domingo, 30 de março
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Uma experiência de oração pelas nossas filhas

Esperando pela intervenção divina

O grande ônibus de turismo de cromo e vidro nos pegou no aeroporto de Genebra. Em poucas horas, ele levou aproximadamente trinta de nós, americanos, por Lausanne e sobre as montanhas em direção a Gstaad. Ao transitarmos cuidadosamente pela última das curvas da montanha, podíamos avistar lá embaixo a vila Château-d’Oex. Ela se desdobrava em um largo vale cercado por montanhas arborizadas. Ao nos aproximarmos, podíamos ver chalés decorando as encostas. Em seu centro, a pequena cidade era marcada por uma colina sobre a qual havia uma igreja de pedra e prédios adjacentes. Próximo à igreja, o ônibus estacionou em frente a um hotel cujo estilo lembrava um grande chalé. Esse era o nosso destino.

Eu tive alguns receios a respeito dessa viagem. Na época, eu tinha inúmeras responsabilidades: ensinar no Westminster Theological Seminary em tempo integral, pastorear a Igreja New Life, que crescia rapidamente, e fazer um trabalho evangelístico com a Presbyterian Evangelistic Fellowship (PEF). E, é claro, minha preocupação com Barbara era constante. O que eu estava fazendo sendo preletor em uma conferência na Suíça? O que eu não sabia era que Deus usaria essa conferência para mobilizar novos recursos espirituais na luta por reivindicar Barbara para Cristo — e Rose Marie e eu precisávamos de mais ajuda do que qualquer ser humano pudesse suprir.

Minha esperança era a de que a reconciliação entre mim e Barbara resultasse em mudanças imediatas na vida dela. Essa esperança em breve foi destruída nas duras rochas da realidade quando Barbara começou a viajar extensivamente com John e outras pessoas como ele. Inicialmente, ela foi para a Flórida, depois, Porto Rico e então para as Bahamas. No princípio de março de 1976, John deu a ela um casaco de pele maravilhoso. Combinou muito bem com seus enormes anéis e pulseiras de ouro.

Tudo aquilo nos deixou inquietos, na melhor das hipóteses. Nós tentamos tolerar Barbara e seus amigos, mas não era sempre que tínhamos a certeza de onde colocar os limites. Foi humilhante nos sentirmos tão além de nossa capacidade de entender ou controlar. Muitos pais veem isso como uma grande desvantagem e se ressentem por serem colocados em uma situação óbvia de não controle. Creio que isso é um erro enraizado em nosso desejo de parecer sábios e entendidos diante dos nossos filhos.

Portanto, mesmo não sabendo o que fazer, nós decidimos que, se tivéssemos de errar, deveríamos fazê-lo do lado da transparência e da amizade. Nós até fomos a Poconos esquiar com Barbara e John. Sempre leais, Paul e Jill foram conosco, e acabou sendo uma ocasião muito boa para todos. É claro que os indícios de riqueza que cercavam John não tranquilizaram nossas preocupações. Ele tinha uma casa linda, quatro carros caros e vários cães de caça caros — leões-da-rodésia — que eram grandes, poderosos e extraordinariamente rápidos. Um deles até se tornou meu amigo.

Barbara nos disse que estava feliz, o que, na verdade, me fez sentir um nó no coração, pois sabíamos que ela estava completamente perdida e aparentemente alheia ao poder crescente do mal em sua vida. Quando eu pensava sobre ela e John, tinha vontade de chorar.

A nossa família sempre obedeceu a regras rígidas contra a fofoca, mas era impossível não continuar nossas especulações sobre a ocupação do John. Ele lidava com jogos de azar? Provavelmente. Mas eu venho do país do jogo de apostas e nunca encontrei alguém que realmente se tornasse rico por meio disso, a não ser, é claro, os proprietários de cassinos. John não alegava interesse em nada desse tipo. Estaria ele envolvido em prostituição? Por algum motivo, ele não parecia ter esse perfil, mas talvez. Contrabando? Drogas? A última opção parecia a mais provável.

Quanto mais pensávamos em John, o homem misterioso, mais sentíamos que Barbara corria perigo. Insistir com ela para abandonar John, porém, provavelmente a levaria a reagir mergulhando mais profundamente nesse estilo de vida ambicioso.

Assim, tentamos nos acalmar, manter nossas bocas fechadas e esperar. Esperar de modo piedoso, sem frustração, mas orando em dependência a Deus, não é fácil, pode acreditar. Esperar que Deus intervenha é um tipo de morte, uma humilhação especial para americanos ativistas como nós. Queremos sempre fazer algo, encontrar alguma nova alternativa para obter alívio instantâneo às nossas dificuldades. Mas, pouco a pouco, eu absorvia a ideia de que Deus desejava que nós o encontrássemos e deixássemos que ele encontrasse Barbara da sua própria maneira e no seu próprio tempo.

Nós sabíamos que John não havia aprisionado Barbara e que a verdadeira cadeia com a qual o maligno a havia prendido era a própria perspectiva mental dela. Como vários jovens, ela estava convencida, com intensidade quase religiosa, de que a coisa mais importante na vida era buscar a realização e que a pior coisa era ser infeliz — e a pior forma de infelicidade era o tédio. Barbara odiava monotonia. Ela havia deixado Tom porque o casamento se tornara enfadonho e rotineiro. Ela havia se unido a John porque a vida dele parecia emocionante, e a imaginação adolescente dela não poderia conceber qualquer coisa ruim acontecendo por causa de seu envolvimento com ele. A ideia de que a vida com John pudesse significar algum perigo só acrescentava picância ao prato de sua felicidade.

***

Neste ponto crítico, Rose Marie de repente se tornou uma ativista na longa luta pela vida da Barbara. Isso começou na conferência na Suíça. Até esse ponto, eu falei relativamente pouco a respeito do papel de Rose Marie em buscar Barbara. Há uma boa razão para isso. Até Deus encontrar Rose Marie na Suíça, ela ainda estava no estado “dormente”. Atingida duramente pela partida de Barbara, Rose Marie tinha suas próprias lutas, agravadas por fraquezas físicas que começaram com uma cirurgia importante em 1972. Assim, pelos primeiros três anos, ela deixou a procura de Barbara em grande parte para mim.

Para entender a mudança na vida de Rose Marie, você precisa ter alguma ideia do que aconteceu na conferência que fora organizada por Harold Morris, um líder na Presbyterian Evangelistic Fellowship, e que tinha como foco o tema “Filiação e Liberdade em Cristo”. Eu fiz uma série de palestras sobre esse tópico, com base nos livros de Êxodo e Gálatas. James Smith, um conselheiro para famílias que na época trabalhava com a PEF, explorou as implicações deste material para a vida familiar. Ele foi especialmente

eficiente ao explicar como o “revestir-se” de um estilo de vida de perdão e bênção pode transformar os relacionamentos familiares. Mas Harold, nosso diretor da conferência que trabalhava duro, pegou uma gripe e ficou acamado, o que fez com que, subitamente, eu me tornasse o diretor da conferência. Quando vários outros participantes ficaram gripados, eu tentei ser médico também. A cada manhã e noite, eu falava sobre a filiação do cristão na linda sala onde acontecia a conferência. Do meu lado direito, os majestosos Alpes podiam ser vistos através de uma janela longa e alta que tomava quase todo o comprimento da sala. Esse testemunho natural da grandeza de Deus fortaleceu minha fé e me encorajou a continuar com a série de mensagens sobre o poder da fé em trazer, aos filhos adotivos de Deus, alívio da culpa e alegria completa por meio da comunhão com o Pai.

Rose Marie, que tem um coração honesto, disse: “A sua mensagem não significa nada para mim. Eu não me sinto perdoada e não me sinto como ‘uma filha de Deus’. Diga-me o que fazer. Dê-me alguns métodos”. James Smith e eu demos a ela alguns poucos “métodos”, mas eles não pareciam ajudar muito. Então, desistimos, frustrados.

Mas na quinta-feira daquela semana, ela teve uma reviravolta, uma daquelas mortes felizes sobre as quais eu mencionei, do tipo que mata algo tão profundo dentro de nós que leva a uma inesperada ressurreição.

Rose Marie havia ido esquiar, enquanto eu passei a tarde andando, meditando e orando na vila. Tendo acabado de chegar da igreja na colina, indaguei onde ela estaria. Um pouco antes do fim da tarde, eu a vi, uma figura solitária, caminhando com dificuldade na estrada coberta por neve. Rapidamente, fui me encontrar com ela.

— Foi bom esquiar? — perguntei. Ela se movimentou com dificuldade, quase como se não tivesse joelhos.

Ela respondeu com um olhar engraçado:

— Horrível, totalmente horrível. Nem consigo acreditar!

— Onde você foi?

— Lá em cima — disse ela, apontando na direção geral dos Alpes.

Eu olhei.

— Não — disse ela. — Não lá em cima. Do outro lado. Fiquei boquiaberto:

— Você quer dizer que foi àquela montanha para esquiar? Para mim, parecia que ela havia estado no topo do mundo.

— Pobre de mim — gemi — eu não iria tão alto nem de teleférico, quanto mais esquiar lá.

No hotel, preparei uma banheira quente para ela e a ajudei a entrar. Seu relato era interrompido pelos gemidos. Ela havia subido de teleférico ao nível mais alto e, de lá, foi mais alto ainda em outro ascensor. Do topo, ela olhou sobre os desníveis íngremes e viu que a neve se tornara como vidro congelado. Entretanto, em vez de retornar, ela zarpou ladeira abaixo até cair e perder um esqui. E então ela pegou o outro esqui para descer a montanha à procura do esqui fujão. Seus pés quebravam a crosta congelada. Ela caía e se levantava, apenas para cair novamente. Depois de um longo tempo ela finalmente conseguiu pegar o teleférico. Ela estava “um caco”.

Naquele domingo, falei novamente sobre as alegrias da filiação. Durante a Ceia, um pão francês grande foi partido. Ele tinha uma crosta sólida e fez um crack que podia ser ouvido claramente. De alguma maneira, por intermédio daquele barulho, aquele crack, Deus falou com Rose Marie.

Mais tarde, ela explicou: “Antes daquilo eu nunca havia me visto como uma verdadeira pecadora. Sou descendente de várias gerações de ministros luteranos, e toda aquela bondade religiosa me deixou sem noção de pecado. Mas quando aquele pão fez o som de ser quebrado, de repente eu percebi que o corpo de Cristo foi quebrado por meus pecados e que meu maior pecado era minha justiça própria. Minha descida caótica de esqui era uma figura da minha vida, uma vida repleta de presunção da minha justiça e não de fé. Eu era tão arrogante que até culpava Deus por me deixar cair na montanha. Agora eu começo a ver que a culpa foi minha. Eu poderia ter impedido tudo aquilo simplesmente voltando pelo mesmo caminho por onde havia subido. Agora eu sei que meu pecado era minha atitude independente, minha autojustiça.

“Quando Jack pregou sobre a ‘Graça Maravilhosa’ naquela manhã de domingo, eu vi Cristo partido por mim. Pela primeira vez em minha vida, eu tive convicção de pecado. Agora eu via meu pecado como algo contra Deus. Eu via o verdadeiro mal em minha vontade própria. Mas, antes daquele culto de Ceia, eu me via basicamente como uma pessoa boa com alguns poucos defeitos. Eu havia sentido culpa antes — muita e o tempo todo — mas era uma culpa mais por eu ter falhado do que por ter pecado contra Deus. Eu estava totalmente humilhada, agora que meus pecados haviam sido todos perdoados porque Cristo morrera por mim. Ele me amava — eu, a desamorosa. Eu desejava conhecer mais sobre ele do fundo do meu coração”.

Quando voltamos para a Filadélfia, a vida de Rose Marie começou a manifestar uma liberdade e alegria que nunca haviam existido. Cerca de dois anos antes, para ajudá-la a entender a justificação pela fé e a filiação, eu havia feito uma cópia da introdução que Martinho Lutero escreveu em seu comentário de Gálatas. Intelectualmente, ela sabia tudo sobre a Reforma ensinar que o perdão gratuito e a aceitação são dados ao pecador por meio de creditar a justiça de Cristo à conta do pecador somente pela fé. Mas isso nunca havia tocado sua vida interior. “Antes da Suíça”, disse ela, “eu não conseguia entender o que Lutero queria dizer com ‘justiça passiva’ porque eu estava repleta da minha ‘justiça ativa’. Eu era uma órfã com justiça própria, não uma filha do Pai. Mas, uma vez tendo confiado deliberadamente na justiça de Cristo, você não pode imaginar quão diferente minha visão sobre Deus se tornou. Ela mudou especialmente toda a minha perspectiva sobre a oração. Agora eu tinha confiança certa de que meu Pai realmente ouvia meus clamores. Confiança é a palavra — orando com a simplicidade de uma criança e, ainda assim, com a autoridade de um filho”.

Alguns amigos perguntaram a Rose Marie: “Você foi convertida na Suíça? Então você não era cristã antes?”

Normalmente ela responde: “Eu não sei, e não me preocupo com isso. Eu simplesmente estou alegre por não ter morrido em meu estado anterior, com todo o meu legalismo. Meu palpite é que eu era cristã, mas fui tão ignorante sobre a graça de Deus que eu funcionava em minha vida íntima quase que totalmente como uma não cristã. Quem saberá?”.

O fruto imediato da renovação de Rose Marie foi que nós dois experimentamos uma nova autoridade em oração. Durante todo o ano de 1976, Barbara ficou hesitante à beira de um penhasco, mas foi mantida sem cair somente pela oração. Em vez de desistir, continuei recrutando pessoas para orarem por ela. Por estar associado à PEF como evangelista, eu era grandemente encorajado em minha fé ao saber que muitos irmãos estavam intercedendo por ela. Eu também me tornei mais familiarizado com Donald B. McNair, um líder de missões da antiga Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod, por meio de seus ensinamentos em minhas aulas no Westminster Theological Seminary. Ele e eu nos comprometemos a orar um pelos filhos do outro. Saber que ele estava orando significava muito para mim.

Na Filadélfia, Rose Marie passou a liderar com ousadia as orações por Barbara. Ela pedia, em oração, uma passagem de Oséias, que diz: “Portanto, eis que cercarei o seu caminho com espinhos; e levantarei um muro contra ela, para que ela não ache as suas veredas. Ela irá em seguimento de seus amantes, porém não os alcançará; buscá-los-á, sem, contudo, os achar; então, dirá: Irei e tornarei para o meu primeiro marido, porque melhor me ia então do que agora” (Os 2.6-7).

Quando Barbara ficou doente repetidamente durante o restante de 1976, ela eventualmente veio a nós e pediu orações por cura. Eu não posso exagerar sobre quão grande era essa mudança para Barbara — humilhar-se desta maneira diante de nós, seus pais. As coisas também começaram a ficar azedas no seu relacionamento com John. Ele se tornou quase insanamente ciumento e, ao final do ano, Barbara estava pronta para admitir que o relacionamento deles era um desastre.

Oração é tudo na vida cristã. Quando ela é oferecida com autoridade confiante de filho em seu Pai, grandes avanços acontecem. Então, nossas orações estavam sendo ouvidas de forma extraordinária por um Pai celestial amoroso. Porque Deus estava respondendo às nossas orações, Barbara também estava aprendendo sobre vida e Deus. Ela estava começando a sentir o que Francis Thompson confessa em seu poema “O cão de caça do céu” quando Cristo diz: “Todas as coisas traem a ti, que traíste a mim”.

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Filhos desviados, de C. John Miller e Barbara Miller Juliani, Editora Fiel (em breve).

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Autor: C. John Miller

C. John "Jack" Miller, PhD., fundou a World Harvest Mission (WHM) e a rede de igrejas New Life Presbyterian. Pastor, professor de seminário e autor. Ele e sua esposa Rose Marie têm cinco filhos e vinte e quatro netos.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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