Era o segundo dia da Escola de Sexualidade, e a turma contava com pouco mais de trinta alunos de várias partes do país e de diferentes igrejas. Todos vieram com o propósito de aprofundar o conhecimento sobre a aplicação da cosmovisão bíblica na sexualidade humana. Cada turma tem suas particularidades, mas, no geral, por duas semanas, convivemos com cristãos que nos procuram porque se identificam com um dos três objetivos: (1) quero ajudar; (2) preciso de ajuda; ou (3) vim para ajudar, mas aqui descobri que preciso de ajuda. Quem vem sabe que nossa declaração de fé é a Bíblia e que cremos ser ela é a direção de Deus para seu povo, independentemente da cultura, do momento histórico ou das experiências de vida. Deus é eterno e está inserido no tempo e também fora dele, reinando soberanamente sobre toda a realidade. Por isso, temos muita tranquilidade em anunciar que Jesus Cristo é o Senhor da sexualidade. Não há especialista como ele no assunto. Ele a criou e tem planos para ela. Desse modo, se há alguém a quem devemos buscar com toda diligência a respeito da sexualidade humana, esse alguém é Cristo, seu Criador.
Por essa razão, nossas primeiras aulas são dedicadas a lançar os fundamentos da cosmovisão bíblica e, consequentemente, da antropologia bíblica. Nessa turma, por alguma razão, adiantei uma informação que, normalmente, seria abordada mais à frente. Citei nossa premissa: “Cremos que todo pecado sexual é decorrente da negociação de algum atributo de Deus”. Como ficaram me olhando com ar de quem não havia entendido, continuei: “Por exemplo, se duvido de um atributo como a bondade de Deus, isso afetará minha forma de enxergar e me relacionar com a realidade. Deus é bom!”.
Devo ter repetido essa afirmação sobre Deus ser bom em outros momentos nessas duas primeiras aulas porque uma aluna levantou a mão e fez o seguinte comentário: “Você está dizendo que Deus é bom. E se eu te provar que Deus não é bom?”. Pedi a ela que repetisse a pergunta, para ter certeza de que havia entendido bem. Sim, era exatamente isso: “E se eu te provar que Deus não é bom?”. Pensei por um instante e respondi, com paz no coração: “Eu só quero que você tente!”. Acho que não houve um aluno sequer que não tenha arregalado os olhos nesse momento. Mas, ao olhar para o relógio de parede e notar que marcava 11h45, considerei que, como o almoço seria servido em quinze minutos, e a fala dela provavelmente tomaria mais tempo, seria melhor adiar a conversa. Fiz-lhe, então, uma proposta: “Te espero aqui às 15h, e quero que tente me provar que Deus não é bom!”. Só faltou a música de fundo de faroeste, porque o duelo estava marcado.
Em todos aqueles anos, nunca havia sido desafiada de forma tão direta, especialmente logo nos primeiros encontros com os alunos — que, aliás, eram todos cristãos e enviados por suas respectivas igrejas. Honestamente? Apreciei a sinceridade e a coragem daquela aluna, pois considero preferível um “papo reto” como aquele à adulação ou ao silêncio hipócrita. Almoçamos todos juntos e, até o horário da aula da tarde, cada uma teria seu tempo de descanso ou de preparo para “o duelo”.
Às 15h, todos estavam a postos, e concedi a palavra a ela. Antes, porém, é importante dizer que ela estava havia dois dias em nossa base missionária, cuja estrutura física é simples — especialmente para quem vem de uma classe social ou igreja com mais recursos financeiros. Em termos de conforto, temos apenas o suficiente para hospedar com dignidade. Ela estava irritadíssima com toda essa simplicidade, a ponto de não conseguir encontrar o registro do chuveiro. Era a típica aluna que já chegou querendo ir embora ou, no máximo, hospedar-se em um hotel. Mas, ficou sem muita expectativa e, para piorar, ouviu repetidas vezes que Deus era bom.
Com esse humor modo “cuspindo marimbondo”, mas bem articulada nas palavras, ela começou a defesa do seu argumento: “Deus não é bom. E provarei meu ponto contando uma história. Como Deus pode ser bom se…”. Nesse momento, ela se levantou, ficou de frente para a turma, pegou o microfone, uma caneta de quadro branco e começou sua plenária com uma narrativa permeada de detalhes que arrancavam gargalhadas e lágrimas. Eu estava sentada, ouvindo cada palavra atentamente — o que não era difícil, tamanha a habilidade dela em se comunicar.
Ela nascera em uma família composta por pai, mãe e uma irmã mais velha. Desde criança, frequentar a igreja era uma prática comum na família. Ninguém imaginaria que o homem considerado modelo na igreja fosse, em casa, um marido e pai violento. Tanto é que ela sentia pavor de um dia se casar com um homem como ele. A mãe era carinhosa com ela, mas mantinha com a filha mais velha um vínculo mais estreito. Tratava-se de uma família aparentemente irretocável.
Aos doze anos, ela teve seu primeiro envolvimento com uma menina e sustentou o segredo da vida dupla o máximo que pode — afinal, havia aprendido na igreja que esse tipo de coisa era “o demônio” dentro dela. Aos treze, a informação sobre elas vazou. Os pais dela se calaram, fingindo que nada estava acontecendo, e ela foi excluída da igreja. O pastor disse que aquilo vinha do inferno e que ela precisaria de libertação. Dos treze aos trinta, procurou várias igrejas que pudessem libertá-la. Tudo o que diziam para fazer, ela fazia: orações, jejuns e campanhas.
Enquanto isso, a solidão só aumentava, assim como o cansaço diante de todo esse processo infrutífero. Afastou-se de Deus, mas sentia saudade dele. Em suas palavras: “Na verdade, eu sempre quis viver ao lado de Jesus, mas não era compatível viver a homossexualidade e caminhar com Jesus. Nunca foi, dentro da minha cabeça. Então, tentei algumas igrejas inclusivas, cheguei a ir a alguns cultos, só que não fazia muito sentido para mim”.
Não suportando a falta de Deus, reconciliou-se com ele e recomeçou a caminhada em outra igreja. Porém, depois de algum tempo, um líder expôs sua vida em um grupo, e a ferida com a igreja foi reaberta. Dessa vez, a dor e a decepção foram tão profundas que ela desistiu de tudo o que dizia respeito a Deus. Sua vida seguiu como um barco à deriva no mar do ressentimento.
Ouviu seu coração e acabou conhecendo uma mulher com quem assumiu um relacionamento. Viviam bem, mas a namorada via que ela não conseguia se entregar totalmente. Foi quando ela falou que faltava Jesus. Então, evangelizou a namorada, e o inesperado aconteceu: a namorada se converteu a Cristo. O encontro com Jesus foi tão intenso que a moça não conseguia mais manter o namoro. “Fiquei com ódio de Deus porque o apresentei a ela, e ele a tirou de mim. Mais que isso: não só a tirou de mim, como também deu para ela tudo o que sempre sonhei para mim: uma família. O termômetro da raiva por Deus bateu o limite!”. A ex-namorada não só se encontrou em Cristo, como também com um rapaz, com quem começou um relacionamento sério. Casaram-se e agora fica mais nítido o motivo pelo qual, definitivamente, Deus não era bom para ela: enquanto ela chegava para fazer a escola conosco, a ex estava a bordo de um avião, a caminho de sua lua de mel, em algum lugar paradisíaco.
Ao final da história, a turma já estava tomada por um misto de emoções. Pudemos entender a dor implacável no coração dela. Notei traços de sentimentos de abandono, indignação, ira, saudade, inveja, mágoa, decepção e por aí vai. Pedi a palavra, e a única coisa que me ocorreu dizer foi: “De fato, se a vida for sobre olhar nossa própria história, terei de concordar com você: Deus não é bom. Porém, a história não é sobre nós; a história é sobre ele. Antes de existirmos, Deus já era Deus. Foi ele quem deu início à história, e a história de Deus é uma história de amor e bondade por toda a realidade. Posso te contar?”. Ela consentiu e, assim, demos início às quatro partes do “mapa de Deus”, ou da cosmovisão bíblica: Criação, Queda, Redenção e Consumação.
Tenho aprendido que a vida dupla é sustentada por um, dois ou vários falsos argumentos sobre Deus — e são justamente esses argumentos que mantêm acesa a chama dos pecados, inclusive os de ordem sexual. Por essa razão, não acredito que o problema central da vida dupla esteja sediado na região da cintura para baixo. Não! O que acontece da cintura para baixo é, na verdade, uma denúncia do que acontece da cintura para cima — no coração. Porém, para compreender essa dinâmica, é preciso recorrer à visão bíblica, e não à visão mundana, de coração. Para o mundo, o coração é sinônimo de emoções. Mas não! O coração é mais do que isso: é o endereço das emoções — e muito mais! O texto de Provérbios 4.23 diz: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida”.
É no coração que os compromissos fundamentais que norteiam a vida de alguém são firmados. O texto de Provérbios 27.19 declara: “Como na água o rosto corresponde ao rosto, assim, o coração do homem, ao homem”. Então, se quisermos entender por que alguém faz o que faz ou vive do jeito que vive, é necessário ir além dos eixos afetivos e sensoriais para o que é central: quem essa pessoa adora. Se o compromisso maior da vida de alguém não for com Cristo, o nome disso é idolatria. Podemos ser convertidos a Cristo e selados pelo Espírito Santo, mas todos nós, sem exceção, viemos do pós-Queda e herdamos um coração completamente corrompido quanto ao amor a Deus. Em Jeremias 17.9, lemos:
“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?”.
Deus — e somente Deus — é capaz de compreender os desafios que nosso coração enfrenta. Mais do que isso: apenas ele é capaz de resolver o verdadeiro problema do coração humano. Entenda: nosso coração não precisa apenas “de uma melhorada” aqui ou ali. Ele precisa ser substituído — e só Cristo é capaz de nos dar um coração novo (Ez 36.26). Para isso, a dívida que contraímos com Deus precisou ser paga, e Jesus a pagou para nos conceder livre acesso ao Pai (Ef 2.18). Por isso, podemos nos achegar com confiança ao trono da graça e encontrar favor diante de Deus (Hb 4.16). Jesus conquistou para nós o que não imaginávamos ser possível: ele nos devolveu o paraíso — a honra sublime de nos deleitarmos na comunhão do Pai, do Filho e do Espírito (Jo 14.2)!
Agora pergunto a você: o que é a proposta de gozo oferecida pela vida dupla diante da glória eterna de desfrutar o deleite da Trindade? A fé cristã não visa negar, reprimir ou reparar a sexualidade. A fé cristã veio redimir a sexualidade! Quando essa verdade passa a moldar nosso coração, o resultado se alinha ao que a aluna ex-ressentida com Deus concluiu: “Na verdade, eu não tinha o conhecimento da cosmovisão ou do plano de Deus para minha vida. Quando compreendi toda a parte da redenção, da estrutura e da direção, isso me fez começar a olhar de forma diferente para tudo. Então, meu olhar para Deus começou a mudar. Sou muito grata a Deus por tudo, porque, ao relembrar essa história, é incrível ver o quanto ele já fez ao longo desses anos”.
Em resumo nas palavras dela: “Deus é bom, em todo tempo!”. Amém.

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Vida Dupla: descendo aos porões da intimidade sexual, de Andréia Vargas, Editora Fiel (em breve).