quinta-feira, 12 de junho
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Do sonho romântico gay à realidade da Cruz

“Ainda sonho em encontrar um príncipe encantado”

Recentemente, presenciei o impacto que o testemunho de uma moça teve na vida de um rapaz. Ambos são cristãos. Ela, que sente atração por outras mulheres, ama Jesus mais que tudo e procura viver em pureza sexual. Ele, que sente atração por mulheres, também ama Jesus, mas continua se relacionando sexualmente com todas que puder. Quando ouviu o relato dela, foi profundamente confrontado pela disposição do coração dela em priorizar viver de um modo que agrada a Deus, acima de qualquer outro.

Essa é a hora em que nos perguntamos: privar-se é justo? Que mal há em buscar ser feliz? Basta não cometer crimes contra outras pessoas ou contra a criação em geral. Será que faz algum sentido levar a sério um livro tão antigo, escrito em outro contexto, por pessoas tão diferentes de nós? Já até me disseram que o conceito de santidade precisa estar submisso à cultura — caso contrário, as pessoas adoecem. Por fim, a máxima é: siga seu coração.

Tentarei chegar ao cerne desses questionamentos contando uma das histórias mais emblemáticas para mim. Trata-se de um rapaz que veio participar de nossa escola de sexualidade não apenas por ter vivido uma história de vida muito conturbada, mas também por estar convicto de seu chamado ao ministério. Era um aluno extremamente responsável, comunicativo e que interagia bem com todos.

À medida que o conteúdo ia avançando, ele se mostrava aberto, querendo aplicar as verdades de Deus em sua vida. No geral, era perceptível que se tratava de um rapaz com uma caminhada genuína com Deus e com grande fome pelas coisas do Alto. O curioso é que estamos falando a respeito de alguém com um histórico de vida marcado por muito sofrimento.

Em resumo, ele veio de uma família muito pobre e vivenciou privações de toda natureza. Para agravar suas dores, a violência sexual chegou à sua vida ainda na infância, por alguém da própria família. Era tanta necessidade financeira que enfrentavam que os pais o enviaram para uma cidade maior, a fim de morar em “casa de família”. Como os anfitriões eram crentes ricos, a expectativa no coração do rapaz era por dias melhores.

Entretanto, na casa nova, ele descobriu que seria a mão de obra barata que teria de dar conta das tarefas domésticas em troca de comida. Trabalhava o equivalente a muitos trabalhadores adultos. E, apesar de ainda ser uma criança, sua característica era fazer tudo com diligência — mesmo tendo como obrigação manter, sozinho, uma mansão em ordem. Se tudo corresse bem, conseguiria frequentar a escola — se isso não atrapalhasse o trabalho. Brincar? Nem pensar!

Esse padrão de violência — física, psicológica, sexual e patrimonial — o acompanhou tanto nessa como em outras casas nas quais trabalhou em condições análogas à escravidão. Afinal, quem acreditaria em um menino pobre, do interior, sem qualquer referência, opondo-se a pessoas poderosas e de “boa reputação”? Nem mesmo sua própria família poderia protegê-lo. Ou seja, ele estava como um barco à deriva em dias de temporal.

Uma das coisas que mais me enche de esperança é perceber que, quando imaginamos não haver saída, Deus vem e se torna o caminho, o escape, o Redentor. À medida que o tempo passava, o menino, miraculosamente, sobrevivia a tudo e crescia. Até que, um dia, conheceu Jesus e se rendeu a ele. Onde havia tristeza, veio a alegria em Deus. Onde havia ares de morte, chegou o perfume de Cristo. A vida nova chegou e, com ela, vieram amizades sinceras com gente crente de verdade. Assim, uma família marcada pelo amor de Deus o amou como a um filho e o acolheu de tal forma que, pela primeira vez, ele teve um quarto e pôde sentar-se à mesa. A escravidão começou a ser desbancada pela liberdade que Jesus conquistou.

Nesse período, fez amizade com uma moça da igreja e os dois se tornaram confidentes. Em dado momento, ele já havia notado que sua atração era por pessoas do mesmo sexo, mas não cogitava se envolver em nenhum relacionamento dessa natureza, pois se sentia desconfortável só de imaginar como seria. Tanto é que nunca chegou a ter qualquer envolvimento — e isso parecia estar bem definido em seu íntimo. Sua expectativa consistia em saber como poderia servir a Deus na obra dele.

Quando veio fazer a Escola de Sexualidade que coordeno na Missão Avalanche, era bonito ver a luz da Palavra chegando fundo ao coração dele. Ele era fortalecido a cada aula, e suas convicções em Deus se aprofundavam. Concluiu a Escola com êxito e permaneceu para a de Aconselhamento. Logo no início dessa última, quis ser aconselhado e, no primeiro encontro, apresentou com toda sinceridade o que o incomodava: “Sou cristão com convicção de salvação. Amo Jesus, meu Salvador; creio na sua Palavra; sou superenvolvido na igreja e tenho convicção do meu chamado. Nunca tive nenhuma experiência homossexual, nem pretendo ter. Mas preciso ser sincero: no meu coração, ainda sonho encontrar um príncipe encantado! Sonho encontrar um homem que me ame, me assuma, more comigo, pague minhas contas, durma e tome banho comigo. É isso! Não é o que acredito ser a vontade de Deus para mim, nem é minha escolha, mas tenho esse desejo. E não adianta fingir que não, porque Deus já sabe, e não quero ter segredo com ele”.

Pureza não é a ausência total de desejos, mas envolve decidir fazer com o desejo o que agrada a Deus — e o que agrada a ele é resultado da sua Palavra sendo aplicada em nossa vida pelo poder do seu Espírito. Pureza sexual envolve fazer um acordo com Deus sobre a condução daquilo que nos atrai, assim como Jó descreveu: “Fiz aliança com meus olhos; como, pois, os fixaria eu numa donzela?” (Jó 31.1). Por isso, quando ouço um aconselhado relatar que seu amor por Jesus é o que o move, sei que estou diante de um terreno fértil para frutificar para a glória de Deus.

Então, fui bater um papo com ele e perguntei como estava se sentindo após confidenciar o sonho que nutria. Ele respondeu: “Ah, Andréa, não adianta eu querer enganar ninguém. Sei o que quero. Quero Jesus, mas sinto esse desejo de encontrar um príncipe encantado que vai me amar, me assumir, me bancar e viver comigo para sempre”. Ouvi e devolvi com outra pergunta: “Você não o encontrou?”. Ele assustou e, rapidamente, respondeu, rindo de nervoso e tentando se explicar: “Não! Nunca fiquei com ninguém. Não é o que eu quero. Eu falei que só tenho esse desejo…”.

Então, perguntei de novo: “Você não o encontrou ainda?”. Quem estava por perto já se mostrava constrangido com minha aparente dificuldade em compreender que o rapaz não tivera nenhum contato físico nem emocional. Então, mais uma vez, o aconselhado respondeu da mesma maneira — só que, dessa vez, sem graça, devido à minha insistência na mesma pergunta. Para piorar o desconforto geral, perguntei mais uma vez: “Preste atenção! Você tem certeza de que não o encontrou?”. Quando ele se preparava para responder pela terceira vez que não, continuei: “Você não encontrou um príncipe que ame você, que o assuma, que se case com você, que pague suas contas, que more com você, que durma, tome banho e viva com você?”. Calei-me, esperando que o Espírito Santo penetrasse nas profundezas de seu coração por meio da santa Palavra de Deus. E então… aconteceu. Assisti à cena de um sorriso lindo brotar em um rosto e em um coração que, minutos antes, estavam fustigados pela ideia de que seu Redentor ainda estava por vir. Ele, sorrindo, olhou para mim e respondeu: “Eu já o encontrei, né?! Aliás, ele já veio e fez tudo isso por mim! É Jesus! E eu já o tenho! Então, nada mais me falta!”.

Histórias de vida — tristes ou não — costumam alojar mentiras sobre Deus em seus esconderijos. Qualquer mentira, por menor que seja, mesmo em um coração já selado pelo Espírito Santo, é capaz de mudar o rumo do nosso coração.

Ter pensamentos, emoções e vontades são capacidades que pertencem a Deus e que ele compartilhou com a humanidade. A Queda, no entanto, foi a mudança do compromisso fundamental do coração humano em relação a Deus. Como consequência, a intimidade com Deus foi rompida, dando início a uma guerra contra ele, a ponto de almejarmos substituí-lo por coisas criadas. Passamos, então, a nutrir uma percepção de que o mundo ideal será aquele que preencherá nosso vazio, conforme os padrões que nós mesmos estabelecemos.

Deus nos fez seres dotados de sensorialidade e afetividade, e isso é uma dádiva! Porém, não fazia parte do plano de Deus que vivêssemos para saciar nossos sentidos e afetos como se a satisfação deles atribuísse sentido à nossa existência. Não somos nós que estabelecemos quem somos, quanto valemos ou para que estamos aqui. Não é o que pensamos, sentimos ou desejamos que determina nossa identidade. Identidade é uma atribuição do Criador para cada um de nós. Deus decide quem somos — e o que ele decide é muito bom!

A partir do momento em que passamos a duvidar de que Deus é bom para nós, tornamo-nos suscetíveis a ideais de mundo em que fantasiamos com tudo aquilo que consideramos sublime e indispensável a qualquer paraíso que nos agrade. No final das contas, fomos criados para adorar a Deus e gerar novos adoradores para ele; mas, com o pecado, deixamos de vê-lo como digno do nosso amor maior e passamos a travar uma guerra — muitas vezes silenciosa — contra ele. O desdobramento dessa hostilidade é que, em vez de buscar em Deus o preenchimento do nosso vazio, corremos atrás de outros amores. É nesse momento que nosso coração passa a cobiçar, com expectativa messiânica, um príncipe feito de barro.

Felizmente, o que não imaginávamos ser possível aconteceu. O texto de Isaías 9.6 anuncia Cristo e vai muito além das nossas expectativas: “E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz”. Alcançados por Cristo, a adoração ao único que a merece é restaurada. Não há ídolo algum capaz de superar ou se equiparar ao que Jesus conquistou na cruz e na ressurreição. A fome por Deus, para a qual fomos criados, pode, em Cristo, ser novamente saciada. Adão e Eva abriram mão dessa saciedade, mas Jesus foi ao encontro deles — e também veio ao nosso —, a fim de nos comprar de volta para Deus.

A Queda, de fato, foi a maior tragédia de toda a realidade, e não podemos subestimar seu poder destrutivo. Em contrapartida, a redenção em Jesus foi muito superior e trouxe vida em abundância (Jo 10.10). Quando, pela graça de Deus, nosso coração se arrepende e renuncia às mentiras sobre Deus, as mentiras sobre nós mesmos começam a enfraquecer, e Deus avança com seu Reino em nossas vidas. Nessas condições, o que parecia impossível passa a ser possível: de inimigos, passamos a filhos de Deus; de escravos, somos feitos amigos de Deus; de idólatras, somos refeitos em templos do Espírito.

Na prática, em Cristo, é possível que um menino sofrido e carente de um príncipe seja encontrado pelo Rei dos reis, que o compra, sela, preenche e purifica. É possível que, já crescido e vivendo a vida que Deus planejou desde o princípio para ele, me escreva dizendo: “Fico feliz em saber que minha história vai poder contribuir na caminhada de outras pessoas. Às vezes, fico lembrando de tudo que vivi, e ver hoje onde estou… Sou grato a Deus. E sou feliz de verdade, completo de verdade. Deus é maravilhoso!”.

Amém!


Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Vida Dupla: descendo aos porões da intimidade sexual, de Andréia Vargas, Editora Fiel (em breve).


Autor: Andréa Vargas

Andréa Vargas é missionária, diretora da Missão Avalanche, conselheira bíblica e autora do livro O Coração Explícito do Sexo. Possui especialização em Estudos Bíblicos (Living Faith Bible College/Canadá), pós-graduação em Aconselhamento Cristão (SETEBES/ES) e em Terapia Familiar Sistêmica (ABPC/ES), e mestrado com foco em Aconselhamento (Andrew Jumper/SP).

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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