segunda-feira, 23 de dezembro
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A Soberania de Deus e a vontade humana

Tem o homem é dotado de “livre-arbítrio”?

Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Filipenses 2.13

Quanto à natureza e ao poder da vontade do homem caído, reina a máxima confusão hoje em dia; os pontos de vista mais errôneos são sustentados, até mesmo por muitos filhos de Deus. A ideia popular, ensinada na maioria dos púlpitos, é que o homem é dotado de “livre-arbítrio” e que a salvação é dada ao pecador mediante a cooperação da vontade humana com o Espírito Santo. Negar o “livre-arbítrio” do homem, isto é, seu poder de escolher aquilo que é bom, sua capacidade inata de aceitar a Cristo, é atrair imediatamente um desagrado, inclusive da maioria dos que se professam ortodoxos. No entanto, as Escrituras afirmam enfaticamente: “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.16). A Palavra ainda declara, expressamente: “Não há quem busque a Deus” (Rm 3.11). Cristo não disse aos homens de seu tempo: “Não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40)? Sim; e alguns vieram a ele, alguns o receberam. Isso é verdade; e quem eram eles? João 1.12, 13 nos mostra: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

Mas não ensina a Escritura: Quem quiser, venha? É verdade, mas significa isso que todos têm vontade de vir? Que dizer daqueles que não querem vir? “Quem quiser, venha” não significa que o homem caído tem, em si mesmo, o poder de vir, tal como a expressão “Estende a tua mão” não dá a entender que o homem com a mão mirrada tinha, em si mesmo, a capacidade de obedecer. Em si e de si mesmo, o homem natural tem o poder de rejeitar a Cristo; porém, não tem o poder de receber a Cristo. E por qual razão? Porque a sua mente está em inimizade contra Deus (Rm 8.7); porque o seu coração odeia a Deus (Jo 15.18). O homem escolhe aquilo que está de acordo com a sua própria natureza, e, portanto, antes de haver a possibilidade de escolher ou preferir aquilo que é divino e espiritual, uma nova natureza precisa ser-lhe concedida; em outras palavras, importa-lhe nascer de novo.

Pode-se, porém, perguntar: O Espírito Santo não vence a inimizade e o ódio do homem, quando convence o pecador acerca de seus pecados e de sua necessidade de receber a Cristo? O Espírito de Deus não produz essa convicção em muitos daqueles que perecem? Tal linguagem revela confusão mental: se a inimizade de tal pessoa tivesse sido realmente vencida, então, de bom grado, ela se voltaria para Cristo. Mas, por não vir ao salvador, fica demonstrado que não foi vencida a inimizade dela. Há muitos que, através da pregação da Palavra, são pelo Espírito convencidos do pecado e, apesar disso, morrem na descrença: é uma solene verdade. Não devemos perder de vista, porém, o fato que o Espírito Santo faz, em cada eleito de Deus, algo mais do que nos não eleitos: ele opera nos eleitos “tanto o querer como o realizar” a boa vontade de Deus (Fp 2.13).

Respondendo àquilo que dissemos acima, os arminianos retrucariam: “Não; a obra de persuasão efetuada pelo Espírito é a mesma, tanto nos convertidos como nos não convertidos. Aquilo que distingue um grupo do outro é que os convertidos rendem-se à persuasão do Espírito, ao passo que os não convertidos resistem”. Mas, se este fosse o caso, o cristão é que tornaria a si mesmo diferente; porém, as Escrituras atribuem tal diferença à graça discriminadora de Deus (1Co 4.7). Além disso, se este fosse o caso, o cristão teria motivos para jactar-se e gloriar-se em si mesmo, em face de sua cooperação com o Espírito de Deus. Todavia, isso estaria em flagrante contradição com o trecho de Efésios 2.8, que diz: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”.

Queremos apelar à experiência pessoal do leitor crente. Não houve uma época (que tal lembrança humilhe a cada um de nós até o pó!) quando você não estava disposto a vir a Cristo? Houve. Depois daquilo, você veio a ele. Agora, você está disposto a dar-lhe toda a glória, por causa desse fato (Sl 115.1)? Você não reconhece que só veio a Cristo porque o Espírito Santo o moveu da indisposição para a disposição? Claro que reconhece. Então, também não é evidente que o Espírito Santo não realizou em muitas pessoas o que realizou em você? Muitos outros há que ouviram o evangelho, aos quais se demonstrou que precisam de Cristo. Apesar disso, ainda continuam indispostos a vir a ele. Assim, ele operou mais em você do que neles. Você poderia argumentar: “Mas, bem me lembro da ocasião na qual esta grande decisão me foi apresentada, e a minha consciência testifica que a minha vontade agiu e eu me curvei às reivindicações de Cristo sobre minha vida”. É verdade! Mas antes de você “curvar-se”, o Espírito Santo, em sua mente, venceu aquela inimizade natural que havia contra Deus. Contudo, o Espírito Santo não vence essa inimizade em todas as pessoas. Se alguém disser: “Isso é porque não estão dispostos a permitir que essa inimizade seja vencida”; Oh! Ninguém tem essa vontade enquanto ele não estende sua mão onipotente, operando um milagre da graça no coração.

Agora, porém, perguntamos: O que é a vontade humana? É algo que funciona através de sua própria determinação, ou é, por sua vez, determinado por outro fator? É soberana ou serva? A vontade é superior a todas as demais faculdades do nosso ser, governando-as, ou é movida pelos impulsos das demais faculdades, sendo sujeita às tendências delas? A vontade rege a mente, ou a mente é que controla a vontade? A vontade é livre para fazer o que lhe apraz ou deve obedecer a algo que lhe é externo? “A vontade é separada das outras faculdades da alma, um homem dentro do homem, que pode pôr o homem em direção contrária, voltando-se contra ele e despedaçando-o, como se fora de vidro? Ou a vontade é ligada a outras faculdades, como a cauda de uma serpente está ligada ao corpo, que, por sua vez, está ligado à cabeça, de maneira que, para onde vai a cabeça, vai o animal inteiro, e, conforme pensa o homem no seu coração, tal ele é? Primeiro vem o pensamento; depois, o coração (desejo ou aversão); e então, o ato. É o cão que abana a cauda? Ou é a vontade, a cauda, que abana o cão? A vontade é a primeira coisa no homem ou é a última a ser conservada em posição subordinada, abaixo das demais faculdades? É veraz a filosofia de ação moral e seu processo descritos em Gênesis 3.6: ‘Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer’ (percepção sensorial, inteligência), ‘e árvore desejável’ (afeições), ‘tomou-lhe do fruto e comeu’ (vontade)” (G. S. Bishop). Essas questões não são de interesse apenas acadêmico. São de importância prática. Cremos que não estamos exagerando, quando afirmamos que a resposta a essas perguntas é um dos testes fundamentais quanto a firmeza doutrinária.’[i]

 

 

 

 

 

O artigo acima é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Deus é soberano, de A.W. Pink, Editora Fiel.

 


[i] Depois de termos escrito estas palavras, lemos um artigo do falecido J.N. Darby, intitulado “O suposto livre-arbítrio do homem”, que começa com as seguintes palavras: “Esse ressurgimento da doutrina do livre-arbítrio se presta para apoiar a pretensão de que o homem natural não está irremediavelmente caído, pois essa é a direção a que tende tal doutrina. Todos quantos nunca sentiram profunda convicção de pecados, todos nos quais essa convicção se alicerça em grosseiros pecados externos, creem, em maior ou menor grau, no livre-arbítrio”.


Autor: A. W. Pink

Arthur W. Pink (1886-1952) foi um dos autores evangélicos mais influentes da segunda metade do século XX. Erudito bíblico de persuasão reformada e puritana, Pink escreveu várias obras literárias e pastoreou diversas igrejas nos EUA, além de ter servido como ministro na Inglaterra e Austrália.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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