quinta-feira, 19 de dezembro
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Deus é santo como Pai, Filho e Espírito

Todos os atributos de Deus são idênticos à essência de Deus; mas sua essência é seu ser e agir como Pai, Filho e Espírito Santo. Deus é santo em seu ser e atividade triúnos. Assim, quando falamos da santidade de Deus de acordo com a confissão cristã, o Deus de quem falamos é esse Deus; e o que é requerido que a teologia diga sobre a santidade é determinado em cada ponto pelo fato de que é confessado a respeito desse Deus.

Desde o início, isso significa que uma dogmática trinitária da santidade deve seguir um caminho bastante distinto, um caminho já marcado pela presença de Deus, mas ao qual só se pode aderir por meio de certa medida de determinação, assim como por meio de certa medida de entusiasmada liberdade das convenções dos campos vizinhos de atividade racional. A distinção pode ser ressaltada observando-se três demarcações particulares.

Em primeiro lugar, por mais desaprovadores que seus vizinhos pós-modernos possam ser, por mais completamente atávico que possa parecer, uma dogmática trinitária da santidade de Deus será um exercício de “ontoteologia”. Pois sua preocupação é – com temor e tremor – proporcionar uma representação conceitual da confissão da igreja sobre as obras e os caminhos da santíssima Trindade. E essa representação requer necessariamente uma ontologia – um relato do ser, da natureza e das propriedades de Deus. Esta ontologia deve ser decididamente dogmática, isto é, governada pelo anúncio do evangelho da história de Deus conosco; e deve, portanto, necessariamente estar envolvida em uma disputa com o teísmo metafísico sobre a natureza de Deus. Mas a dogmática não deve ser persuadida de que a teologia cristã pode sobreviver muito tempo ao abandono da ontoteologia, e deve pensar bastante antes de entregar a doutrina de Deus para desconstrução. Os efeitos inegavelmente corrosivos de certas tradições da metafísica são mais bem retardados, não pelo repúdio à ontologia, mas por sua articulação totalmente cristã.

Em segundo lugar, a distinção de uma dogmática trinitária da santidade de Deus será mostrada em sua falta de interesse em fazer uso da fenomenologia religiosa como fundamento para um ensino cristão positivo, ou em correlacionar suas descobertas com investigações em relação ao fenômeno – cultural, antropológico e religioso – do “sagrado”. O notável prestígio desfrutado pela obra Das Heilige de Rudolf Otto, durante grande parte do último século, é parcialmente explicável pela capacidade que seu projeto tem de acompanhar uma ampla gama de teólogos – de forma alguma meramente de tendências revisionistas – que encontraram no conceito de “o sagrado” uma base, ou correlato, ou paralelo para algumas das coisas que a teologia cristã tem a dizer sobre Deus. Paul Tillich escreveu:

Santidade é um fenômeno experimentado; está aberto à descrição fenomenológica. Portanto, é uma “porta” cognitiva muito importante para a compreensão da natureza da religião, pois é a base mais adequada que temos para compreender o divino. O sagrado e o divino devem ser entendidos correlativamente.

Muito pode ser dito a propósito de uma reflexão crítica sobre o projeto que Tillich anuncia: seu apelo a genéricos como “religião” e “o divino”; sua suposição intelectualista de que “compreender” o divino é superior à prática; e suas confusões fundacionalistas. Em termos dogmáticos, entretanto, a característica mais problemática é a desconexão da santidade com a presença e ação divina pessoal. A partir dessa perspectiva, a definição de santidade de Tillich, à qual se fez referência anteriormente – “a qualidade daquilo que preocupa o homem por fim” –, parece um relato curiosamente coxo do assunto, em que o pro me luterano se dissolve em uma modulação da individualidade humana, faltando referência à força e particularidade absoluta da presença autocomunicativa de Deus que a dogmática deve se esforçar para manter.

Em terceiro lugar, uma dogmática trinitária da santidade de Deus se encontrará distante de características importantes dos relatos dos atributos divinos oferecidos em alguns estilos dominantes da teologia filosófica analítica. O leitor de tal obra fica imediatamente impressionado com a ausência de envolvimento sério com a santidade divina nas apresentações dos atributos de Deus que são oferecidos ali, e a distinta preferência por dedicar a maior parte da atenção aos assim chamados atributos metafísicos, como onipotência ou onisciência.

As razões para essa negligência são variadas: uma estranha incapacidade de lidar com as positividades de determinadas crenças e práticas religiosas; uma correspondente preferência por representações altamente abstratas e simplificadas do conteúdo da crença cristã como versão da “religião natural”; uma relutância em permitir que a doutrina trinitária desempenhe qualquer papel fundamental na formulação de um relato do ser de Deus; a separação da discussão dos atributos de Deus e da consideração das obras de Deus na economia da salvação. Mas todas essas características são reforçadas pela maneira que a prioridade é frequentemente dada a questões referentes à essência de Deus acima das questões do caráter da existência de Deus. Um efeito imediato dessa priorização é que a metafísica como ciência do ser tem precedência sobre a exegese e a dogmática (que são simplesmente a reflexão doméstica da congregação eclesial), já que a metafísica, desde o início da modernidade, assumiu a responsabilidade pela tarefa de desenvolver uma descrição dos primeiros princípios. A teologia filosófica analítica moderna é, em muitos aspectos, uma continuação dessa divisão de trabalho, especialmente quando o projeto geral da teologia filosófica é concebido para ser o de dar “razões para a inteligibilidade racional do mundo e do ser humano no mundo na estrutura de uma concepção de Deus.

O uso do conceito de Deus desta forma – seu desenvolvimento na tarefa da explicação completa – molda seu conteúdo.

Duas consequências devem ser observadas. Primeiro, quando o conceito de Deus é moldado por provas da existência de Deus, as quais servem para subscrever uma explicação completa da realidade, então um peso considerável é atribuído aos comumente chamados atributos metafísicos de Deus:

A interpretação da realidade fornecida pelas provas teístas só é coerente se Deus puder ser visto como um ser com atributos específicos. Como fundamento universal de existência e explicação, Deus deve ser entendido como necessário, imutável, não causado, onipotente, eterno, onipresente, onisciente e, em todos os aspectos, perfeito.

A santidade tende a ser um acidente desse processo porque é aparentemente menos crucial para definir, em relação a Deus, que tipo de ser deve ser concebido existir caso ele seja o fundamento da existência do mundo. Em segundo lugar, esse uso do conceito de Deus restringe caracteristicamente a relação entre Deus e a criação a uma relação entre poder causal e produto; a linguagem de Deus como agente-em-relação pessoal dificilmente aparece. Mais uma vez, portanto, a santidade desaparece de vista, pois, como um atributo “relativo” ou “pessoal”, a santidade é menos importante para conceber um discurso acerca de Deus como o fundamento ontológico do mundo. Mas, como veremos, uma dogmática trinitária, com sua atenção voltada para o ser de Deus conforme exibido na obra de Deus na economia da Trindade, ficará desconfortável com a distinção entre atributos metafísicos e relativos e procurará assiduamente enraizar seu relato da santidade de Deus na confissão especificamente cristã de Deus como Pai, Filho e Espírito. Ela procurará evitar o erro da abstração, isto é, o erro de pensar que a doutrina da Trindade não faz diferença real. Para a confissão cristã, a doutrina da Trindade faz toda a diferença no mundo, pois essa doutrina está no centro do evangelho Cristão e, portanto, no centro da compreensão cristã da natureza de Deus e da maneira da relação de Deus para com o mundo. A doutrina da Trindade é a compreensão cristã sobre Deus; e assim a doutrina da Trindade molda e determina a totalidade de como pensamos sobre a natureza de Deus, incluindo como pensamos na santidade de Deus. Resumindo: Deus é santo como Pai, Filho e Espírito.

Artigo adaptado do livro Santidade, de John Webster, publicado pela Editora Fiel.


Autor: John Webster

John Webster foi um teólogo inglês que escreveu intensamente sobre os princípios materiais da teologia sistemática, histórica e moral. Nasceu em Mansfield, Inglaterra, em 20 de junho de 1955, foi educado na Bradford Grammar School e na Cambridge University. Na ocasião de sua morte, era o professor de Divindade no St. Mary’s College, University of St Andrews, Escócia. Entre os prestigiados postos que ocupou encontra-se também o Lady Margaret Professor of Divinity na University of Oxford.

Ministério: Editora Fiel

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A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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