sexta-feira, 22 de novembro
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O significado da palavra “Evangelho”

O trecho abaixo foi retirado com permissão do livro Box Harmonia dos Evangelhos, de João Calvino, Editora Fiel.

A fim de ler com proveito a história evangélica, é de grande importância entender o significado da palavra evangelho[1]. Assim, estaremos aptos a averiguar qual desígnio tiveram em escrever aquelas testemunhas celestiais, e para qual objeto os eventos relatados por eles teriam apontado. O fato de sua história não haver recebido esse nome de outrem, mas de ter sido assim denominada pelos autores, é evidente à luz de Marcos, que diz expressamente que ele relata “o princípio do evangelho de Jesus Cristo” [1.1]. Há uma passagem, nos escritos de Paulo, em que, acima de todas as demais, é possível obter uma definição clara e certa da palavra evangelho. Nela, conta-nos que ele foi “prometido por intermédio de seus profetas nas Sagradas Escrituras, com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” [Rm 1.2-4]. Inicialmente, essa passagem mostra que o evangelho é um testemunho da salvação revelada, a qual fora anteriormente prometida aos pais, numa sucessão ininterrupta de eras. Realça, ao mesmo tempo, a distinção entre as promessas que mantiveram a esperança do povo em suspense, e essa jubilosa mensagem, pela qual Deus declara que haveria de concretizar aquelas coisas que inicialmente exigiu que esperassem[2]. Igualmente, ele declara, um pouco depois, que o evangelho “manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas” [Rm 3.21]. O mesmo apóstolo o chama, em outra passagem, de Embaixador, pelo qual a reconciliação do mundo com Deus, uma vez concretizada pela morte de Cristo, é diariamente oferecida aos homens [2Co 5.20]. Em segundo lugar, Paulo tem em vista não só que Cristo é o penhor de todas as bênçãos que Deus sempre prometeu, mas que temos nele plena e completa exibição delas; da mesma forma, declara, em outro lugar, que “todas as promessas de Deus têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio” [2Co 1.20]. E, deveras, a adoção graciosamente outorgada, pela qual somos feitos filhos de Deus, como ela procede do beneplácito que o Pai teve desde a eternidade, foi-nos revelada neste aspecto: que Cristo (o qual, por natureza, é o único Filho de Deus) vestiu-se de nossa carne e nos fez seus irmãos. Aquela satisfação pela qual os pecados são apagados, de modo que não mais vivemos sob a maldição e a sentença de morte, em nenhum outro lugar está fundada senão no sacrifício de sua morte. A retidão, a salvação e a perfeita felicidade se encontram fundadas em sua ressurreição. O evangelho, pois, é uma exibição pública do Filho de Deus “manifestado na carne” [1Tm 3.16] para libertar o mundo arruinado e restaurar os homens da morte para a vida. É com razão chamado “uma boa e jubilosa mensagem”, pois contém a perfeita felicidade. Seu objetivo é começar o reinado de Deus e, por esse meio, de nosso livramento da corrupção da carne e de nossa renovação pelo Espírito, conduzir-nos à glória celestial. Por essa razão, às vezes é chamado “o reino do céu”, e a restauração a uma vida abençoada, que nos é trazida por Cristo; outras vezes, é chamado “o reino de Deus” – por exemplo, quando Marcos diz que “José esperava pelo reino de Deus” [15.43], indubitavelmente ele se refere à vinda do Messias. Daí, faz-se evidente que a palavra evangelho se aplica propriamente ao Novo Testamento, e que são responsáveis pela falta de precisão[3] aqueles escritores tão comuns em todas as épocas, os quais presumem que os profetas, em pé de igualdade com os apóstolos, seriam ministros do evangelho. Amplamente distinto é o relato que Cristo nos dá quando diz que “a lei e os profetas duraram até João e que, desde então, o reino de Deus começou a ser proclamado” [Lc 16.16]. Marcos, igualmente, como acabamos de mencionar, declara que a pregação de João foi “o princípio do evangelho” [Mc 1.1]. Uma vez mais, as quatro histórias, que relatam como Cristo desempenhou o ofício de mediador, com grande propriedade recebeu tal designação. Como o nascimento, a morte e a ressurreição de Cristo contêm a totalidade de nossa salvação, e por isso são os temas peculiares do evangelho, o nome dos Evangelistas se aplica, justa e apropriadamente, àqueles que põem Cristo, o qual foi enviado pelo Pai, diante de nossos olhos, para que nossa fé o reconheça como o autor de uma vida bem-aventurada. O poder e os resultados de sua vinda são ainda mais plenamente expressos em outros livros do Novo Testamento. E, mesmo nesse aspecto, João difere amplamente dos outros três Evangelistas, pois se ocupa quase totalmente de explicar o poder de Cristo, bem como das vantagens que derivamos dele; eles, por sua vez, insistem mais plenamente em um ponto: o de que nosso Cristo é aquele Filho de Deus que fora prometido para ser o redentor do mundo. Sem dúvida, entreteceram a doutrina que se relaciona com o ofício de Cristo e nos informam qual é a natureza de sua graça, com que propósito ele nos foi dado; porém, ocupam-se, principalmente, como eu já disse, em mostrar que, na pessoa de Jesus Cristo, já se cumpriu o que Deus havia prometido desde o princípio[4]. Não tiveram a intenção ou o desígnio de abolir, por seus escritos, “a lei e os profetas”, como sonham alguns fanáticos que afirmam que o Antigo Testamento é supérfluo, agora que a verdade da sabedoria celestial nos foi revelada por Cristo e seus apóstolos. Ao contrário, apontam Cristo com o dedo, e nos advertem para buscarmos dele tudo o que lhe é atribuído por “a lei e os profetas”. O pleno proveito e a vantagem, portanto, a serem extraídos da leitura do evangelho só serão obtidos quando aprendermos a conectá-lo com as promessas antigas.

 

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[1] Evangelium, em latim, Evangile, em francês e Evangell, no antigo inglês, são termos derivados, com pouca alteração, da palavra grega εὐαγγέλιον, que é acompanhada de εὖ, bem, e ἀγγελία, uma mensagem, e significa notícias alvissareiras. A palavra inglesa Gospel tem origem saxônica, e é determinada por sua etimologia no sentido de palavra de Deus; mas teria adquirido, num período muito antigo, o significado da palavra grega, para a qual foi adotada como uma tradução. Na margem do célebre Testamento Genebrino, impresso em 1557 d.C., Evangelho é assim definido: “Esta palavra significa boas-novas, e aqui é tomada para a história que contém a jubilosa mensagem da vinda do Filho de Deus”.

[2] “Ce qu’il avoit auparavant commandé a tous fideles d’attendre et esperer” – “que inicialmente ele havia ordenado a todos os crentes que aguardassem e esperassem”.

[3] “Que c’est aucunement confondre les termes” – “que de certa maneira confundem as palavras”.

[4] “Des le commencement du monde.” – “desde o princípio do mundo.”


Autor: João Calvino

João Calvino (1509 – 1564) é considerado um dos maiores representantes da Reforma Protestante do século XVI, como ficou conhecido o movimento de reação aos abusos da Igreja Católica Romana à época. Calvino foi o responsável por sistematizar o protestantismo reformado através das Institutas da Religião Cristã, sua principal obra teológica, cujo objetivo era servir de instrução para a formação do cristão.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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