O trecho abaixo foi retirado do livro Mulheres Fiéis e seu Deus Maravilhoso, de Nöel Piper.
Helen também havia sido designada para começar um programa de treinamento para trabalhadores na área médica. Os primeiros alunos começaram a chegar para aprender enfermagem. Suas idades variavam de dezoito a vinte e quatro anos, e sua base educacional era o equivalente à do Ensino Fundamental. Entre os alunos da primeira classe estava John Mangadima, que passaria a ser um amigo e colega durante os anos que Helen passou no Congo.
Helen não foi treinada como professora ou enfermeira. Não havia um currículo pronto. Todo o ensino era em francês e em suaíli. Nenhuma dessas línguas era a língua nativa de Helen ou de qualquer dos alunos.
Deus me ensinou a ensinar conforme a necessidade que surgisse… Um paciente vinha ardendo em febre, então passávamos a uma palestra sobre como usar, ler e entender um termômetro… Um bebê era trazido com broncopneumonia, e eu demonstrava o uso do estetoscópio e como chegar a um diagnóstico. Um fluxo interminável de pacientes, com um ilimitado conjunto de sintomas abdominais, nos proporcionava material para descobrir o uso do microscópio e aprender a reconhecer todas as espécies possíveis de parasitas.
Servir de mentora aos alunos de enfermagem significava separar um tempo adicional para cada procedimento médico. Isso teve de se encaixar nos dias que já eram muito curtos.
O excesso de trabalho e a consequente impossibilidade de ter uma noite de folga, ou de sair no fim de semana, trouxe-me uma certa irritabilidade e falta de paciência que sempre me causavam uma considerável perda de sono. Eu sempre tive um temperamento impetuoso, mas que a maioria das vezes estava sob controle… desde a minha conversão a Cristo. Agora a palavra irada e furiosa escaparia novamente, antes que eu pudesse controlá-la, para minha vergonha. Pacientes que vinham até a janela da sala de jantar, enquanto estávamos fazendo a refeição do meio-dia recebiam uma palavra afiada de minha parte: “Vá ao dispensário, e não traga seus germes para a nossa casa” – e um olhar triste surgiu nos rostos dos missionários mais antigos, que tratavam cada visitante em sua casa com gentileza e respeito.
O evangelista Danga… me deu uma lição por causa desse comportamento anticristão. “Não desculpe a si mesma. Chame pecado de pecado e cólera de cólera. Então, encare o fato de que sua pele branca não faz de você alguém melhor do que nós. Você precisa da purificação de Deus e de seu perdão, de ser preenchida e habitada por Ele, dá mesma forma que nós precisamos. Se você pode nos mostrar apenas a Doutora Helen, é melhor voltar para casa: as pessoas precisam ver a Jesus.”
Após dezoito meses em Ibambi, a diretoria da missão a transferiu para Nebobongo, porque era necessário que ela tomasse a frente do trabalho médico lá. Então, os alunos de enfermagem e o programa de treinamento foram com Helen para Nebobongo, a onze quilômetros de Ibambi.
Ela permaneceu em Nebobongo por dez anos, supervisionando o leprosário e o orfanato. Ela fundou quarenta e oito postos de saúde rurais, nas imediações próximas, um centro de treinamento para a formação de paramédicos e um hospital com cem leitos e uma maternidade. O hospital e o centro de treinamento foram construídos literalmente do chão, e as únicas pessoas que puderam fazer isso foram Helen e sua colega europeia Florence Stebbing, juntamente com os alunos.
Aprendemos a fazer tijolos… aprendemos a lidar com a complexidade do forno de olaria… como utilizar o nível de bolha, e a mistura certa de cimento e areia para fazer o concreto… como serrar as vigas de um tronco… como medir e erguer essas vigas, para montar o telhado… e transportar as onduladas telhas de amianto…
Quando a tarefa parecia-lhes muito grande, Deus providenciava soluções inesperadas. Por exemplo, uma viga era pesada e perigosa para ser erguida pelos alunos e por Helen, novatos naquela função. Eles oraram por um construtor de telhados que fosse experiente. Naquele momento, uma missionária foi trazida para que ficasse de repouso até o final de sua gravidez de risco. Inesperadamente, Helen perguntou ao marido dela: “Você faz telhados?” Sim, ele fazia.
A construção não era o único desafio. Cada necessidade tinha suas próprias dificuldades.
Aprendemos mecânica de automóvel… em função da necessidade… Precisávamos de um veículo que funcionasse como ambulância… caminhão para a construção… e caminhonete para carregar comida… O único modo de fazer consertos era entrar debaixo ou dentro daquele carro junto com um colega africano e, em meio a tentativas e erros, trabalhar até que tivéssemos algum sucesso.
Aprendemos suaíli e francês e alguma noção de bangala e kibudu; e então assumimos a tarefa de expressar verdades médicas sem um jargão científico… Escrevemos nosso primeiro livro-texto em suaíli… Fizemos matrizes, e logo cem cópias foram reproduzidas em uma máquina duplicadora antiga, na qual as páginas eram friccionadas individualmente e colocadas para secar. Histórias desagradáveis poderiam ser contadas dos dias em que o vento entrava pelas venezianas e espalhava as páginas, numa avalanche desastrosa!
Escrever livros-texto deve ter sido um trabalho de tempo integral, assim como a construção do hospital e do centro de treinamento médico. E a demanda médica ia, em si mesma, além do tempo integral. Helen não podia esquecer que sentia o chamado para missão médica, mas os vários outros papéis continuavam a pressionar, competindo pela prioridade nas limitadas horas do dia.
Uma manhã, por exemplo, ela estava no forno da olaria, suas mãos ásperas e cortadas pelo trabalho, quando foi chamada para ir ao hospital fazer uma cirurgia de emergência.
Comecei a esfregar minhas mãos e os braços: minhas mãos doíam intensamente debaixo da escova. Estendi minhas mãos para que a enfermeira colocasse álcool antisséptico. Segurei minha respiração com força ao sentir a dor aguda. E comecei a murmurar em minha mente.
Por que Deus não chamou outro missionário… para ficar encarregado da construção… e assim eu poderia ficar livre para dar às pessoas o melhor tratamento médico do qual creio ser capaz?…
Na quarta-feira seguinte, contei tudo isto ao conselho da igreja e pedi que orassem, para que eu não ficasse ressentida. Um homem piedoso, depois de conduzir o grupo em oração, sorriu para mim e me repreendeu gentilmente.
“Doutora”, ele disse, “quando você é a médica, em seu uniforme branco, o estetoscópio ao redor de seu pescoço, falando francês, você está a quilômetros de distância de nós. Nós a tememos e lhe dizemos: “Sim, sim”, mesmo quase não ouvindo o que você disse. Mas quando você está na olaria conosco, e suas mãos estão ásperas como as nossas… quando você está nos mercados, falando e cometendo seus erros na linguagem, nós todos rimos com você: é aí que nós te amamos, confiamos em você e ouvimos o que você nos fala de Deus e de seus caminhos”.
Dentro de um ano a construção do hospital foi concluída. Agora não havia mais construção para tomar o tempo e a energia de Helen. Era isto que ela esperava, mas, infelizmente, ainda não estava satisfeita.
Minha reclamação foi invertida. O hospital estava pronto e funcionando, e a notícia estava se espalhando… E começou um fluxo de pacientes… Eu não tinha tempo para mais nada, a não ser para medicina, medicina, medicina… Não tinha como cessar… não havia folga. Eu esperava ser uma boa missionária, e poder… sentar ao lado de pessoas acamadas… para falar das boas-novas da salvação. Mas não havia tempo para nada, senão para a medicina…
Felizmente, outra vez, levei meu problema aos anciãos da igreja, pedindo suas orações. E novamente eles não só oraram e me consolaram, como também, graciosamente, me repreenderam. “Doutora, quantos pacientes vêm ao hospital diariamente?”…
“Cerca de duzentos, duzentos e cinqüenta”…
“Certamente eles vêm porque você está lá! Eles não viriam, se não houvesse médico lá. E o que estamos fazendo?… O dia todo, a cada dia, onde você vai, nós vamos… Doutora, você percebe que estamos tendo alegria… de levar cinco, dez, às vezes até mais de dez pessoas ao Senhor a cada semana? Se você não estivesse aqui eles não viriam!”…
Deus teve de me ensinar a estar disposta a ser parte de um time.
Também havia lições a serem aprendidas a respeito da oração. Algumas delas eram sobre algumas orações que pareciam impossíveis e que foram respondidas.
Uma mulher morreu ao dar à luz, deixando um recém-nascido prematuro e uma menina de dois anos. Não tínhamos incubadoras, porque não havia energia, e uma bolsa de água quente era a maneira de manter um bebê tão pequenino aquecido durante as noites de ventos frios. Mas nas regiões tropicais e úmidas, a borracha deteriora facilmente. Portanto, quando a última bolsa de água foi enchida para o bebê, ela rompeu. Uma enfermeira foi incumbida de segurar aquele bebê e mantê-lo aquecido com o próprio calor de seu corpo.
No dia seguinte, Helen encontrou-se com as crianças do orfanato, para o momento regular de oração. Ela lhes contou sobre o bebê que precisava ficar aquecido e sobre a irmãzinha, que chorava porque sua mãe tinha morrido. Helen registrou a oração de Ruth, com dez anos de idade, e sua própria resposta àquela oração “impossível”.
Deus, por favor… envie-nos uma bolsa de água quente. Não será bom amanhã, Deus, porque o bebê já estará morto, então, por favor, mande uma nessa tarde… E enquanto se encarrega disso, o Senhor, por favor, enviaria uma boneca para a menininha? Assim ela saberá que o Senhor realmente a ama”…
Poderia eu sinceramente dizer “Amém”? Eu apenas não acreditava que Deus faria isso… O único modo como Deus poderia responder a esta oração tão específica seria enviando-me um pacote da minha terra. Eu estava na África há quatro anos, e até aquele momento não tinha recebido nada de casa…
Quando cheguei em casa… lá, na varanda, estava um pacote de dez quilos… com selos do Reino Unido… Levei-o para o orfanato… Cerca de trinta ou quarenta pares de olhos focalizavam-se na grande caixa de papelão.
[Depois de tirar muitos itens], quando coloquei minha mão dentro da caixa novamente, senti a… Será que era? Agarrei e puxei para fora – sim, uma bolsa de borracha para água quente, novinha! Eu chorei…Ruth… correu em minha direção, gritando: “Se Deus enviou a bolsa, Ele deve ter mandado também a bonequinha!” Ao rebuscar até o fundo da caixa, ela puxou para fora a pequena boneca vestida com uma linda roupinha. Os olhos de Ruth brilharam! Ela nunca duvidara…
Aquele pacote tinha sido enviado cinco meses antes… em resposta à oração de fé daquela menina de dez anos, para que chegasse “naquela tarde”.
Algumas outras lições sobre a oração foram relacionadas a orações que pareciam não ser respondidas. Ao menos, não foram respondidas do modo como Helen desejou.
Helen fora treinada para ser médica, mas não para ser cirurgiã. Era uma coisa assustadora pensar em aprender a operar através da própria prática, quando a vida de alguém dependia de sua proficiência. Ela se recusou a fazer cirurgias até que foi confrontada pela realidade. Algumas pessoas morreriam sem a cirurgia, e se ela não a fizesse, quem faria? Durante todo o restante do tempo que passou no Congo, ela orou para que Deus tirasse aquele medo dela, mas este não foi o modo que Deus escolheu para manter sua mente alerta e sua mão firme.