segunda-feira, 23 de dezembro
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Igrejas devem ter espetáculos e peças teatrais?

À medida que segue a Cristo, a igreja tem o véu retirado, é transformada e, progressivamente, fica mais bela. E ela se torna um espetáculo para o mundo.

A igreja como um espetáculo

Os cristãos nas primeiras igrejas no Império Romano eram tratados como escória. A sociedade os odiava pelo simples fato de os cristãos resistirem à gigantesca indústria da idolatria pagã. A idolatria era a força motriz da indústria de espetáculos como um todo, espetáculos que se tornaram “as próprias coisas que os romanos viam como essenciais para a integração na sociedade”.[1] Resistir aos ídolos da Roma antiga era uma repreensão aberta a toda a cultura.[2]

Isso explica o ódio projetado contra os cristãos por Nero, “o mais extravagantemente teatral de todos os imperadores romanos”,[3] o qual explorava seus célebres espetáculos para aumentar seu capital político. Os cristãos nunca esquecerão um exemplo tirânico ocorrido após um incêndio de oito dias que assolou Roma no verão de 64.

O imperador estava tão instável mentalmente que os rumores em Roma sugeriam que o próprio Nero havia provocado o fogo. Para repudiar a acusação, Nero jogou a culpa nos cristãos, fazendo deles seu bode expiatório, e irrompeu sua vingança contra eles por todo o império. Nero sentenciou os “incendiários” cristãos a serem sacrificados aos deuses por meio do fogo (crematio) e queimados num espetáculo particular (um spectaculum, como era chamado) para iluminar o jardim de Nero à noite.[4]

Ainda hoje, os cristãos são feitos de espetáculo de três maneiras.

1) A igreja é um espetáculo de escárnio para este mundo

Nosso foco no outro mundo confunde este mundo. Nosso foco no Espetáculo de Cristo é uma repreensão aos homens mundanos. Como resultado, “algumas vezes” os cristãos “foram expostos a insultos e tribulações” (Hb 10.33, NVI). Expostos ao escárnio dos observadores, somos feitos um “espetáculo” pelos Neros do mundo.

Na realidade, os mártires abraçaram sua morte com menos drama. Os historiadores creem que os primeiros mártires cristãos a serem abatidos perante as multidões no Coliseu saudavam a morte de tal maneira que seus assassínios eram até mesmo monótonos em comparação com os deploráveis que imploravam por misericórdia — e não recebiam nenhuma —, ou, mais espetacularmente, os que lutavam com vigor e zelo para defender sua vida, em vão.[5]

A compostura cristã diante da morte significava que os mártires publicamente rejeitavam tanto o papel de vencedor quanto o de inimigo derrotado — destemidos em face da morte, eles ficaram de pé perante a plebe e subverteram toda a indústria do espetáculo em Roma.[6]

2) A igreja é um espetáculo divino da vitória de Deus sobre o mal

Comparada aos multimilionários espetáculos de computação gráfica de Hollywood, os espetáculos interiores da igreja parecem monótonos. Eles, porém, são belos e profundos. A cada semana, a igreja local reencena os mesmos atos — a pregação da Bíblia, a Mesa do Senhor, o batismo com água —, todos eles espetáculos pequenos, repetidos e baseados na fé (diferentes dos espetáculos do mundo, que são baseados na visão, inéditos e passageiros). Essas ordenanças da igreja têm a glória da influência cósmica.

Em Colossenses e Efésios, Paulo cuidadosamente mostra como o amor e a unidade da igreja local, guiados pelo evangelho, são um espetáculo da vitória de Cristo sobre os principados e potestades que buscam destruir a ordem criada por Deus. A igreja é o perpétuo movimento de resistência. E, de geração em geração, ela exibe um espetáculo da vitória de Deus sobre seus inimigos cósmicos, repetidamente golpeando tais inimigos com um déjà vu da derrota deles na cruz.

3) A igreja é um espetáculo divino para o céu

Muitas vezes, Paulo usava a metáfora do atleta para descrever a diligência cristã e o ministério evangélico.[7] De fato, a igreja é uma associação atlética espiritual, competindo aos olhos dos anjos e dos santos fiéis (Hb 12.1-2). Todos os santos do passado, que percorreram este mundo com sua fé intacta, estão na arquibancada torcendo por nós até chegarmos ao lar.

Apesar do implacável bombardeio de espetáculos que buscam dominar nossa atenção e definir nossa identidade, nós nos reunimos no Dia do Senhor, um elenco diversificado e ajuntado pela graça divina, atores do verdadeiro drama de todos os séculos.

Apesar dos eloquentes e teatrais trailers das máquinas fabricantes de espetáculos deste mundo, a igreja é a verdadeira dramaturgia dos séculos. Deus roteirizou a fraqueza do seu povo, de propósito, para enaltecer o poder do seu evangelho. E, nessa fraqueza, o mundo pensa ver algo bem diferente do que está sendo realmente encenado.

Quando a cortina final fechar a história humana, o mundo terá perdido completamente de vista o enredo. O mundo vê a igreja difamada como algo de curiosidade vã, mas, na verdade, a igreja é um espetáculo especial — um grande elenco, atuando coletivamente no papel principal da noiva, no drama humano para o qual toda a criação foi concebida para servir-lhe de palco.

A igreja como fabricante de espetáculos?

Num mundo que ama espetáculos visuais, quantos espetáculos atraentes aos olhos nós deveríamos incluir em nossos ajuntamentos de domingo, para tornar a igreja mais confortável e atrativa ao mundo? Quantos jogos de luz e fumaça, quantos amplificadores, quão elaborados os panos de fundo, as plataformas e os púlpitos, a arte e os projetores de vídeo?

Nessa questão, concordo amplamente com Mike Cosper ao dizer que “correr atrás de espetáculos religiosos só faz sentido num mundo desencantado. Se nos preparamos para viver num mundo em que Deus não aparece, então temos de dar nosso próprio jeito de fazer algo acontecer”.[8]

A indústria do espetáculo de hoje, como um todo, é guiada pelo pressuposto ateu de que Deus não existe. Se fomos deixados com uma fome de deslumbramento do tamanho de Deus, mas Deus não existe, então temos de nos voltar para os magos da computação gráfica, que têm a maior capacidade de alimentar a vastidão de nossos apetites por espetáculos. Os espetáculos das manhãs de domingo poderiam cair nesse desencantamento secular — uma perda de confiança na operação do Espírito em nosso meio.

Em nossa cultura, soa natural pensar na igreja como espectadores que se ajuntam semanalmente para assistir a habilidosos atores, músicos, oradores e projetores de vídeo; nessa cultura, o velho contraste de John Donne merece atenção, ao nos advertir para não encararmos o culto semanal como “um entretenimento, um show, um espetáculo”. Em vez disso, aproximamo-nos do culto com sinceridade, com a alma devidamente preparada e a mente pronta para um engajamento ativo em espírito e em verdade — não com o escapismo onírico e passivo de um espectador.[9] Nossos espetáculos são concebidos para encantar a imaginação, não para entreter os olhos.[10] Então, de novo, quais espetáculos são admissíveis?

Talvez a melhor abordagem seja simplesmente admitir que o uso de habilidosos espetáculos, numa igreja, é válido apenas na medida em que ela compreende e celebra o conteúdo do Espetáculo invisível de Cristo crucificado, sepultado, ressurreto e assunto aos céus. Se o esplendor de Cristo não está no centro, então os espetáculos de atração, apesar de bem-intencionados, reduzem a igreja a mais um show de segunda categoria para atrair o olhar desinteressado dos caçadores de entretenimento.

Na celebração de Cristo, acredito que resta um espaço para a produção de espetáculos na fé — concertos de música cristã, marchas pró-vida, filmes e vídeos online centrados no evangelho, grandes conferências, assim como a habilidosa pregação de nossos mais célebres pastores diante de milhares de ouvintes reunidos.

Contudo, deveríamos sempre nos lembrar de que Jesus se recusou a ser apenas mais um fabricante de espetáculos.[11] Rodeado por céticos caçadores de milagres, Jesus disse: “Se, porventura, não virdes sinais e prodígios, de modo nenhum crereis”.[12]

Havia uma autocontenção intencional em Jesus, na sua recusa em aplacar os apetites dos caçadores de espetáculos que apenas procuravam mais uma rodada de entretenimento grátis. Fabricar espetáculos não é algo peculiar ao evangelho nem lhe confere qualquer vantagem, pois Satanás, sendo ele mesmo um excepcional fabricante de espetáculos, pode seduzir e empolgar o mundo com deslumbrantes shows visuais.[13]

Artigo adaptado do livro A Guerra dos Espetáculos, de Tony Reinke.

[1] Donald G. Kyle, Spectacles of Death in Ancient Rome (Abingdon-on-Thames, UK: Routledge, 1998), 245.

[2] Donald G. Kyle, Sport and Spectacle in the Ancient World (Hoboken, NJ: John Wiley, 2015), 332.

[3] Richard C. Beacham, Spectacle Entertainments of Early Imperial Rome (New Haven, CT: Yale University Press, 1999), 200.

[4] Beacham, Spectacle Entertainments of Early Imperial Rome, 222-23.

[5] “A anuência dos mártires à sua própria morte e o seu desprezo pela autoridade enfurecia os espectadores. Após terem algum valor enquanto novidades e mesmo com fantasias e formas espetaculares de execução, os cristãos proporcionavam um show muito sem graça. Eles não eram artistas hábeis como os gladiadores e, por isso, não recebiam nenhuma esperança ou privilégios. Seu uso é melhor explicado pelo ódio ou por uma ansiedade religiosa dos romanos, como execuções punitivas ou sacrifícios propiciatórios, não pelo seu valor de entretenimento”. Kyle, Spectacles of Death in Ancient Rome, 248. Ver também Kyle, Sport and Spectacle in the Ancient World, 334.

[6] Peter J. Leithart, “Witness unto Death”, firstthings.com, jan. 2013.

[7] 1Co 9.24-27; Cl 1.28-29.

[8] Mike Cosper, Recapturing the Wonder: Transcendent Faith in a Disenchanted World (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2017), 64.

[9] John Donne, Works of John Donne (London: Parker, 1839), 5:275.

[10] Neil Postman, Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business (New York: Penguin, 2005), 121–22.

[11] Mt 12.38-40; 16.1-4; Lc 23.8-9.

[12] Jo 4.48; 1Co 1.22-25.

[13] Mt 24.24; 2Ts 2.9; Ap 13.14.


Autor: Tony Reinke

Tony Reinke é autor de livros e escritor e apresentador do Ask Pastor John no Desiring God.

Parceiro: Desiring God

Desiring God
Ministério de ensino de John Piper que, há mais de 30 anos, supre ao corpo de Cristo com livros, sermões, artigos.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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