Neste mundo amante de espetáculos, com todos os seus fabricantes e as suas indústrias de espetáculos, veio o mais grandioso Espetáculo já concebido na mente de Deus e apresentado na história mundial: a cruz de Cristo. É o ponto de virada da história, a passagem de “a.C.” para “d.C.”, em que todo o tempo se choca, em que todos os espetáculos humanos se encontram diante do único, do insuperável, do cósmico espetáculo divino.
Mas numa cultura visual como a nossa, é mesmo apropriado trazer para a conversa a cruz que não podemos ver? Pode a cruz ser um espetáculo para nós hoje? Nenhum de nós a viu. Nós hoje só podemos ler sobre ela.
As questões enfrentadas pelos antigos cristãos gálatas podem nos ajudar a lidar com essas questões hoje. A igreja gálata tinha caído sob o feitiço de uma falsa promessa de redenção: Cristo mais as obras da lei. Eles estavam renunciando ao evangelho e abandonando Cristo; aquele era um movimento absurdo. Como podiam eles ceder à encantadora alucinação de um falso evangelho, como se a cruz de Cristo fosse insuficiente? Especialmente quando Paulo lhes havia dito que “foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado” (Gl 3.1, NAA). Contudo, toda a evidência indica que os gálatas não estavam presentes ao evento da crucificação.
Sendo assim, como Paulo podia reivindicar que a igreja gálata havia visto Cristo crucificado diante dos seus olhos, como se ele houvesse sido retratado publicamente num quadro de avisos (προγράφω) da cidade? Talvez ele tivesse em mente o simbolismo da Mesa do Senhor, na qual a cruz toma a forma de um símbolo visível. Mas duvido que essa seja a explicação. Em vez disso, o argumento de Paulo é que a igreja gálata havia visto Cristo crucificado por meio da pregação apaixonada e cristocêntrica de Paulo. Por meio da pregação fervorosa de Paulo, a cruz, embora muito distante no tempo e no espaço, tornava-se próxima e presente. Não está claro o quanto Paulo era visualmente explícito, em sua pregação, acerca dos detalhes do Calvário; mas, de fato, vemos aqui que a morte de Cristo se tornava presente para eles — “de modo tão vívido e tão impressionante que os seus ouvintes imaginavam como se o evento ocorrera diante dos seus olhos”.[1]
É precipitado demais descrever esses sermões como teatro apostólico. Em vez disso, o retrato da crucificação de Cristo que Paulo fazia em seus sermões era uma obra-prima de retórica gráfica (ou écfrase), o despertar da imaginação pictórica por meio de fortes poderes descritivos, de modo que a cruz de Cristo capturara a imaginação dos cristãos gálatas com vívida intensidade. Paulo só podia refletir sobre aqueles momentos empregando metáforas de olhos e visão, como se o espetáculo da cruz estivesse visualmente posto diante dos olhos deles, muito embora não estivesse.
Ainda hoje, a pregação clara e intrépida da cruz materializa o espetáculo da cruz diante da congregação, para aqueles que possuem fé para vê-lo. Pelo Espírito, nós vemos o espetáculo da cruz — pois nós vemos a cruz de Cristo ainda hoje, por meio de sermões, livros e cânticos fiéis, nos quais a mensagem da cruz está presente com a majestade que lhe é devida. Essa era a intenção de Paulo — que nós também víssemos Cristo, contemplando sua majestade e glória.
Contudo, esse grande espetáculo permanece invisível. Essa é uma marca distintiva dos cristãos, os quais não apenas atentam para o que se pode ver, mas contemplam os domínios da glória invisível.[2] Por essa fé, somos cheios de uma alegria indizível em Cristo, uma alegria que evoca a alegria dos primeiros crentes que viram fisicamente Cristo na terra.[3] Para nós, porém, a cruz é a pedagogia da fé, não da vista. No Calvário, “Satanás triunfou visivelmente, mas Cristo triunfou invisivelmente”.[4] Essa é a razão pela qual filmes bíblicos e recriações cinematográficas da cruz nada acrescentam ao espetáculo da cruz, e, muitas vezes, roubam-lhe algo, deixando-nos com um imaginário vívido da tortura física e da derrota de um homem, mas esvaziando o espetáculo de suas mais surpreendentes glórias — incapazes de retratar na tela a divindade de Cristo ou a sua obra singular como o sacerdote que fez expiação; o Salvador que levou sobre si a ira; o cordeiro pascal; o servo sofredor; aquele que esmagou a cabeça da serpente; o homem de guerra cósmico; o capitão do segundo êxodo; e o alfa da nova criação.
Nosso mundo diz que ver é crer, mas, para podermos ver a profunda glória da cruz, precisamos ver como Deus vê, não como o homem vê. Nós entesouramos o que é invisível e essa é, talvez, a grande fonte da tensão do espetáculo que existe entre esta era e a vida cristã. O grande espetáculo de Cristo crucificado é um espetáculo para os ouvidos, não um espetáculo para os olhos. Pois a fé vem não pelo ver, mas pelo ouvir.[5]
Artigo adaptado do livro A Guerra dos Espetáculos, de Tony Reinke, futuro lançamento da Editora Fiel.
[1] Hans Dieter Betz, Galatians: A Commentary to Paul’s Letter to the Churches in Galatia (Philadelphia: Fortress Press, 1979), 131.
[2] 2Co 4.18.
[3] 1Pe 1.8-9.
[4] Thomas Manton, The Complete Works of Thomas Manton (London: James Nisbet, 1874), 18:213.
[5] Rm 10.14-21; Gl 3.1-5.