sábado, 14 de dezembro
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Como podemos motivar o cuidado mútuo?

Uma igreja ideal é aquela que cuida dos seus. Uma igreja ideal é aquela onde há pregação bíblica e governo escriturístico, onde são observadas as ordenanças do batismo e da ceia do Senhor e onde há evidências de vida espiritual. Tal vida pode ser percebida pelo culto espiritual, pela santidade dos membros, pelo amor fraterno, pelo evangelismo e pelas boas obras.

Em igrejas grandes, dificilmente os líderes conseguem manter um cuidado contínuo e amoroso por todos os necessitados, entre os membros e os congregados.

Requer-se cuidado pastoral para os que passam por stress, para os debilitados, os idosos, os solteiros, os viúvos e os deprimidos, sem mencionar o cuidado especial de manter os missionários no campo. Há, ainda, a necessidade de prover sustento e apoio a pastores que estão, eles mesmos, expostos a intensas pressões.

Meu propósito é estimular o desejo pelo cuidado mútuo, conforme Paulo nos exorta: “Sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor” (Gl 5.13). Jesus declarou que, se quisermos nos tornar grandes em seu reino, o caminho para essa grandeza é tomarmos a posição mais humilde de servos. Ser grande, espiritualmente falando, significa servir aos outros com humildade. O próprio Jesus desceu do mais elevado reino de glória, para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10.43-45). Ele nos deu um exemplo de serviço humilde ao lavar os pés dos seus discípulos (Jo 13.4-5). Todos os membros da Igreja de Cristo, de uma forma ou de outra, prestam serviços. A expressão “serviço diaconal” é usada tanto em sentido geral e amplo (Ef 4.12, Rm 16. 1) como também em um sentido mais específico, para descrever os que são oficialmente reconhecidos para organizar e administrar os interesses da igreja (At 6.2-3; 1 Tm 3.13).

Efésios 4.11-12 declara que Cristo concedeu pastores e mestres, a fim de prepararem o povo de Deus “para o desempenho do seu serviço”.

O texto pode ser assim traduzido: “Para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra de servir”. Hendriksen refere-se à declaração de Lenski como sendo de grande ajuda para explicar esses versículos, ou seja, que “aos pastores e mestres é dada a incumbência de prover o equipa-mento necessário a todos os santos, para a obra de ministrar uns aos outros, de forma a edificar o corpo de Cristo”.

Não é o suficiente pregar corretamente do púlpito. O ensino deve ser aplicado ao nível pessoal (CI 1.28). É preciso haver incentivo, de público e em particular, para estimularmos a prática do cuidado mútuo na igreja. A hospitalidade é uma das maneiras de se manifestar o cuidado mútuo. Devemos lembrar que a hospitalidade é uma qualificação necessária à liderança (Tt 1.8).

De que forma o cuidado mútuo pode ser incentivado? A resposta é que tanto as doutrinas da graça quanto a doutrina da igreja deveriam estimular o cuidado mútuo.

As Doutrinas da Graça

Por doutrinas da graça refiro-me às verdades bíblicas que demonstram o fato de sermos salvos somente pela graça. Devemos também notar que a graça pela qual somos salvos é imensurável em suas proporções.

Abordarei quatro doutrinas da graça, conforme estão expressas na carta aos Efésios: eleição, regeneração, adoção e esperança.

1. Eleição — Em algumas igrejas, raras vezes, ou nunca, se ouve acerca da doutrina da eleição. Paulo, ao invés de ocultar essa verdade, inicia sua carta aos Efésios referindo-se a essa doutrina: “Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e ir- repreensíveis perante ele” (Ef 1.4). O ensino é prático: a finalidade da eleição é a santidade. O efeito da eleição sobre os tessalonicenses foi torná-los ousados no evangelismo. Através deles o evangelho repercutiu por toda parte (1 Ts 1.4-8).

A doutrina da eleição é maravilhosa. Sou salvo, exclusivamente, por causa da iniciativa e do chamamento da parte de Deus. Por trás da eleição está o amor do Pai. Minha resposta a este amor é amar o seu povo. Deus provou o seu amor por meio de uma ação: a ação de dar o seu Filho. Àqueles que têm sido tão amados (agapetoi) o apóstolo João diz: “Se Deus de tal maneira nos amou, devemos nós também amar uns aos outros” (1 Jo 4.11). O amor é demonstrado por atos, não somente por palavras (Tg 2.14-19). O cuidado mútuo é o modo pelo qual demonstramos nossa gratidão pela eleição da parte de Deus.

2. Regeneração — Efésios 2.1-10 nos fornece uma poderosa descrição da soberana graça de Deus. Não há vida em um cadáver. Você pode dispor 1.000 trombeteiros diante de um túmulo, para que toquem suas trombetas; mas isso não ressuscitará o morto. Espiritualmente falando, estamos mortos no pecado. Exigia-se uma obra de criação sobrenatural, uma ressurreição espiritual, para nos dar a vida espiritual, por meio de um novo nascimento (Jo 5.24; Hb 8.10, Ap 20.5). Como podemos demonstrar nossa gratidão por uma graça tão imensa quanto esta, que nos livrou da morte espiritual e eterna? Se compreendermos a graça maravilhosa envolvida na obra da regeneração, certamente corresponderemos, entregando-nos a Deus em serviço voluntário (Rm 12.1-2).

3. Adoção — Paulo escreveu: “[Deus] nos predestinou para ele, para a adoção de filhos” (Ef 1.5). Pela graça somos feitos “herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8.17). “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus” (1 Jo 3.1). O amor pelos outros membros da mesma família, o que em termos práticos significa ter cuidado mútuo, é a explicação óbvia e direta dessa verdade. Simplesmente não faz sentido as igrejas se declararem re- formadas, se na prática diária há pouca evidência das doutrinas da graça. Existe possibilidade de alguém possuir um entendimento técnico e frio da doutrina, sem qualquer experiência interior quanto ao seu poder.

4. Esperança — A esperança faz parte da doutrina da graça, pois objetiva a realização final de nossa herança completa que é a dádiva de Deus para nós. Paulo orou para que os crentes efésios conhecessem “a esperança do seu chamamento” e “a riqueza da glória da sua herança nos santos” (Ef 1.18); herança essa que, Pedro afirmou ser “incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus” para nós (1 Pe 1.4). Nossa fé e nosso amor são fortalecidos pelo conhecimento dessa esperança (Cl 1.5; Tt 1.2). Nossa esperança contempla o fato de que Deus nos mostrará “a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus” (Ef 2.7). Se todos compartilhamos desta esperança (Ef 4.4), que envolve nossa herança com glória inexprimível, segue-se que, agora, neste mundo, devemos ser zelosos em cuidar dos nossos irmãos e irmãs. Visto que o nosso patrimônio será tão vasto no mundo futuro, não nos causará danos compartilhar nossos bens no mundo presente.

A Doutrina da Igreja

A natureza da igreja, como corpo de Cristo, também ressalta a necessidade de cuidado mútuo. Efésios 4.15 e 16 sintetiza bem este ensino, que passo a expor em quatro tópicos:

1 . Cada membro do corpo deriva sua vida da cabeça. “Cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15). Colossenses 2.19 expressa o assunto de maneira um pouco diferente, quando diz que todo o corpo cresce, estando ligado e suprido pela cabeça (Cristo). John Owen comentou: “Este é o fundamento de toda a unidade evangélica entre os crentes”. Em sua obra acerca da unidade das igrejas, Owen aponta o fato de que todas as igrejas evangélicas, no mundo todo, são realmente uma só, sendo todas unidas, pois todas procedem da mesma cabeça. Todos os crentes, sem exceção, derivam sua vida presente da mesma cabeça, Cristo. As implicações práticas dessa verdade são enormes. A unidade e o amor cristão não se estendem a uma igreja apenas, mas a todas as genuínas igrejas evangélicas, igualmente. Segue-se, então, que não podemos dizer a um membro necessitado de outra igreja, que clama por socorro: “Vai-te embora! Cuidamos apenas dos nossos!” A Igreja de Cristo é uma só igreja (Ef 4.4-6).

2. Cada membro é vital para o corpo. “De quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxilio de toda a junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Ef 4.16). A analogia do corpo humano é usada, neste verso, da mesma forma que em Romanos 12.4-5 e, mais detalhadamente, em 1 Coríntios 12. 12-26. Jamais devemos pensar que a igreja local a que pertencemos seria melhor sem os seus membros mais fracos. Paulo declarou: “Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários” (1 Co 12.22). Cada parte é preciosa. Paulo criou a sua própria palavra (sunarmologoumenon) que é traduzida por “bem ajustado” e usou esse mesmo termo em sua analogia ou ilustração sobre o edifício (Ef 2.21). Todas as pedras vivas estão bem ajustadas; se faltar uma só pedra, então o edifício será imperfeito, assim como o corpo humano é imperfeito, se lhe falta um olho, uma orelha ou um dedo.

Em termos realistas, este ensinamento a respeito da igreja reforça a absoluta necessidade do cuidado mútuo, no corpo. Através da graça comum, todos sabem a diferença entre o cuidado e a falta de cuidado. Uma enfermeira do Quênia foi trabalhar em um hospital de Londres, a fim de ganhar experiência na área de cuidado geriátrico. Após seis meses, ela não pôde mais tolerar o pobre tratamento ministrado aos idosos. Retornou ao Quênia dizendo que o tratamento oferecido aos idosos na sociedade ocidental era bárbaro, em comparação com o de sua cultura.

3. Cada membro precisa crescer em amor. “Todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta,… efetua o seu próprio aumento… em amor” (Ef 4.16). Cada membro deve crescer em amor pelos outros membros. Você ama seus irmãos cristãos mais hoje do que há um ano atrás? O céu é um reino de amor. O amor perfeito prevalecerá naquele novo mundo. O inferno é um mundo de ódio. Jesus nos deu o novo mandamento para enfatizar a necessidade de amor (Jo 13.34-35). Requer-se de cada membro do corpo que cresça em amor pelos outros membros.

Há algum cristão verdadeiro a quem você odeia? Um irmão crente pode ser provocador e, até mesmo, irritante; contudo, não devemos falhar em nosso amor para com ele. Um amigo cristão pode ser surpreendido em um pecado. A restauração deve, então, ser aplicada com brandura (Gl 6)

1). Pedro negou o Senhor, mas foi restaurado à comunhão. Pode acontecer que um líder cometa um pecado escandaloso, que o privará de seu ministério, mesmo que se arrependa. Se ocorrer isto, não deveremos ignorar aquele irmão, pois carecerá do amor e do consolo da comunidade cristã, mais do que nunca.

A advertência é clara. Você pode considerar-se um cristão, porém, se odeia o irmão, está em trevas (1 Jo 2.11). Se você odeia seu irmão, isto significa que não tem a vida eterna em si (1 Jo 3. 15). Se odeia seu irmão, não finja para si mesmo que ama a Deus, porque não é verdade. Está enganando a si mesmo. Você é mentiroso, se afirma que ama a Deus e, apesar disso, odeia seu irmão (1 Jo 4.20). Além do mais, esta não é uma questão de palavras, e sim de atos. É hipocrisia lisonjear seu irmão e depois feri-lo pelas costas.

Você poderá dizer que apenas falei sobre o lado negativo da questão. Pois bem! Sejamos positivos! Você ama seus irmãos? Se é assim, você está preparado para dar sua vida por eles? (1 Jo 3.16). Pense no irmão que você menos ama e gosta. Está preparado para dar sua vida por ele? Esse pensamento parece irreal. Não será isto uma hipérbole, usada para nos incitar a sacrificar nossas vidas em serviço de outros? Não teria isto o propósito de nos desafiar quanto ao darmos de nós mesmos em favor de outros? Você é fiel nesses assuntos tão básicos? Se amarmos nossos irmãos e irmãs, então seremos práticos em dar de nós mesmos e não seremos seletivos, ou seja, não diremos que estamos dispostos a ajudar somente os necessitados dos quais gostamos e que não socorremos aqueles que não apreciamos (1 Jo 3.17; Tg 2.1-4, 14-19).

4. Cada membro tem boas obras a realizar. “Segundo a justa cooperação de cada parte” (Ef 4.16). Esse texto pode ser traduzido literalmente por “segundo a operação na medida de cada uma parte”. O Espírito Santo energiza cada membro, conforme disse Paulo: “Todos nós fomos batizados em um corpo… E a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (ebaptisthemen kai epotisthemen, 1 Co 12.13). Paulo afirmou: “Nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros” (Rm 12.5). A aplicação é que certa medida de graça foi dada a cada membro, e todos têm diferentes dons, com os quais servem ao corpo (Ef 4.7).

A tarefa dos pastores e mestres é encorajar cada um dos membros ao cuidado mútuo (Gl 5. 13); é também reconhecer e estimular a prática de dons espirituais individualmente, para o benefício de todo o corpo. Nisto se inclui o serviço mais insignificante. Estamos espiritualmente motivados de tal modo que nos alegramos em tomar uma bacia, água e toalha, e lavar os pés uns dos outros? Não estou sugerindo que façamos isto literalmente, mas que, em termos de serviço, estejamos prontos a realizar as mais humildes tarefas.

Quando forem atendidas nossas orações por um derramamento do Espírito Santo, o amoroso cuidado mútuo abundará em nossas igrejas. A Palavra pregada será poderosa. E todos os necessitados serão incluídos no envolvimento do amor, do cuidado mútuo e da unidade, para a glória do nosso grande Redentor, o Cordeiro de Deus.


Autor: Erroll Hulse

É editor da Revista Reformation Today. Conferencista internacional. Em 2001, pregou nas Filipinas, Burma, Singapura, Malásia e África do Sul. Promove conferências para famílias, pequenas igrejas e grandes conferências internacionais para líderes. É responsável pela Conferência Carey para pastores, que em janeiro desde ano reuniu 150 participantes de 22 países. É autor de vários livros, dentre os quais citamos: O Batismo do Espírito Santo, editado pela Editora Fiel, Quem são os Puritanos, A vida de Adoniram Judson e O Grande Convite. É membro do Comitê da Conferência de Westminster, onde apresentou vários artigos teológicos. Foi preletor da Conferência Fiel no Brasil, em 1993.

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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