segunda-feira, 23 de dezembro
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Um evangelho digno de morrermos por ele

“Para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (Atos 20.24).

Paulo disse que, em comparação com o seu grande propósito de pregar o evangelho, não considerava sua vida preciosa para si mesmo; mas temos certeza de que Paulo valorizava a sua própria vida. Como todo homem, ele tinha amor pela vida e sabia que sua própria vida era importante para a igreja e a causa de Cristo. Certa vez Paulo disse: “Por vossa causa, é mais necessário permanecer na carne” (Fp 1.24). Ele não estava cansado da vida, nem era uma pessoa tola que tratava a vida como fosse algo que podia lançar fora nos esportes. Paulo valorizava a vida, visto que valorizava o tempo, que constitui a vida, e usava de modo prático cada dia e hora, “remindo o tempo, porque os dias são maus” (Ef 5.16). Apesar disso, Paulo falou aos presbíteros da igreja de Éfeso que não considerava a sua vida preciosa, em comparação com o dar testemunho do evangelho da graça de Deus.

De acordo com o versículo que ora consideramos, o apóstolo considerava a vida como uma carreira que tinha de realizar. Ora, quanto mais rapidamente corrermos, tanto melhor será a carreira. Com certeza, a extensão não é o alvo desejado. O único pensamento de um corredor é como ele pode alcançar mais rapidamente a marca de chegada. Ele menospreza o solo; não se preocupa com o percurso, exceto com o fato de que aquele é o caminho pelo qual ele tem de correr para atingir seu objetivo. A vida de Paulo era assim. Todo o vigor de seu espírito estava concentrado na busca de um único objetivo, ou seja, dar testemunho do evangelho da graça de Deus. E a vida que Paulo tinha aqui embaixo era valorizada por ele somente como meio para atingir seu objetivo.

Paulo também considerava o evangelho e seu ministério de testemunhá-lo como um depósito sagrado que lhe fora confiado pelo próprio Senhor. Paulo via a si mesmo como aquele a quem o evangelho fora confiado (cf. 1 Ts 2.4) e resolvera ser fiel, embora isso lhe custasse a vida. Diante dos olhos de sua mente, Paulo via o Senhor tomando em suas mãos traspassadas o cofre precioso que continha a jóia celestial da graça de Deus e dizendo-lhe: “Eu o redimi com meu sangue, eu o chamei por meu nome; agora confio esta coisa preciosa às suas mãos, para que você cuide dela e guarde-a até com o seu próprio sangue. Eu o comissiono a ir por todos os lugares, com meu substituto, para fazer conhecido a cada pessoa, debaixo do céu, o evangelho da graça de Deus”.

Todos os crentes ocupam um lugar semelhante ao de Paulo. Nenhum de nós é chamado ao apostolado, nem todos somos chamados à pregação pública da Palavra de Deus. No entanto, somos todos encarregados de sermos ousados em favor da verdade, na terra, e de batalharmos diligentemente pela fé que uma vez foi entregue aos santos. Oh! que façamos isso no mesmo espírito do apóstolo dos gentios! Como crentes, somos chamados a algum tipo de ministério. Isso deve fazer de nossa vida uma carreira e uma causa que nos levem a considerar-nos guardiões do evangelho, assim como um soldado que porta as insígnias de um regimento se considera obrigado a sacrificar tudo em favor de sua preservação.

O que era esse evangelho pelo qual Paulo estava disposto a morrer? Não era qualquer coisa chamada “evangelho” que produzia esse entusiasmo. Em nossos dias, temos evangelhos pelos quais eu não morreria, nem recomendaria a qualquer de vocês que vivessem por eles, pois são evangelhos que se extinguirão em poucos anos. Nunca é digno que morramos por uma doutrina que morrerá por si mesma. Já vivi tempo suficiente para ver o surgimento, o florescimento e a decadência de vários evangelhos. Há muito disseram-me que minha velha doutrina calvinista estava ultrapassada, era uma coisa desacreditada. Em seguida, ouvi que o ensino evangélico, em qualquer forma, era uma coisa do passado que seria suplantada por “pensamentos avançados”.

No entanto, costumava haver no mundo um evangelho que consistia de fatos nunca duvidados pelos verdadeiros cristãos. Na igreja havia um evangelho que os crentes abrigaram no coração como se fosse a vida de sua alma. No mundo, costumava haver um evangelho que provocava entusiasmo e recomendava o sacrifício. Milhares e milhares se reuniam para ouvir esse evangelho ao risco de sua própria vida. Homens o pregaram, mesmo em face da oposição dos tiranos; sofreram a perda de todas as coisas, foram presos e mortos por causa desse evangelho, cantando salmos em todo o tempo. Não há remanescente desse evangelho? Ou chegamos à terra da ilusão, na qual as almas passam fome, alimentando-se de suposições, e se tornam incapazes de ter confiança ou zelo? Os discípulos de Jesus estão agora se alimentando da espuma do “pensamento” e do vento da imaginação, nos quais os homens se enlevam e ficam exaltados? Ou retornaremos ao alimento substancial da revelação infalível e clamaremos ao Espírito Santo que nos alimente com sua própria Palavra inspirada?

O que era esse evangelho que Paulo valorizava mais do que sua própria vida? Paulo o chamou de “evangelho da graça de Deus”. O aspecto do evangelho que mais impressionou o apóstolo foi o de que era uma mensagem da graça, e tão-somente da graça. Em meio à música das boas-novas, uma nota se sobressaía às outras e encantava os ouvidos do apóstolo. Essa nota era a graça — a graça de Deus. Essa nota ele considerava característica de toda a melodia; o evangelho era o “evangelho da graça de Deus”. Em nossos dias, a palavra graça não é muito ouvida; ouvimos a respeito dos deveres morais, ajustes científicos e progresso humano. Quem nos fala sobre a graça de Deus, exceto umas poucas pessoas antiquadas que logo passarão? Sou uma dessas pessoas antiquadas, por isso tentarei ecoar essa palavra graça,para que todos os que conhecem o seu som se regozijem, e ela penetre o coração daqueles que a desprezam.

A graça é a essência do evangelho. A graça é a única esperança para este mundo caído! É o único consolo para os santos que esperam pela glória. No que concerne à graça, talvez Paulo tinha uma percepção mais clara do que Pedro, Tiago ou João; por isso, ele escreveu mais no Novo Testamento. Os outros escritores apostólicos excederam a Paulo em outros aspectos, mas ele, devido à clareza e à profundidade na doutrina da graça, permanece como o primeiro e o mais importante. Precisamos novamente de Paulo ou, pelo menos, do evangelismo e da clareza paulinos. Ele desprezaria esses novos evangelhos e diria aos que o seguem: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo” (Gl 1.6-7).

Permita-me explicar de modo breve como o evangelho é as boas-novas da graça. O evangelho é um anúncio de que Deus está disposto a perdoar a culpa do homem com base no favor gratuito e na pura misericórdia. Não haveria boas novas em dizer que Deus é justo, pois, em primeiro lugar, isso não é novidade. Todos sabemos que Deus é justo; a consciência natural ensina isso. O fato de que Deus pune o pecado e recompensa a justiça não é uma novidade. E, se fosse, ainda não seria uma boa notícia; pois todos pecamos, e, com base na justiça, todos devemos perecer. Mas o fato de que o Juiz de todos está pronto a perdoar as transgressões e justificar o ímpio, isso é boa nova, da melhor qualidade. O fato de que o Salvador perdoará o pecado, vestirá o pecador com sua justiça e o receberá em seu favor, não por conta do que ele fez ou fará, e sim por causa da graça soberana — isso é boa nova. Embora sejamos todos culpados, e todos condenados por nossos pecados, Deus está disposto a nos remover da maldição de sua lei e nos dar toda a bem-aventurança de um homem justo, num ato de pura misericórdia. Esta é uma mensagem digna de que morramos por ela — a mensagem de que, mediante a graça, Deus pode ser justo e, ao mesmo tempo, justificador daquele que crê em Jesus; a mensagem de que ele pode ser justo Juiz dos homens e de que os crentes podem ser justificados gratuitamente pela graça de Deus, mediante a redenção que há em Cristo Jesus! O fato de que Deus é misericordioso e gracioso e está pronto a abençoar o mais indigno é uma notícia maravilhosa! É uma notícia digna de um homem gastar centenas de vidas comunicando-a!

O meu coração pula dentro de mim, quando repito isso, neste salão, e digo ao arrependido, ao desanimado e ao desesperado que, embora seus pecados mereçam o inferno, a graça lhes pode dar o céu e prepará-los para aquele lugar bendito; e pode fazer isso como um ato soberano de amor, completamente independente do caráter e merecimentos deles. Há esperança para o mais desesperado, porque o Senhor diz: “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Rm 9.15). Visto que o Senhor diz: “Não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.16), há uma porta de esperança aberta para aqueles que, de outro modo, entrariam em desespero. Sim, posso entender Paulo sentindo uma santa agitação a respeito de uma revelação como essa da graça gratuita! Posso entendê-lo sentindo-se disposto a entregar a própria vida, a fim de anunciar aos pecadores que a graça reina por meio da justiça para a vida eterna.

Mas o evangelho nos diz muito mais do que isso. O evangelho nos diz que Deus, o Pai, a fim de relacionar-se com os homens, com base no favor gratuito, Ele mesmo removeu o grande obstáculo que estava no caminho da misericórdia. Deus é justo; essa é uma verdade inquestionável. A consciência humana reconhece isso, e a consciência do homem não fica tranqüila enquanto não vê a justiça de Deus satisfeita. Então, para que Deus lidasse de maneira justa e misericordiosa com o homem, Ele deu seu Filho unigênito, a fim de que, por sua morte, a lei recebesse o que lhe era devido e fossem mantidos os princípios eternos do governo de Deus. Jesus foi designado a assumir o lugar do homem, levar o seu pecado e suportar o castigo da sua culpa. Como Isaías afirma isso com tanta clareza em seu capítulo 53! Agora o homem é salvo em segurança, porque o mandamento não é desprezado, nem a penalidade, revogada. Jesus fez e suportou tudo que a justiça mais severa poderia ter exigido. E a graça tem as mãos desimpedidas para distribuir perdões conforme lhe apraz. O devedor é liberado, pois a sua dívida foi paga. Ele vê o Salvador morrendo e ouve o profeta, que diz: “O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5).

Irmãos, planejar e aceitar a expiação foi graça da parte de Deus, especialmente porque Ele mesmo proveu a expiação às custas de Si mesmo. Isso é maravilhoso! Aquele que foi ofendido, Ele mesmo proveu a reconciliação! Ele tinha apenas um Filho. E, como havia um obstáculo impedindo-o de relacionar-se com os homens, com base na pura graça, Ele tomou seu Filho, permitiu-Lhe assumir nosso natureza frágil e, nessa, natureza permitiu-Lhe morrer, o Justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus. “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4.10). Isso é o evangelho da graça de Deus — Ele é capaz de, sem injustiça, lidar com os homens servindo-se de pura misericórdia, mas completamente separado dos pecados ou dos méritos deles, porque tais pecados foram lançados sobre seu Filho, Jesus Cristo, que ofereceu à justiça divina uma satisfação completa, para que Deus seja glorioso em santidade e, ao mesmo tempo, rico em misericórdia. Sim, amado Paulo,existe algo digno de ser pregado neste mundo!

A fim de cumprir os desígnios da graça era necessário que a mensagem do evangelho fosse anunciada cheia de promessa, encorajamento e bênção. De fato, essa mensagem foi entregue a nós, pois o evangelho que pregamos está repleto de graça. Ele diz assim: Pecador, tal como você está, converta-se ao Senhor; Ele o receberá e o amará graciosamente. Deus anuncia: “Para com as suas iniqüidades, usarei de misericórdia e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Hb 8.12). Por causa de Cristo, e não por causa de quaisquer agonias, lágrimas e pesares em você, Deus afastará de você os seus pecados, como o Oriente dista do Ocidente. Ele disse: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã” (Is 1.18). Você pode vir a Jesus tal como está; Ele lhe dará remissão completa, desde que você creia nEle. O Senhor diz hoje: “Não olhe para dentro de si mesmo, como se quisesse achar qualquer mérito ali. Olhe para mim e seja salvo. Eu o abençoarei à parte dos méritos, de acordo com a expiação de Cristo Jesus”. Ele diz: “Não olhe para dentro de si mesmo, como se procurasse alguma força para a vida futura. Eu serei a sua força e a sua salvação, pois, quando você estava sem forças, Cristo morreu no devido tempo em favor de ímpios”.

A mensagem do evangelho é uma mensagem de graça porque é direcionada àqueles cujo único clamor é a sua necessidade. Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Cristo não veio para chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento. Portanto, venham aqueles que são moralmente enfermos; venham aqueles cuja fronte está embranquecida pela lepra do pecado. Venham e sejam bem-vindos, pois este evangelho proclamado por autoridade divina é para vocês. Com certeza, uma mensagem como essa é digna de todo esforço em favor de sua propagação; ela é tão bendita, tão divina, que podemos derramar, com alegria, nosso próprio sangue a fim de proclamá-la.

Além disso, para que este evangelho abençoador chegue ao alcance do homem, a graça de Deus adotou um método adequado à condição do homem. Alguém pode indagar: “Como posso ser perdoado? Responda-me logo, com verdade!” Eis a resposta: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo” (At 16.31). Deus não exige de você boas obras, nem bons sentimentos, e sim que esteja disposto a aceitar o que Ele dá gratuitamente. Deus salva com base no crer. Isto é fé: creia que Jesus é o Filho de Deus e confie-se a Ele. “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome” (Jo 1.12). Se você crer, será salvo. A salvação “provém da fé, para que seja segundo a graça, a fim de que seja firme a promessa para toda a descendência” (Rm 4.16).

Talvez você digá: “Mas a fé está além de meu alcance”. Então, no evangelho da graça de Deus somos informados de que a própria fé é um dom de Deus, que a produz nos homens por meio do seu Espírito Santo. Sem o Espírito Santo, os homens estão mortos em delitos e pecados. Oh! que graça preciosa! A fé ordenada é também outorgada! “Mas”, alguém diria, “se eu crer em Jesus e os meus pecados passados forem perdoados, tenho medo de voltar ao pecado, pois não tenho forças para me guardar quanto ao futuro”. Ouça: o evangelho da graça de Deus é este: Ele o guardará até ao fim; Deus manterá vivo o fogo que acendeu em você, pois Ele mesmo diz: “Dou a vida eterna às minhas ovelhas”. E diz também: “A água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.14).

As ovelhas de Cristo nunca perecerão, e ninguém jamais as arrebatará das mãos dEle. Você ouviu isso, pecador culpado, que não tem qualquer direito à graça de Deus? A graça gratuita de Deus lhe será dada; sim, ela será dada atéa você. Se você for tornado disposto a recebê-la, será salvo neste mesmo dia, e salvo para sempre, sem qualquer dúvida. Digo-o novamente: este evangelho é tão digno de ser pregado, que posso entender as palavras de Paulo: “Em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus”.

Você se sente inclinado a aceitar o caminho e o método da graça? Permita-me testá-lo. Algumas pessoas acham que amam algo, mas, de fato, não o amam, pois cometeram um erro concernente ao que imaginam amar. Você entende que não tem qualquer direito em relação a Deus? Ele diz: “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Rm 9.15). Quando nos referimos à pura misericórdia, ninguém pode realmente apresentar um direito para com ela. De fato, não existe tal direito. Se a misericórdia vem por graça, ela não é uma dívida; e, se é uma dívida, não vem por graça. Se Deus quer salvar uma pessoa e deixar outra perecer em seu próprio pecado obstinado, essa outra pessoa não pode argumentar com Deus. E, se o fizer, a resposta será: “Não posso fazer o que quero com aquilo que é meu?” Oh! você parece como se estivesse afastado da misericórdia! Preste atenção: o seu orgulho se revolta contra a soberania da graça. Deixe-me convidá-lo a retornar outra vez. Embora você não tenha qualquer direito, há outra verdade, que lhe é favorável.

Por outro lado, nada impede que você obtenha misericórdia. Se você não precisa de qualquer bondade para recomendar-lhe a Deus, visto que tudo que Ele dá é puro favor, nenhuma maldade é capaz de privá-lo desse favor. Embora você seja culpado, Deus pode mostrar-lhe favor. Em outros casos, Ele já chamou os piores pecadores. Por que não o faria com você também? De qualquer modo, nenhuma agravação de seu pecado, nenhuma permanência no pecado, nenhum aprofundamento no pecado pode ser a razão por que Deus não lhe daria sua graça; pois, se a pura graça, e nada mais do que esta, tem de exercer seu reino, o mais perverso transgressor pode ser salvo. Neste caso, há ocasião para a graça manifestar a sua grandeza. Tenho ouvido homens apresentarem desculpas com base na doutrina da eleição. Eles têm dito: “O que acontecerá se eu não for um eleito?” Parece-me mais sábio dizer: “O que acontecerá se eu for um eleito?” Sim, eu sou um eleito, se creio em Jesus, pois nunca houve um caso de uma alma descansar na expiação de Cristo, sem que fosse eleita de Deus desde antes da fundação do mundo.

Este é o evangelho da graça de Deus, e sei que ele toca o coração de muitos de vocês. Ele sempre estimula a minha alma, como o som de uma marcha militar, a pensar na graça de meu Senhor manifestada desde a eternidade, uma graça que é constante à sua escolha e lhe continuará sendo constante, mesmo quando todas as coisas visíveis desaparecerem como faíscas que se dissipam pela chaminé. Dentro de mim, o coração se regozija por ter de pregar essa graça gratuita e esse amor da morte de Cristo. Existe algo neste evangelho da graça gratuita que o torna digno ser pregado, digno de ser ouvido e digno de morrermos por ele.

Meu amigo, se o evangelho não lhe tem feito nada, abra seus lábios e fale contra ele. Mas, se o evangelho lhe tem feito o que faz por muitos de nós; se tem mudado sua vida, se o tirou da masmorra e o fez assentar-se num trono; se o evangelho é a sua comida e a sua bebida, bem como o próprio centro e o vigor de sua vida, testemunhe-o constantemente. Se o evangelho se tornou para você aquilo que ele é para mim, a luz de meu coração interior, o âmago de meu ser, proclame-o onde quer você vá e torne-o conhecido, ainda que as pessoas o rejeitem. O evangelho é para você o poder de Deus para a salvação e será isso mesmo para todos os que crerem.

Meu tempo acabou, mas tenho de detê-los mais um pouco, enquanto recordo-lhe as razões por que nós, irmãos, devemos fazer conhecido o evangelho da graça de Deus.

Primeiramente, ele é, afinal de contas, o único evangelho que existe no mundo.Esses evangelhos efêmeros do presente, que vão e vêm como um jornal barato — proeminente por um dia, mas depois lançado fora, não têm direito ao zelo de qualquer homem. Contudo, ouvir o evangelho da graça de Deus é digno de uma caminhada de muitos quilômetros. E, se o evangelho fosse explicado com clareza em todas as igrejas, garanto-lhes que veríamos poucos bancos vazios: as pessoas viriam para ouvi-lo, pois sempre têm feito isso.

É um evangelho sem a graça de Deus que faz o rebanho passar fome, até que as ovelhas esqueçam as pastagens… Os homens querem algo que estimule seu coração em meio aos seus labores e lhes dê esperança quando estão sob o senso de pecado. Assim como o sedento necessita de água, assim também o homem necessita do evangelho da graça de Deus. E não existem dois evangelhos no mundo, assim como não existem dois sóis neste céu. Há somente uma atmosfera a respirarmos e apenas um evangelho pelo qual podemos viver.

Em segundo, viva pelo evangelho porque ele glorifica a Deus. Você percebe como o evangelho glorifica a Deus? Ele humilha o pecador, tornando-o nada, e mostra que Deus é tudo em todos. O evangelho coloca a Deus no trono e lança o homem no pó. Depois, ele conduz amavelmente o homem a adorar e reverenciar o Deus de toda graça, que perdoa a transgressão, a iniqüidade e o pecado. Então, propague o evangelho.

Propague-o porque assim você glorificará a Cristo. Oh! se Ele viesse a este púlpito nesta manhã, quão alegremente O receberíamos! Quão piedosamente O adoraríamos! Se pudéssemos apenas ver a sua face, sua face majestosa e querida, não nos prostraríamos em adoração? Se Ele falasse e dissesse: “Meus amados, eu lhes confiei o meu evangelho. Mantenham-no firme como o receberam! Não atentem às idéias e imaginações de homens, mantenham firme a verdade como a receberam. E anunciem ao mundo a minha Palavra, pois tenho outras ovelhas que ainda não fazem parte de meu rebanho e que devem ser trazidas. E vocês têm irmãos que são filhos pródigos, eles precisam retornar ao lar”. Eu lhes digo: se o Senhor os contemplasse individualmente e lhes falasse isso, cada um de vocês responderia: “Senhor, viverei para Ti! Eu farei que Te conheçam. Se for preciso, morrerei por Ti, a fim de tornar público o evangelho de Jesus Cristo!”

Extraído de um sermão pregado na manhã de 12 de agosto de 1883, em Exeter Hall.


Autor: Charles H. Spurgeon

C. H. Spurgeon (1834-1892) era pregador, autor e editor britânico. Foi pastor do Tabernáculo Batista Metropolitano, em Londres, desde 1861 até a data de sua morte. Fundou um seminário, um orfanato e editou uma revista mensal chamada “Sword and Trowel”. Conhecido como “Príncipe dos Pregadores”, Spurgeon escreveu muitos livros e artigos, particularmente na área devocional.

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