terça-feira, 13 de maio
Home / Artigos / Conhecimento impossível

Conhecimento impossível

Nos filmes “Matrix“, na porta da “Oracle” há uma placa com a frase grega, numa versão em latim: “Conhece-te a ti mesmo”. Pausânias, pesquisador e viajante do segundo século, registrou que a frase estava escrita no oráculo de Delfos no Templo de Apolo. A autoria dela é incerta e tem sido atribuída a diversos pensadores da antiguidade, incluindo Sócrates, Tales e Pitágoras. A origem é incerta, mas o desafio desse pensamento, muitas vezes agonizante, não é. Uma das mais profundas lutas do ser humano é conhecer a si mesmo. Bonhoeffer, o pastor e teólogo que foi preso e morto por ordem de Hitler, escreveu na prisão um poema inquietante: “Quem Sou Eu?”.

A modernidade, movida pela idade da razão dos séculos passados, cria que a razão humana era suficiente para conhecer tudo e que atingiria o conhecimento absoluto e universal. Vivemos dias quando essa confiança na razão se enfraqueceu, se não de todo, desapareceu. Sabe-se que a razão humana tem uma visão sempre limitada e parcial. Alguém já disse que todos conhecem a partir de algum lugar. O conhecimento humano é definido pelo ângulo da posição finita do observador ou conhecedor. É um conhecimento parcial, se não tendencioso.

Se isso é verdade com relação ao conhecimento externo, não é menos verdade quanto à interioridade ou a conhecer-se a si mesmo. Mas, se o individuo não é suficiente em si mesmo para conhecer a ele próprio, então ele necessita recorrer a alguém além dele. Ele necessita, porque ninguém é um ser íntegro e significativo enquanto não conhecer a si mesmo. Por isso, muitos recorrem a outro ser humano, como a algum conselheiro das ciências humanas, ansiando conhecer a si mesmo. Mas isso apenas leva o problema para um passo a frente. Sendo o conhecimento humano parcial e limitado, assim também é o conhecimento do conselheiro. É inevitável conectar essa busca de aconselhamento com a indagação de Cristo: “Pode um cego guiar outro cego?” (Lucas 6.39). Séculos antes de Cristo, o salmista já lidou com essa questão, porém, de um modo totalmente diferente. Ele clamou: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece minhas inquietações” (Salmo 139.23). Diante da insuficiência do conhecimento humano, sobra apenas Deus para responder a ansiedade do autoconhecimento. O ser humano conhece parcialmente a partir de um lugar, mas Deus conhece a partir de todos os lugares. E é preciso haver esse conhecimento absoluto e divino, ou o ser, existência e realidade ficam desprovidos de qualquer nexo e significado. O vazio, inquietação e agonia que isso causa é nitidamente revelado no destroçar das pessoas na atualidade.

Reconhecendo a limitação encontrada em si mesmo, o salmista vai se abrigar no conhecimento de Deus – “…conhece o meu coração”. Ele quer o conhecimento de Deus, especialmente sobre si mesmo. Porém, o termo conhecer, aqui usado, precisa ser entendido. Não se trata apenas de informação. Esse termo é usado nas Escrituras Sagradas para o conhecimento relacional e formativo. Um relacionamento de amor. A preocupação do salmista não é um mero coletar de informação. E nem é transferência de informação de Deus para ele. Isso seria impossível. O que o salmista quer é que Deus o conheça. Se ele fosse conhecido por Deus, a vida dele faria todo sentido e cada passo dele seria discernido e esclarecido a partir de Deus. Se ele fosse conhecido de Deus, então haveria uma luz além de si mesmo para seus temores, fracassos, preconceitos e vazio. O fato de ser conhecido por Deus não é apenas conhecimento pleno, mas é conhecimento que dá significado e forma à existência. Assim o salmista concluiu o salmo: “guia-me pelo caminho eterno”.

Deus abriu esse conhecimento a todos a partir da cruz de Cristo. No encontro com a verdade da cruz, somos conhecidos por Deus e reconhecemos nossa necessidade de depender do conhecimento e direção de Deus. E nesse conhecimento, nossos fracassos e erros são tratados e alcançamos um sentido eterno. Na cruz, pela nossa punição colocada em Cristo, Deus revela quem somos diante dele, mas também nos recebe em perdão eterno. E então, relacionados com Ele, mesmo enquanto limitados, descansamos no fato de que somos dele, formados e dirigidos por Ele – o soberano e eterno. Em Cristo, Deus nos conhece no seu conhecimento pleno, mas em amor e graça.

Bonhoeffer, o pastor morto na prisão de Hitler, assim concluiu seu poema: “Quem sou eu? Este ou outro? Sou uma pessoa hoje e outra amanhã?… Ou há alguma coisa ainda em mim, como um exército derrotado, fugindo em debandada da vitória já alcançada? Quem sou eu?… Seja quem for eu, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!”.


Autor: Jesse Campos

Ministério: Ministério Fiel

Ministério Fiel
Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

Veja Também

A mullher e sua união com Cristo

Nesta palestra, Mary Cassian instruiu as mulheres sobre o valor e o poder de nossa união com Cristo, ressaltando que se as mulheres vivessem sob uma consciência plena de sua união com Cristo, viveriam mais unidas, bem como seus casamentos seriam mais saudáveis e a cooperação entre homens e mulheres no Reino de Deus faria com que ele avançasse grandemente.