domingo, 28 de abril

Uma visão bíblica sobre trabalho

Afinal de contas, o que é trabalhar?

Desde muito jovens, somos ensinadas que é preciso estudar bastante para conseguir um bom emprego e ter boas condições financeiras. Mas trabalhar não envolve muito mais do que os nossos estudos podem nos oferecer? Trabalhar não envolve servir às pessoas das mais variadas formas? Ou não? Acaso devo desejar trabalhar apenas em algo que amo, algo para o qual sou dotada ou algo que me traga retorno financeiro?

Trabalhar é mandamento! E trabalhar faz parte do desenho perfeito e sem pecado da criação. Trabalhar é um dos principais chamados de Deus para nós. Mas de que tipo de trabalho você está falando, Claudia? Ah… vamos então falar da nossa identidade para entendermos melhor nosso chamado a trabalhar.

Identidade

Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1.26-27).

Fomos feitas para imitar Deus. Imagina só. Nós, como um espelho, deveríamos mostrar o belo caráter de Deus.

Eu, Claudia, atendo muitos pacientes por semana. E amo ouvir suas histórias. Cada um vem com uma bagagem de conhecimento e vivência. Eles me descrevem, por meio de palavras e afeições, características sobre quem são. Na hora de se definirem, falam (sem, muitas vezes, terem consciência disso) que são uma fusão entre influências de duas famílias — família materna e paterna. Eles carregam as culturas de duas famílias que foram adaptadas em meio a conflitos para fazer nascer uma família única que os gerou. Assim, muitas vezes essas são famílias quebradas, com pai ou mãe que os abandonaram na infância ou na adolescência. Estranhamente, os familiares que os abandonaram foram em busca de “significado para sua própria vida” ou queriam “tentar encontrar a felicidade”. Em geral, os pacientes relatam, com muita amargura, esse abandono e descrevem essas marcas como parte de quem eles são. Marcas que os definem.

Os pacientes também revelam que sua profissão (ou formação) é uma parte significativa de seu ser. Muitas vezes, o fato de não terem tido a possibilidade de estudar o que queriam, ou de “não se haverem encontrado” numa profissão, faz com que se sintam incompletos e frustrados. Então, eles tentam encontrar propósito em formar uma nova família, viajar pelo mundo, trabalhar no que gostam ou em uma espiritualidade vazia que reflete uma deidade que lhes fornece algo em troca. Os mais “espiritualizados” encontram significado para si mesmos em seu relacionamento conjugal ou na família, contanto que esses relacionamentos os mantenham felizes. Caso tenham um conflito conjugal, precisam “ouvir seu coração” e ir em busca daquilo que os completa.

Vocês conseguem perceber um padrão em tudo isso? Todos que buscam “encontrar sua identidade” o fazem descrevendo sua cultura, sua tradição familiar, seus traumas, suas vivências, sua profissão, seu casamento, sua maternidade e sua religiosidade superficial. Eles creem que são aquilo que “viveram” até hoje. O padrão é que todas essas possíveis definições de quem eles são só diz respeito a eles mesmos. Nesse anseio de se “encontrar”, eles tentam dar significado ao que viveram e ficam em constante busca por felicidade. Eles creem que a identidade deles só pode ser algo que tem a ver com eles próprios.

O fato é que adoramos fazer isso… tornar tudo sobre nós mesmas, não é? Afinal, eu fui feita para minha própria satisfação, não? Não. Já, já chegaremos lá… mas então para que será que fomos feitas?

Voltemos, então, à ideia de imagem e semelhança. Naturalmente, como portadoras da imagem de Deus, queremos compreender mais sobre quem Deus é, de modo que, assim, possamos compreender melhor quem nós somos. E, para conhecermos mais sobre o caráter de Deus, sobre seus atributos comunicáveis (aqueles que podemos imitar), temos de nos empenhar em estudar mais sobre cada um deles. Assim, devemos ir até a única fonte que é perfeita e verdadeira: a Bíblia.

Na verdade, nós temos livros incríveis e comentários bíblicos que nos ajudam demais a compreender melhor as características que Deus revela sobre si, mas essas obras, embora se mostrem excelentes, não são inspiradas e, portanto, não deveriam ser a nossa única ou primeira fonte de pesquisa. Vamos, então, à Bíblia, e ver o que ela fala sobre nossa identidade.

Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim (Gl 2.20).

Não somos mais de nós mesmas; nossa identidade está em Jesus Cristo, que vive em nós. O fato é que recebemos, de forma tão abundante, um amor de sacrifício que nos preenche e nos dá plenitude de alma e significado. O sacrifício de Cristo nos oferece o entendimento de que Deus já não nos vê mais como falhas e miseráveis pecadoras que somos! Sua vida entregue sacrificialmente por nós cobre-nos e faz com que Deus Pai olhe e veja Cristo em nós, seu Filho perfeito. Na verdade, somos portadoras da imagem do Filho perfeito, completamente aceitas e amadas por Deus.

Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa (Gl 3.26-29).

Fomos revestidas pela santidade de Jesus, por seu caráter ilibado, por suas belas características. Não importa mais onde nascemos, do que vivemos, os traumas que suportamos… nossas mazelas não nos definem por completo! Nossa profissão não nos define, nosso estado civil não nos define… se podemos ou não ter filhos, isso também não nos define. Cristo, o Filho santo e per- feito, o único herdeiro digno, é ele quem nos define agora. É ele quem nos dá nossa identidade.

E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas (2Co 5.17).

Que boas-novas, não? Que alívio isso nos traz! Na verdade, isso gera alívio e, ao mesmo tempo, uma tremenda responsabilidade. Porque já não somos mais de nós mesmas; nossa identidade é definida por um Deus que tem um perfeito amor de entrega.

Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? (1Co 6.19)

Então, voltando à pergunta sobre se fomos feitas para nossa própria satisfação… esses textos nos lembram que não. Fomos feitas como expressão de amor, de um Deus trino: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Um Deus que, antes da criação do mundo, experimentava um amor perfeito consigo mesmo nas três pessoas da Trindade. E esse Deus único e trino transbordou esse amor ao nos criar. Nós somos obra amada de Deus. Ele nos fez para termos um relacionamento perfeito com ele e para que experimentássemos, como o Deus trino o faz, um relacionamento perfeito e santo com nossos iguais. Veja só alguns trechos do capítulo 17 de João:

• Versículos 1 a 5: “Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti, assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a carne, a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste. E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo”.

• Versículos 9 a11: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado. Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós”.

• Versículos 20 a 23: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim”.

• Versículo 26: “Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja”.

Cristo, momentos antes de seu extremo sofrimento, fala sobre como o Filho glorifica o Pai, o Pai glorifica o Filho e como nós glorificamos a eles por meio da unidade (e repete isso quatro vezes!). Quando nos unimos em relacionamento, tornamos nosso Deus conhecido! Deus nos criou como um transbordamento do seu amor perfeito. E nos criou para sermos portadores de sua imagem, para que expressássemos a sua glória com nosso viver. Somos chamadas a expressar quem somos com nossa vida nesta terra. Chamadas por Deus para responder com o grande amor de entrega que recebemos. Chamadas a transbordar em amor por meio dessa unidade, por meio dos relacionamentos. E é assim que nós o glorificamos!

E como fazemos isso? Como podemos imitar um Deus tão amoroso? Como vivemos por expressão desse amor que recebemos?

Por meio do serviço aos outros. Por meio do trabalho.

Atender a um chamado é ser designada para uma função e executá-la. É responder a quem a chamou para executar essa ação.


Autor: Naná Castillo e Claudia Lotti

Naná Castilho é casada com Luiz Castilho, mãe da Ester e do João, e a família congrega na Igreja Batista Maranata, em São José dos Campos (SP). Ela é enfermeira, doutora em Ciências e professora livre-docente em saúde da criança. É a criadora do ministério Filipenses Quatro Oito. Cláudia Lotti é casada com Rinaldo Lotti Filho, mãe do Henrique, da Rachel e do Benjamin. Ela é neurologista, mestre em Neurociências e professora. Pós-graduanda em Educação Cristã, ela dá aula de EBD e aconselha mulheres na Igreja Presbiteriana Paulistana (SP).

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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