiros.
O apóstolo Paulo era solteiro e não teve descendência física. No entanto, ele foi pai espiritual de muitos filhos e filhas espirituais. Paulo chama Onésimo de “meu filho” (Fm 10); chama Timóteo de “meu filho amado e fiel no Senhor” (1Co 4.17); chama Tito de “verdadeiro filho, segundo a fé comum” (Tt 1.4).
Este apóstolo dos gentios se refere aos cristãos da Galácia como “meus filhinhos” (Gl 4.19, ARC) e lembra aos crentes de Corinto: “eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus” (1Co 4.15). Não há dúvida de que Paulo, como homem solteiro, cumpriu o mandamento da criação de ser fecundo e multiplicar-se (Gn 1.28).
Quando olhamos para o Antigo Testamento, a ênfase está no casamento, na família e na descendência física. Quando lemos o Novo Testamento, a ênfase está na família de Deus, com uma mudança da descendência física para a descendência espiritual. Eis a verdade radical sobre família que Jesus inaugura por meio da Nova Aliança: o povo da Antiga Aliança crescia pela procriação, ao passo que o povo da Nova Aliança cresce pela regeneração.
Isso é importante hoje para os solteiros, pois vivemos sob a Nova Aliança, sobretudo à luz de um mundo que dá preeminência ao casamento. Nossas famílias terrenas são temporariamente ligadas pelo sangue, mas a família de Deus é eternamente ligada pelo sangue do Cordeiro. Essa família de Deus é a Igreja, a noiva de Cristo. Se nascemos de novo, somos filhos e filhas de Deus. E, se somos filhos e filhas de Deus, somos todos irmãos e irmãs. Somos uma família!
Com a inauguração da Nova Aliança, Jesus redefine dramaticamente a família. No início de seu ministério, ele foi chamado por sua mãe e seus irmãos (Mc 3.31). Sua resposta, vista no contexto do Israel do primeiro século, é de fato escandalosa: “Quem é minha mãe e meus irmãos? […] Eis minha mãe e meus irmãos. Portanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe” (vv. 33-35). Em outras palavras, a nova família espiritual tem prioridade sobre a família natural.
Pedro diz a Jesus: “nós deixamos nossa casa e te seguimos” (Lc 18.28). Jesus responde: “Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou mulher, ou irmãos, ou pais, ou filhos, por causa do reino de Deus, que não receba, no presente, muitas vezes mais e, no mundo por vir, a vida eterna” (vv. 29-30). Aqui novamente nos é prometido algo “melhor do que filhos e filhas” (Is 56.5): a bênção de fazer a vontade de Deus e ser parte de sua nova família, a Igreja.
Como vimos, o Novo Testamento retrata o estado de solteiro de uma maneira muito mais positiva do que o Antigo Testamento. Das três principais religiões monoteístas atuais (judaísmo, cristianismo e islamismo), apenas o cristianismo pode afirmar uma teologia que valoriza a solteirice.
Os indivíduos solteiros mais proeminentes no Novo Testamento são Jesus e Paulo, cujas palavras compõem o principal ensino do Novo Testamento sobre solteirice. O capítulo seguinte será uma análise mais detalhada do que ambos ensinam.

O artigo acima é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Sexualidade santa, de Christopher Yuan, Editora Fiel (em breve).
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