Às vezes cometemos um erro básico ao ler as narrativas sobre a tentação de Jesus. Presumimos que seu principal objetivo é ensinar-nos sobre as nossas tentações e como devemos resistir a elas.
É verdade que o exemplo de nosso Senhor de resistir às suas tentações nos ajuda a resistir às nossas. Mas o objetivo delas não é dizer: “Jesus foi tentado, e vocês são tentados exatamente como ele; então, reajam à tentação assim como ele fez.” Isso transformaria as tentações dele em um mero exemplo a ser imitado. Não! Somos informados de que o Espírito Santo guiou Jesus — na verdade, “o impeliu” — ao deserto para ser tentado.[i]
As tentações de Jesus não foram uma série de acontecimentos infelizes que o atingiram de surpresa. Constituem, antes, um confronto épico que ocorre dentro da estratégia divina. O que vemos aqui é a obra de Jesus de luta, vitória e salvação. Ele ficou cara a cara com Satanás. Ele se manifestou como o novo homem de Deus, o segundo Adão, para fazer o que o velho homem, o primeiro Adão, não conseguiu. A questão é: quem tomará os reinos deste mundo? E como o Reino de Deus será reconquistado e estabelecido? A resposta é que Jesus os retomará em nosso nome e para o deleite e glória de seu Pai. Satanás será esmagado sob os pés!
Ó amável sabedoria do nosso Deus! Quando tudo era pecado e perdição, Veio para lutar e para resgatar os seus aquele segundo Adão.
É por isso que Jesus experimentou uma fraqueza e uma fome tão avassaladoras (em contraste com Adão, que desfrutou de tudo imensamente). É por isso que ele enfrentou a tentação em um deserto (não como Adão, que estava em um jardim lindo e acolhedor). É por isso que ele estava rodeado de animais selvagens (e não, como Adão estava, de animais dóceis, obedientes, quase domesticados). Jesus, o último Adão, teve de vencer no contexto do caos que o pecado do primeiro Adão trouxera ao mundo.
Assim, desde o início até ao fim do seu ministério, Jesus está marchando contra os poderes das trevas. Praticamente logo após as tentações, ao iniciar o seu ministério público, ele tem de enfrentar um novo ataque de atividade demoníaca na sinagoga de Nazaré.[ii] Pouco depois, ele encontra um homem em Gadara cuja vida está sob alguma influência destrutiva de outra natureza e fora de controle. Ele vagueia pelas tumbas como um animal selvagem que ninguém consegue dominar.
Jesus diz com ternura ao endemoninhado: “Qual é o teu nome?” Ele responde: “Legião é o meu nome, porque somos muitos.”[iii]
Uma legião romana consistia teoricamente em cerca de quatro mil a cinco mil soldados. O homem está dizendo: “Milhares de demônios invadiram minha vida.”
Notemos, contudo, uma coisa. É preciso apenas um demônio para destruir alguém. Por que, então, milhares de demônios o invadiram? Porque o Senhor Jesus estava lá. Essa é toda a questão. Não se trata simplesmente de um pobre homem possuído por uma legião de demônios. Isso seria uma mobilização de tropas excessiva que Satanás nunca poderia destacar. Não, não por causa daquele homem, mas a destruição do ministério de Jesus é o alvo.
A razão pela qual há tanta possessão demoníaca no período registrado pelos Evangelhos não é, como às vezes se supõe, que a possessão demoníaca fosse comum naquela época. Na verdade, não era. Em vez disso, a terra foi invadida por demônios porque o Salvador estava marchando para a vitória prometida em Gênesis 3.15. E todo o inferno foi solto para resistir a ele.
A resposta dos próprios demônios a Jesus deixa isso claro. Quando ele foi confrontado pelo homem possuído pelo demônio na sinagoga de Cafarnaum, a reação do espírito imundo a ele foi: “Vieste para nos destruir?”[iv]
E, então, é claro, essa oposição sinistra assumiu uma forma mais sutil em um dos três homens que Jesus mais amava no mundo, quando Simão Pedro ecoou a tentação do Salvador pela Serpente: “Não siga o caminho da cruz, Jesus.”[v]
Como Jesus foi resoluto! Como ele foi lúcido ao ouvir nas palavras de Pedro o tom do Maligno e responder: “Para trás de mim, Satanás!”[vi]
Este artigo é um trecho adaptado do livro Nome acima de todo nome, de Alistair Begg e Sinclair Ferguson, Editora Fiel.
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[i] “Foi guiado” é a expressão de Lucas; “impelido” é a de Marcos.
[ii] Lucas 4.16-30
[iii] Marcos 5.9
[iv] Marcos 1.24 (NVI); cf. Mateus 8.29: “Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?”
[v] Veja Mateus 16.22-23
[vi] Mateus 16.23 (NVI); Marcos 8.33