A humanidade de Cristo
A concepção de Jesus Cristo foi algo singular. Sem ter tido um pai humano, ele foi concebido no ventre de uma virgem, pelo poder do Espírito Santo. Até onde o filho de Maria era igual aos outros filhos de pais humanos e quanto era diferente deles, não podemos saber com certeza, apenas com base nas circunstâncias de sua concepção. O poder divino que formou o homem do pó da terra poderia formar um homem no ventre de uma virgem. Mas, se essa extraordinária produção seria um homem ou um ser de alguma outra ordem, dependia inteiramente da vontade de Deus. Para o conhecimento do que Jesus Cristo era, dependemos totalmente do testemunho das Sagradas Escrituras.
O testemunho da Palavra inspirada é bem explícito nesse ponto. Independentemente do que mais Cristo possa ter sido, certamente ele foi um homem, porque inúmeras passagens bíblicas assim o declaram: “Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós” (At 2.22). “Um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5).
Jesus Cristo tinha um corpo humano. Seu corpo não era uma forma de humanidade disfarçada; pois, mesmo depois de sua ressurreição, ele disse aos seus discípulos: “apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.39). Um autêntico corpo humano suportou o peso da cruz e foi nela encravado. Um corpo verdadeiro foi traspassado pela lança; a água e o sangue vertidos eram reais. O corpo que recebeu aromas e especiarias no sepulcro e que também ressuscitou dentre os mortos era real. Era um corpo humano. Era sustentado por alimentos e estava sujeito a fome e cansaço, necessitava do sono como qualquer corpo humano necessita.
Jesus Cristo tinha uma alma humana. Se a natureza divina tivesse vindo residir em seu corpo, como se este fosse apenas um tabernáculo de carne, suprindo o lugar de uma alma humana, não se poderia, então, dizer: “crescia Jesus em sabedoria” (Lc 2.52). A simples estrutura material não podia ter sabedoria, e a sabedoria divina não é passível de crescimento. Tampouco era algum espírito criado, com uma natureza angélica ou superangélica animando seu corpo. Jesus foi feito em todas as coisas semelhante a seus irmãos (Hb 2.17) e não poderia ser um irmão nem membro de família, feito à mesma semelhança, se o espírito que habitava sua carne humana não fosse humano. Sem isso, ele não teria sido um homem. Se não tivesse uma alma, não poderia ter dito: “A minha alma está profundamente triste” (Mc 14.34). Além disso, a seu respeito não se poderia escrever: “quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado” (Is 53.10). Se a sua alma não tivesse sido humana, não teria sido apropriada para o sacrifício pelo pecado dos homens. Cristo não assumiu a natureza dos anjos, mas a descendência de Abraão (Hb 2.16). Ele tinha de ser feito semelhante àqueles que veio substituir diante da lei, em favor dos quais ofereceu-se como holocausto.
A alma de Cristo era diferente da alma de todos os outros homens, por não trazer a mácula do pecado. A menção dessa exceção prova, em termos ainda mais contundentes, as semelhanças quanto a outros aspectos. “Foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15). Se a natureza divina tivesse servido como alma, tal declaração teria sido desnecessária e imprópria. Jesus podia ser um homem sem depravação, pois assim foi Adão antes da Queda. Na comparação entre Cristo e Adão como cabeças, Adão é chamado de o primeiro homem, ao passo que Cristo é chamado de o segundo homem (1Co 15.47). A humanidade do segundo homem era tão real quanto a do primeiro.
Na realização de milagres, Deus tem demonstrado ser capaz de suspender as leis da natureza. Ele poderia ter suspendido aquela pela qual pais depravados geram filhos depravados. Se assim Deus o quisesse, Jesus poderia ter tido tanto um pai quanto uma mãe humanos, sem, contudo, conhecer pecado, porque para Deus tudo é possível. Entretanto, não foi da vontade de Deus que Jesus nascesse desse modo; a razão de ter sido concebido pelo poder do Espírito Santo é dada nas palavras do anjo à virgem sua mãe: “por isso também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1.35). A geração ordinária teria feito de Jesus Cristo o Filho do Homem; mas a sua geração foi extraordinária, porque ele era também o Filho de Deus. A concepção pelo Espírito Santo não produziu uma natureza intermediária entre a divina e a humana, como os semideuses dos pagãos supostamente possuíam. Nesse caso, Cristo, como o Filho de Deus, teria sido Filho do Espírito Santo, e não do Pai. Antes, o Espírito Santo foi o agente na preparação do corpo pelo qual o sacrifício pelos nossos pecados devia ser feito, e tal era a união entre esse corpo e a divindade, que o nome “Filho de Deus” pertencia à inteira pessoa de Jesus, assim constituída.
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O trecho acima foi extraído com permissão do livro Manual de Teologia, de Dagg, Box Dagg, Editora Fiel (em breve).