“E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeia na sua mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e o amarrou por mil anos. E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que não mais engane nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo.
E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas nem em suas mãos; e viveram, e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos.
E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão, e sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha. E subiram sobre a largura da terra, e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada; e desceu fogo, do céu, e os devorou. E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre”. (Ap 20.1-10)
Este é o trecho mais debatido do Apocalipse de João. É, de fato, um dos mais disputados de toda a Bíblia. A palavra millennium vem do latim mille e annus que significa mil anos. O termo grego usado na Bíblia é chiliasm (quiliasmo). Agostinho, e muitos outros ao longo da história da Igreja, têm entendido que este “milênio” é de natureza espiritual, tendo relação com o intervalo entre a primeira vinda de Cristo até o fim do mundo, quando Ele virá outra vez. Todavia, muitos têm rejeitado esta interpretação, entendendo estas palavras como descrevendo um milênio terreno, literal, físico e visível. Estes, por esta razão, encontram nesta passagem uma prova para um reinado milenar de Cristo na terra, após sua segunda vinda.
Sugerimos a todo aquele que se propuser a examinar esta passagem mais profundamente que considere alguns princípios fundamentais para uma boa interpretação.
1. A Bíblia tem autoridade
Alguém já disse que o cristianismo é peculiarmente religião de um só livro. Desconsidere a Bíblia, e você terá desconsiderado o meio pelo qual Deus decidiu apresentar sua revelação ao homem através de sucessivas eras. Segue-se, pois, que o conhecimento da Bíblia é requisito fundamental para o conhecimento de Deus. O nosso anseio e obrigação, como cristãos, deve ser o de encaixar-se no propósito pleno de Deus para nós.
“Ele não ficará satisfeito com nada menos do que isto; nós também não devemos nos satisfazer com algo que esteja aquém disto. Todos nós que dizemos seguir a Cristo devemos buscar uma compreensão mais clara do propósito de Deus para o seu povo”.1
Este propósito de Deus nós devemos descobrir na Bíblia. A vontade de Deus para as pessoas está na Palavra dele. Nela devemos tomar conhecimento da vontade divina, e não preferencialmente da experiência particular dos indivíduos ou grupos, por mais reais e válidas que estas experiências possam ser.
Um pilar que baseou a Reforma foi Sola Scriptura. O cristão fiel considera a Bíblia como o seu supremo tribunal de recursos, sua única regra de fé e prática.
2. A verdade é objetiva
Vivemos em um tempo quando são usados critérios completamente subjetivos para se determinar o que é autêntico. A Escritura tem somente um sentido. Em princípio, nenhuma afirmação da Escritura deve ser considerada como tendo mais de um sentido.
Os cristãos evangélicos estão convictos de que Deus falou histórica e objetivamente, que sua Palavra culminou em Cristo e no testemunho apostólico a respeito dele, e que a Escritura é exatamente a Palavra de Deus escrita para nosso aprendizado. Portanto, todas as nossas tradições, todas as nossas opiniões e todas as nossas experiências precisam ser submetidas ao exame independente e objetivo da verdade bíblica. Permaneça fiel às suas convicções, mas assegure-se de que são verdadeiras. No fim, quem vai triunfar é a verdade. A verdade é sempre forte, não importa quão fraca pareça, e a falsidade é sempre fraca, não importa quão forte pareça.
As interpretações de quem quer que seja têm autoridade divina somente enquanto estão em harmonia com os ensinos da Bíblia como um todo. Cada indivíduo, conquanto deva reconhecer o valor da interpretação partilhada comunitariamente, tem também o direito de julgá-las por si mesmo.
Sacrifiquem-se, pois, as preocupações, as opiniões preconcebidas e ideias favoritas e empreenda-se o estudo no espírito de dócil discípulo e tome-se por Mestre a Cristo. Sempre deve ter-se presente que a obscuridade e aparente contradição que se possam encontrar não residem no Mestre, nem em seu infalível livro de texto, mas no pouco alcance do discípulo.2
3. A Bíblia é seu intérprete: a Escritura explica melhor a Escritura
Este é um princípio fundamental para a correta interpretação bíblica. A Escritura explicada pela Escritura, ou seja, a Bíblia é sua própria intérprete. O perigo de um falso método é mais real do que a particular questão relacionada ao milênio. É muito perigoso isolar um texto ou uma ideia e construir um sistema em torno dessa ideia ou desse texto. Agir assim é tomar um atalho perigoso. Por outro lado, a melhor maneira de se lidar com textos mais difíceis é comparar a Escritura com a Escritura. Enfatizamos que este princípio não é só conveniente e muito factível, mas absolutamente necessário e indispensável. A história nos adverte que muitos erros e heresias resultaram de uma interpretação particulare atomizadadas Escrituras. Erros funestos teriam sido evitados se houvesse a sensatez de permitir à Bíblia que se explicasse a si mesma.
Por exemplo: Sob a luz deste princípio, é bom examinar a expressão “mil anos” que aparece nos primeiros versos de Apocalipse capítulo 20. Ela aparece apenas nove vezes na Bíblia; destas nove ocorrências, seis se encontram neste capítulo 20 de Apocalipse. Nunca aparece na Bíblia a expressão mil semanas, nem mil meses. O numeral mil ou seus múltiplos aparecem num sentido figurado, denotando um grande espaço de tempo. (Cf. Sl 90.4; Ec 6.6; 2 Pe 3.8; cf. também Sl 84.10; Dt 7.9; 1 Cr 16.15; Sl 105.8). Quando se procede a uma análise das ocorrências do numeral mil em muitos outros textos da Bíblia, mesmo quando não se refere a tempo, constata-se que a ideia não é definir ou especificar uma quantidade rigorosamente delimitada, mas transmitir enfaticamente a ideia de um grande número.
4. O simbolismo do Apocalipse deve ser interpretado à luz de seus antecedentes bíblicos
William Hendriksen propôs assim este princípio:
Devemos interpretar este livro à luz de seus antecedentes (….). O Apocalipse está firmemente arraigado neste subsolo. Referimo-nos às Sagradas Escrituras! A mente do profeta estava, por assim dizer, imersa nestas Escrituras. Ele as conhecia a fundo. Ele as vivia. Elas estavam plenificadas no âmago de seu coração. Sustentamos, pois, que o Apocalipse tem suas raízes não somente no solo superficial de eventos contemporâneos, mas também, e especialmente, no subsolo das Sagradas Escrituras (…). Devemos explicar este livro à luz (…) também de toda a herança religiosa, considerada com reverência pelos crentes que viviam no tempo em que estas visões foram vistas e registradas.3
O Apocalipse culmina os muitos pensamentos e ideias do Antigo Testamento. Wescott e Hort “apresentam aproximadamente quatrocentas referências ou alusões ao Antigo Testamento, e um estudo intensivo de qualquer capítulo do Apocalipse logo revelará que esta lista de quatrocentas referências ainda está incompleta.” 4
É sobre a base das Escrituras Sagradas que devemos interpretar o Apocalipse. Este livro é, no Novo Testamento, o mais difícil de ser interpretado, basicamente por causa do uso elaborado e extensivo de simbolismo. O último livro da Bíblia integra um gênero de literatura bíblica que faz uso de símbolos, utilizado para consolação aos ouvintes imediatos e também posteriores, e nutrir-lhes esperança escatológica. Um bom princípio hermenêutico é interpretar literalmente aquilo que é literal, e simbolicamente aquilo que é simbólico. Se por um lado o intérprete das Escrituras deverá acautelar-se da tendência alegorizante da escola alexandrina (influenciada pela tradição platônica), por outro, e especificamente no que diz respeito às interpretações quiliastas, o Novo Testamento não favorece a literalismos extravagantes e absurdos.
5. É necessário considerar o livro de Apocalipse no seu todo
O objetivo ou desígnio de um livro ou passagem se adquire, sobretudo, lendo-o e estudando-o com atenção e repetidas vezes, tendo em conta em que ocasião e a que pessoas originalmente foi escrito. Isto oferece auxílio admirável para a explicação de pontos obscuros, para a aclaração de textos que parecem contraditórios e para conseguir um conhecimento mais profundo de passagens em si claras.
O livro de Apocalipse é essencialmente simbólico e está repleto de números simbólicos. E, naturalmente, nenhuma análise deve prescindir de considerá-los. Por exemplo, em todo o livro o vocábulo mil aparece vinte e sete vezes, incluindo as seis ocorrências em Apocalipse 20, o texto em pauta. É recomendável analisar as demais vinte e uma ocorrências. Nos demais textos onde o vocábulo mil (ou múltiplos) aparece no livro de Apocalipse, as tentativas de uma interpretação literal soçobram no rochedo do caráter patentemente simbólico de muito do seu conteúdo.
6. Na análise do contexto, deve-se buscar o tema central e distinguir, no simbolismo, entre o principal e o detalhe
Ao lermos o texto devemos nos perguntar: Qual é o significado deste símbolo como um todo? Que lição central ensina? Ao encararmos os símbolos do Apocalipse não devemos enfatizar com demasia os detalhes. “Não devemos dissecar o símbolo e perder a sua unidade.”5 Os detalhes pertencem ao quadro todo. Deve-se perguntar primeiro: O que significa o quadro como um todo? Os detalhes que pertencem ao quadro devem ser interpretados em harmonia com o seu pensamento central. Formulamos duas perguntas: Qual é o quadro inteiro? E: Qual é a sua ideia predominante?
Como regra, os detalhes pertencem ao quadro, ao símbolo. Não devemos tentar dar uma interpretação “mais profunda” dos detalhes, senão até onde a interpretação deles seja necessária para que se descubra o pleno significado da idéia central do símbolo (…). O que queremos é a impressão total, a ideia central de cada símbolo completo. Como nas parábolas, também aqui: o contexto nos ajuda a entender o significado do quadro. Um estudo criterioso de todos os detalhes é também necessário para poder determinar qual é o pensamento central.6
Uma leitura e análise de Apocalipse 20.1-10, inclusive com consulta ao texto original, sugere que o contexto imediato abrange também os versos de 11 a 15. O contexto mais amplo inclui também os capítulos 21 e 22. Assim, uma leitura cuidadosa do contexto deve ser empreendida.
O que o Apocalipse apresenta é o grande drama do conflito entre Cristo e o seu povo de um lado, e Satanás e seus seguidores do outro. Compreende o desenrolar de toda a história do reino de Cristo do princípio da era cristã ao grandioso clímax da segunda vinda. E se o livro for interpretado como consistindo de sete seções que se desenrolam paralelamente entre si, cada uma delas retratando a Igreja e o mundo desde a época da primeira vinda de Cristo até o tempo de sua segunda vinda7, esta seção compreendida pelos dois últimos capítulos será, então, a sétima.
7. A prudência de passar do didático para o descritivo, do explicado para o simbólico, do mais claro para o mais obscuro e do simples para o difícil
Este é um princípio hermenêutico que recomenda a prudência. Para o estudo proveitoso das Escrituras necessita-se, ao menos da prudência de saber iniciar a leitura pelo mais simples e prosseguir para o mais difícil. O contrário parece ser a tendência da imaturidade, e alguns têm feito justamente isso.
Esta prudência revelou-se de forma característica nos discípulos de Jesus nos momentos em que não compreenderam suas palavras: Perguntaram-lhe pelo significado, pediram explicação. E lemos: “Tudo, porém, explicava em particular aos seus próprios discípulos” (Mc 4.34).
“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil” (2 Tm 3.16). Todavia, o descritivo tem valor somente até o ponto em que é interpretado pelo que é didático. É certo que alguns textos simbólicos e algumas narrativas bíblicas que descrevem acontecimentos interpretam a si mesmas, porque incluem um conteúdo explicativo. No entanto, outras já não podem ser interpretadas isoladamente, mas somente à luz do ensino doutrinário ou ético oferecido em outras passagens. Por exemplo, podemos aprender da história de Ananias e Safira em Atos 5 que mentir desagrada muito a Deus, porque Pedro o diz. Mas não podemos concluir que todos os mentirosos cairão mortos ao chão como eles.
No que diz respeito ao texto de Apocalipse 20.1-10 este princípio é frequentemente abandonado. Tem havido quem interprete muito do conteúdo aparentementedifícil dos Evangelhos e das Epístolas à luz do simbolismo apocalíptico. E não apenas isso. Criam a partir disso toda uma filosofia da História, e todo um crivo rigoroso de interpretação bíblica. Isto é avesso à prudência. O caminho deve ser ao contrário. Leia-se o conteúdo didático dos sermões de Jesus, bem como do ensino apostólico às igrejas, e submeta-se o simbolismo do Apocalipse aos mesmos. Esta é a regra.
Uma leitura histórica dos atos de Deus em toda Bíblia revela que o Senhor da História, num plano perfeito e que se revelou gradualmente, fez da pessoa de Cristo como que a parte mais estreita de um funil. E a partir de Cristo, o seu plano é revelado de forma final e abrangente. É preciso, portanto, que se esteja fundamentado numa filosofia cristã da História que parta da base para o ápice, do terreno para o celeste, do material para o espiritual, da sombra para a realidade. É assim que nós lidamos com os nossos filhos. Este é o processo do amadurecimento. Passa-se da simplicidade da infância, da estreiteza e particularidade da meninice, da descoberta da juventude, para a amplitude e abrangência da maturidade. Deus parece lidar da mesma forma com o homem ao longo da história.
O Novo Testamento indica que Cristo e os apóstolos são os intérpretes autorizados do Antigo Testamento. O livro de Hebreus dá a chave deste princípio da revelação: “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo filho” (Hb 1.1). Salientamos a necessidade de que a Bíblia seja interpretada como um todo, e que o Antigo e o Novo Testamento constituem uma unidade. Salientamos ainda que o conteúdo do Novo Testamento é o fruto de longo e prévio desenvolvimento. O conhecimento do Antigo Testamento é pré-requisito essencial para a correta interpretação do Novo. Entretanto, as realidades espirituais que o Antigo Testamento introduz, o Novo as apresenta à perfeita luz. Um contém tipos; o outro, antítipos. Um contém profecia; o outro, cumprimento. A mais perfeita revelação do Novo Testamento ilumina as páginas do Antigo.
8. Uma compreensão bíblico-teológica acerca das dispensações da aliança
As grandes doutrinas e princípios do cristianismo estão expostos com clareza nas Escrituras. E estas só são bíblicas e exatas quando expressam tudo quanto dizem as Escrituras em relação a elas. Para a aclaração e correta interpretação de determinadas passagens, os paralelos de palavras e ideias são fundamentais. Todavia, é preciso recorrer ao teor geral, ou seja, aos ensinos gerais das Escrituras. É, de fato, importante consultar o teor ou doutrina geral da Escritura que trata do assunto. Se a interpretação contraria por inteiro o espírito ou desígnio do Evangelho, observa-se que essa interpretação está equivocada. É um erro chegar a conclusões a respeito de determinada doutrina antes de estudar tudo que a Bíblia diz sobre o assunto. É aqui onde um estudo tópico da Bíblia se mostra útil. E isto inclui tópicos sobre as grandes doutrinas da Bíblia. Os estudos doutrinários constituem a espinha dorsal das convicções espirituais, e, por sua vez, só se pode chegar a estas estudando tudo o que a Bíblia diz sobre um determinado assunto.
A teologia reformada vê na aliança a chave hermenêutica da Bíblia. As promessas outorgadas aos filhos raciais de Abraão passaram a ser herança do povo salvo pela redenção de Cristo. Assim, as profecias do Antigo Testamento que não foram cumpridas no passado bíblico, se cumprirão somente na nova realidade que é a Igreja, também conhecida como o “Israel de Deus” e “Raça Eleita” e “Sacerdócio Real” e “Nação Santa” e “Povo Adquirido”. A barreira da separação foi quebrada, e hoje, quer judeus, quer gentios, são um em Cristo.
Os elementos condicionais e transitórios da antiga dispensação da aliança foram alterados. Na nova dispensação os favores outorgados são preeminentemente espirituais e, além disso, são concedidos de acordo com a graça de Deus, não presumindo privilégios fundamentados em relacionamentos físicos ou étnicos.A bênção virá aos judeus apenas por uma forma: através da fé em Cristo (Rm 11.23). Eles só poderão ser salvos por meio do evangelho da graça soberana (Rm 11.32; At 4.12). Não existe esperança alguma para um judeu simplesmente por ser judeu. Ele precisa, como o pecador gentio, se arrepender e ser convertido, para que seus pecados possam ser apagados (At 3.19). Não há distinção entre judeu e grego (Rm 10-12). Ambos têm de ser salvos pelo sacrifício expiatório de Cristo. Também os filhos dos judeus e dos cristãos são iguais neste aspecto: precisam ser salvos mediante arrependimento e fé. Não há outro evangelho do reino (Gl 1.8).
Já mesmo o profeta Ezequiel libertou-nos deste medo: “Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que embotaram? Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, jamaisdireis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18.1-4). Assim, a alma do filho, no terreno de religião, é propriedade divina, não patrimônio do pai, ou da pátria, ou da família, ou da casta sacerdotal, ou da sociedade humana em qualquer aspecto. Deus reserva para si todos os direitos na alma imortal de cada uma de suas criaturas. Esta foi uma das notas mais elevadas a que chegou a mente profética até os dias de João Batista. Nenhuma alma está presa a uma religião falsa por conta de casta, família, estado, hereditariedade ou sistema sacerdotal ou eclesiástico.
A nova aliança declara com clareza que o povo de Deus é, assim, um povo sobrenaturalmente constituído, de corações iluminados e transformados, de conhecimento pessoal no seu Redentor, um povo regenerado e perdoado. Graça divina não é hereditária, nem se subordina a sacerdotes, clérigos, pais ou governos. O apóstolo Paulo, que “bem poderia confiar na carne… circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel… hebreu de hebreus”(Fp 3.4-11), expressou isto em termos bem claros em suas epístolas (Rm 2.28- 29; Fp 3.3; Gl 6.15-16; Rm 9.6-8). Este é um tempo de graça tanto para judeus e gentios. É tempo da oportunidade para ação missionária da igreja em todo o mundo.
“Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê não será confundido. Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam cousas boas!” (Rm 10.11-15).
Notas:
1 – John R. W. Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo. 2a. edição, Edições Vida Nova, 1986, SP, p. 12.
2 – E. Lund. Hermenêutica: Regras de Interpretação das Sagradas Escrituras. 2 a. edição,Editora Vida, 1981, Miami (EUA), pp. 14,15.
3 – William Hendriksen. Mais Que Vencedores; interpretação do livro de Apocalipse. São Paulo, Casa Ed. Presbiteriana, 1987, p. 62.
4 – B. F. Westcott & F. J. A. Hort – The New Testament in the Original Greek (O Novo Testamento no Grego Original) apud Hendriksen, Op. cit. pp. 64-65.
5 – Ibid. p. 55
6 – Ibidem.
7 – Este sistema é denominado de paralelismo progressivo. A divisão do Apocalipse em sete seções é favorecida por muitos autores, não havendo, contudo, unanimidade acerca das delimitações de cada seção. Entre os comentaristas que adotam sistemas de divisões em sete seções serão encontrados L. Berkhof, H. B. Swete, P. Mauro, W. Milligan, S. L. Morris, M. F. Sadler, C. F. Wishart, B. B. Warfield e W. Hendriksen. Veja-se Hendriksen, Op. cit. ; e Anthony A. Hoekema – A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, 461 pp. Hendriksen é do ponto de vista que estas sete seções descrevem, sob aspectos diferentes e complementares, este período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, cada seção avançando em profundidade ou intensidade do conflito espiritual, revelando um certo progresso gradual em ênfase escatológica. A última seção, por exemplo, nos leva mais longe, no futuro, do que as outras seções.