Fazer uma lista do que constitui um bom membro da igreja parece uma coisa fácil de fazer — até você tentar. No topo dessa lista, é claro, está “crer em Jesus para o perdão dos pecados”. O que vem depois? Que tipo de ações, características e atitudes você listaria em segundo, terceiro e quarto lugares?
O perigo em potencial com essa lista é que as coisas mais adiante talvez pareçam menos necessárias, desde que pensemos que temos o que é mais importante. Mas o perigo real é que uma lista do que faz um bom membro da igreja pode facilmente se transformar em uma lista de verificação de desempenho, algo pelo qual pesamos nossos sucessos ou fracassos em uma balança. Tendo dito isso, há um texto que coloquei no topo da lista e que provavelmente resume a maior parte do que podemos incluir. Esse texto é Filipenses 2.1-4:
Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros.
Aqui Paulo mostra como é a vida dos cidadãos do céu (Fp 1.27), aqueles que vivem na esperança de que Deus complete sua obra de salvação (Fp 1.6), aqueles que têm justiça — isto é, o próprio Jesus — puramente como um dom de Deus (Fp 3.9). Em última análise, a vida que Paulo deseja para os filipenses e para nós reflete Cristo, que, em vez de usar sua pessoa e poder para si mesmo, tornou-se um servo que deu sua vida por nós (Fp 2.6-8). Para os membros da igreja, o amor e o serviço que fluem da unidade em Cristo não são virtudes adicionais ou os efeitos da sã doutrina.
Viver para os outros é viver como Cristo, algo que dificilmente é só mais um item de uma lista.
Se vocês são membros da igreja…
A exortação de Paulo para deixar de lado a ambição egocêntrica e o lucro pessoal em troca de colocar os outros em primeiro lugar flui da unidade que os crentes têm (ou pelo menos deveriam ter) em Cristo. Quando Paulo diz: “Se há, pois, alguma exortação (…) consolação (…) comunhão (…) entranhados afetos e misericórdia”, ele está dizendo: “Se há, pois (…)”. É como um pai dizendo: “Se você já me ouviu dizer alguma coisa, então preste atenção nisso”.
As exortações nos versículos 2 a 4 não são mais coisas para fazer ou adicionar ao básico do que significa ser um crente (ou membro de igreja), mas mostram como a realidade do versículo 1 é expressada. Em outras palavras, as exortações não são apenas boas quando (ou se) chegarmos a elas. Elas não são a cereja do bolo da salvação, mas parte integrante da realidade da salvação. Observe também que a alegria de Paulo será cumprida ao ver os filipenses vivendo uns para os outros (2.2). Em suma, a igreja em Filipos era uma igreja relativamente saudável. Mas Paulo está preocupado com mais que os começos: sua alegria pastoral vem ao ver os filipenses crescerem na obra contínua da salvação de Deus ao mostrarem Cristo uns para os outros.
…então mostrarão Cristo uns aos outros
Quando você olhar para Filipenses capítulo 2, seus olhos provavelmente se desviarão para os versículos 5 a 11 (em parte, graças aos títulos da Bíblia). Isso é compreensível até certo ponto, pois estes versículos contêm uma das mais elevadas e concentradas cristologias de Paulo. Paulo, no entanto, pode se surpreender ao descobrir que muitas vezes investigamos os versículos 5 a 11 em detalhes minuciosos, mas às vezes prestamos pouca atenção aos versículos anteriores.
Devemos evitar abstrair a cristologia dos versículos 5 a 11 do contexto. Ao mesmo tempo, devemos evitar reações exageradas, como alguns fazem hoje em dia, e apenas enfatizar o exemplo de Cristo nos versículos 5 a 11. Felizmente, não temos que escolher um ou outro. Se escolhemos ambos, teremos uma apreciação maior por todos os onze versículos. Se quisermos saber como é preferir os outros mais do que a nós mesmos e buscar o bem dos outros acima do nosso próprio bem, então não precisamos olhar além dos versículos 5 a 11. Os bons membros da igreja olharão para os outros da maneira como Cristo os considerou: como pessoas que precisam de amor e serviço.
Colocando os outros em primeiro lugar: ministrando Cristo uns aos outros
Quando se trata de viver o ensinamento de Paulo em Filipenses 2, não podemos simplesmente responder com “Sim, preciso ser menos egoísta”, ou “Preciso ser menos egocêntrico”, ou “Preciso colocar os outros em primeiro lugar” e, em seguida, resolver fazer algumas alterações. É claro que devemos colocar os outros em primeiro lugar de forma consciente e deliberada. Mas se tomarmos esta expressão do evangelho de Cristo e a transformarmos no que devemos fazer, então a vida cristã se torna uma questão de desempenho. Pior ainda, isso potencialmente nos faz ver os outros como objetos para cumprir uma lista de verificação pessoal do que significa ser um bom membro da igreja. Se vivo para os outros como uma tentativa de mostrar que estou andando em obediência, ainda estou vivendo para mim.
Então, por onde começamos? Primeiro, precisamos deixar o texto fazer seu trabalho de expor como deixamos de viver para os outros: como somos egoístas e egocêntricos. Começamos com a confissão, sem desculpas nem justificativas. Se formos honestos, esses versículos trarão uma certa quantidade de medo e tremor. Ao mesmo tempo, nos voltamos (ou melhor, somos levados) para a esperança do evangelho, a obra consumada de Cristo Senhor e Rei (2.9-11) em quem somos justos (3.9). Desta forma, recebemos 2.1-4 como um dom que nos liberta da ambição egoísta que nos impede de comunhão e serviço uns aos outros em Cristo.
Todos nós estamos familiarizados com Filipenses 2.12: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor”. Precisamos juntar isso a 2.1-4. Viver unidos na comunhão do Espírito, viver e servir uns aos outros como Cristo serviu, é o que parece operar nossa salvação: a salvação que Deus começou em nós e promete completá-la (1.6). A obra de amor e serviço não pode ser “feita” sem crer que é Deus quem opera em nós de acordo com sua vontade e propósito (2.13). É sua obra de salvação em nós. Assim como somos chamados a desviar o olhar de nós mesmos para Deus somente em Cristo para a salvação, também nos afastamos de nós mesmos a fim de servirmos uns aos outros como bons membros da igreja.
Publicado originalmente em 9 Marks.
Tradução: João Costa. Revisão: Renan A. Monteiro.