O Livro de Provérbios fala sobre a necessidade da vara na educação de filhos. Os pais que não a usam odeiam seu filho. O amor, portanto, exige autodisciplina, autonegação e coragem. Era necessário tudo isso para Amy usar uma vara ou uma tira de couro no pulso de uma criança. À semelhança de sua própria mãe, ela esperava que a criança oferecesse o braço sem recuar. Frequentemente, a disciplina era seguida de um beijo e um doce. Amy assumiu a responsabilidade de administrar ela mesma essas punições, em vez de pedi-lo às accals (irmãs mais velhas) ou às sitties (as irmãs mais novas da mãe — o nome usado para se referir às trabalhadoras europeias). Afinal de contas, ela era a mãe. Se a sittie ou a accal achasse que uma vara era necessária, ela mandaria a criança para Amma com um bilhete. Esses bilhetes, afirma-se, nem sempre chegavam ao seu destino. Pelo menos uma criança chegou com um sorriso brilhante e o reconhecimento claro de que a sittie a enviara com um bilhete. Mas onde estava o bilhete? “Eu o engoli!” foi a resposta.
Outras punições eram mais imaginativas. Uma criança que mentiu poderia ter quinina colocada em sua língua ou uma placa que dizia Mentira pendurada em seu pescoço por metade do dia. Uma menina que mentiu habitualmente teve a sua boca tingida e foi mantida fora da escola por aproximadamente um dia. Depois da segunda ou terceira vez, ela foi levada até à sala de Amma.
Eu estava tremendo. Ela me levou ao banheiro para receber a tira de couro, colocou-me em seu colo diante de um espelho e leu para mim um trecho de Isaías 53 — “Ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades. […] Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.” Depois, ela bateu em seu próprio braço, em lugar do meu, e me explicou a salvação. Sem entender, eu disse “Sim, Amma”. Mas eu não tinha mudado nem um pouco. Quando eu tinha 33 anos, fui rude com um trabalhador e fui mandada para o quarto sem comida, para refletir. Quando saí, o trabalhador estava lá. Eu beijei sua mão, ele beijou minha testa. Isso foi céu para mim.
Quando duas meninas brigaram, Amy amarrou suas tranças juntas, para que fossem obrigadas a andar em harmonia. Uma criança de sete anos que não podia parar de roer suas unhas foi até Amy com flores um dia. “Querida, quero falar com você”, ela disse e pegou nas mãos da criança. “Você tem dedos lindos. O que você tem feito com eles? Estas mãos não são do Senhor?” A criança ficou aterrorizada. “Não tenha medo”, disse Amy, e beijou as mãos dela. “Prometa a mim e ao Senhor Jesus que você parará. Então, venha e me veja novamente na semana que vem.” Funcionou. A criança cumpriu sua promessa.
“Lembro-me de como ela sofria por causa de suas queridas filhas ao mostrar a natureza como a segunda Bíblia”, escreveu uma delas.
Lembro-me de ela sair às pressas de sua casa quando ouviu que alguém estava matando um besouro com uma pedra. Ela pegou a minha mão pequenina e me bateu com a mesma pedra, afirmando que o besouro tinha toda a liberdade para viver, a menos que tivesse vindo de dentro da casa. Eu tinha apenas dez anos de idade na época, por isso lembro-me de chorar, mas a lição aprendida foi, para sempre, a de ser bondosa para com qualquer criatura.
A parcialidade de Amy para com certas crianças não podia ser disfarçada. Sobre uma criança de cinco anos de idade que morrera, ela escreveu:
Lulla era, talvez, a única de nossas crianças que teria certamente satisfeito o gosto mais crítico. Havia uma delicadeza de feições e uma suavidade de coloração que é rara no sul da Índia; e a doçura de disposição de Lulla combinada com a inteligência brilhante acrescentava algo que tornava sua peculiaridade preciosa para nós todos.
O gosto mais crítico significava, sem dúvida, o gosto europeu mais crítico. Os indianos com sangue ariano, de pele clara e cabelos sedosos, eram muito naturalmente mais atraentes à natureza europeia em Amy, bem como à casta superior. Os dravidianos escuros, do Sul, acharam menos lugar nas fotografias que ela incluiu em seus livros, embora isso possa ter sido a escolha dos fotógrafos.
“Por eu ser escura, sempre era colocada atrás”, disse uma. “Ela amava os claros. Eu levei uma varada. Tara, que era clara, foi colocada de castigo no canto. Quando anos depois perguntei a Amma por quê, sua resposta foi: ‘Você precisava da vara. Tara precisava do canto.’” Para outra que a acusou de favoritismo, ela disse: “Ó querida, não era a minha intenção!”, e o assunto foi esquecido.
“Chellalu e Seela eram inteligentes e travessas”, disse outra mulher idosa. Amma gostava delas por isso. Mas eu era uma choramingona. Era chata e não gostava de lições. Gostava de trabalho duro. Ainda hoje eu gosto. Não tive problemas com Amma. Sempre fazia as coisas da maneira apropriada. Mas ela não me amava muito. Não queria uma criança amuada diante dos convidados. Quando eu tinha dez anos, fui trabalhar no berçário como uma tungachie, uma irmã mais nova. Amma ficava brava se encontrasse um bebê molhado. “Mas eu tenho de cuidar de 13 bebês com menos de 18 meses!”, eu disse. Oh! Ela era uma pessoa amável e querida.
Amy admitiu que, às vezes, tinham falta de pessoas para fazer a obra apropriadamente, e as crianças que se tornavam “pequenas babás auxiliares” eram pressionadas a entrar no serviço antes que tivessem, de fato, idade suficiente. Mas elas aprenderam “todo tipo de coisas úteis”, sua dedicação às bebês era admiravelmente constante, levando em conta sua imaturidade, e eram “treinadas a considerar o serviço como o trabalho mais honrável e o mais feliz”.
Quando uma criança chegava a Dohnavur, a data era registrada e celebrada anualmente como o dia de sua chegada, visto que datas de nascimento exatas não eram fáceis de determinar. Naquele dia, nos anos antes de o tamanho da Família tornar isto impossível, era permitido à criança ir bem cedo ao quarto de Amy e ter o chá matinal com ela em sua cama. Cada criança recebia um pequenino sabonete perfumado e um cartão como presentes do Dia de Chegada, e, depois, havia o maravilhoso armário de presentes do qual ela podia escolher algo mais. Amy conversava com ela do que havia sido salva — “um lugar perverso, perverso” — e lhe contava a história de como ela chegara a Dohnavur. Uma bebê, Piratha, chegou enquanto um grupo por acaso orava de joelhos, na sala de Amy, em favor da salvação de bebês.
Certa vez, Amy levou uma menina ao templo a fim de mostrar-lhe do que ela fora salva. A lição teve pouco impacto na criança. Ela viu como eram felizes as moças do templo e que lindas joias usavam. Mas anos depois uma mulher do templo que veio como paciente ao hospital em Dohnavur descreveu para ela a sua vida real. “Antes eu era uma rebelde”, ela disse, “mas tornei-me agradecida depois daquilo.”
Tarahai se lembra da seriedade com que Amy lhes recordava, ano após ano, o significado do nome que lhes dera. “Amma segurou minha mão e disse: ‘Eu lhe dou o nome de Estrela, para que você seja uma estrela brilhante para o Senhor Jesus.’” Karima significava “Pássaro Cantante”; Dayala, “Graça”.
À medida que as crianças cresciam, Amy falava de suas esperanças para elas. Estariam elas dispostas a fazer o que outros haviam feito por elas — cuidar de bebês, lavar mamadeiras e fraldas, dedicar sua vida nos berçários? “Ore para que você seja uma guerreira e cuide de crianças”, ela disse a Dayala. Amy via rapidamente a potencialidade dos outros. “Ela era uma profetisa” foi o testemunho de várias. Amy encorajou várias a serem enfermeiras de hospitais, professoras, contadoras e evangelistas. Se, como frequentemente acontecia, as ambições de uma moça eram bem diferentes do que Amy imaginava para ela, a moça seria lembrada do “jugo suave” que Cristo oferece, “mas, se fizermos o nosso próprio jugo, seremos miseráveis”. “Amma queria que eu cuidasse de bebês”, disse uma cujo nome significava Bem-Amada. “Eu odiava aquilo. Minha vontade era ensinar. Ela me deu o versículo bíblico ‘Leve este menino e crie-o para mim’.” Uma tungachie de 14 anos de idade que parecia um caso sem esperança e que não conseguia controlar as crianças recebeu um dia inteiro num quarto de uma sittie para “ouvir a Deus”. Se ele desse sua presença e ajuda, ela decidiu, faria qualquer coisa, gostasse ou não. No segundo ano, ela não somente tinha aprendido como desincumbir bem as suas responsabilidades, mas também achava que fazer trabalho humilde por amor a Cristo transformava-o no que agora ela chama “alegria celestial”. Shanthie, que trabalhou como farmacêutica por 40 anos, descobriu que seus grandes desejos foram realizados. “O dever era o meu prazer”, ela disse.
O trabalho de mãe era permanente em Dohnavur, como o é em todos os lugares, e, para supervisionar o trabalho em salas de aula, berçários, cozinhas de leite, depósitos, salas de tecer e costurar, Amy passava rapidamente de um lugar para outro em um enorme triciclo. O quadro deve ter sido surpreendente para um visitante que se achasse ali por acaso — aquele pequeno dínamo atarracado, adernando pelos cantos tão entusiasticamente, que mais de uma vez acabou na poeira. Às vezes, ela juntava um “grupo” de moças que corriam atrás do triciclo para verem um pássaro no jardim ou para irem ao seu quarto para uma reunião de oração inesperada. Havia piqueniques ao luar, corridas de carroças, brincadeiras quando ela atuava no papel de urso. Amy era uma visão impressionante no dorso de um cavalo, trotando pelas veredas, cavalgando à amazona em seu sári bege-claro, convidando, às vezes, uma criança para subir às costas do cavalo para compartilhar da diversão.
Embora o conhecimento pessoal das crianças fosse quase unicamente limitado ao complexo missionário, a imaginação delas atingia muito além de seus muros de tijolos vermelhos. Muito cedo em certa manhã, Amy despertou uma casa cheia de moças para lhes mostrar as estrelas cujos nomes, seis meses antes, elas puseram em suas bonecas: Andrômeda, Aldebarã, Betel- geuse. Quando as levou para verem os inícios de um novo berçário pelo qual haviam orado, deram nome às pedras de acordo com os nomes de montanhas da África.
Amor leal era o que Amy chamava a raiz principal da árvore que se tornou a Dohnavur Fellowship. Nunca lhe fugiu da memória aquele dia cinzento no mar cinzento em Shimonoseki, no Japão, quando um missionário falou casualmente sobre a falta de amor entre missionários. “Aquele que não ama permanece na morte.” “Amai-vos, de coração, uns aos outros ardente- mente.” Esses eram os lemas. Amy se recusava resolutamente a contentar-se com o usual. Ela confiava em Deus para ver um grupo de seus servos unidos em amor leal.
“Nunca sobre, sempre para” era uma das regras. Eles não deviam falar sobre outra pessoa, mas diretamente para esta. A confiança era estabelecida nessa base.
Outra regra: “Tem de ser Venha, nunca Vá. Não podemos pedir uns aos outros que façam o que nunca fizemos ou não estamos dispostos a fazer. Isso é a razão por que buscamos para a nossa comunhão somente aqueles que vêm ‘sem um mas, um se ou um limite’.” Era uma montanha íngreme que pediam à Família que subisse. Os líderes têm de ser os primeiros a subi-la.