Trecho extraído do livro: D. M. Lloyd Jones, Estudos no Sermão do Monte
No versículo 25 (Mateus 6) tem início uma nova seção em nossas considerações sobre o Sermão do Monte. Na realidade, trata-se de uma subdivisão do tema maior que está sendo ventilado neste sexto capítulo de Mateus, a saber, a maneira de andar e de viver do crente neste mundo, em relação ao Pai.
Há dois aspectos que precisam ser levados em conta – aquilo que o crente faz em particular, e aquilo que ele faz em público. Você deve estar percebendo quão prático é esse Sermão do Monte. Está longe de ser algo remoto e teórico. Aborda as questões práticas da vida pessoal, privada – tudo quanto eu faço, a minha vida de oração, as minhas tentativas para praticar o bem, a minha vida de jejum, as minhas devoções pessoais, a nutrição e cultura de minha própria vida espiritual.
Todavia, eu não passo a totalidade do meu tempo nessas ocupações. Se eu fizesse tal coisa, tornar-me-ia um monge, ou um heremita. Não me afasto do mundo. Mas, pelo contrário, mantenho-me atarefado no mundo, mantenho-me ocupado em negócios e outras atividades, e tenho uma multidão de problemas que fazem pressão sobre mim. Acima de tudo, conforme o Senhor Jesus nos relembra na segunda seção, que começa no versículo 19, o grande problema com o qual nos defrontamos é o mundanismo, que sempre se faz presente e constantemente nos ataca. Esse é o tema, a partir do versículo 19 até ao fim do capítulo. Porém, já vimos que esse tema está dividido em seções subsidiárias. Em primeiro lugar, há aquela seção que já consideramos, a qual cobre os versículos 19 a 24. E agora, do versículo 25 até ao fim do capítulo, chegamos à segunda seção. Continua em pauta o tema central, que é o perigo representado pelo mundanismo, o perigo representado pelo atrativo das riquezas, o perigo de sermos derrotados pela mentalidade, perspectiva e atual tipo de vida do mundo. Talvez duas sejam as maneiras principais de considerarmos a diferença entre os versículos 19 a 24 e esta seção. Uma das maneiras de expressar essa diferença consiste em dizer que, na subdivisão anterior, nosso Senhor estava enfatizando principalmente o perigo de juntarmos tesouros sobre a terra, acumulando-os e amealhando-os, e vivendo exclusivamente para eles. Mas aqui, nosso Senhor ocupava-se não tanto com o ato de acumularmos tesouros sobre a terra, mas muito mais com a nossa preocupação com os mesmos, mostrando-nos ansiosos a respeito deles. E, naturalmente, esses dois pontos de vista são diferentes. Há muitas pessoas que talvez não sejam culpadas de acumular tesouros sobre a terra, mas que, não obstante, podem ser extremamente culpadas de mundanismo, por estarem sempre pensando sobre essas coisas, concentrando nelas toda a sua atenção. Essa é a principal diferença entre essas duas subdivisões. Porém, a questão pode ser expressa numa outra maneira. Algumas pessoas afirmam que nos versículos 19 a 24 nosso Senhor dirigia-se principalmente a pessoas ricas, agraciadas com sólida situação financeira, e que, por isso mesmo, encontram-se em posição de ajuntar riquezas materiais e amealhá-las. Mas igualmente sugerem que, do versículo 25 em diante, até ao fim do capítulo, Ele estaria pensando mais em pessoas que são realmente pobres, ou então naquelas que não poderiam ser descritas como abastadas, aquelas que meramente se mantêm, aquelas que se defrontam com o problema de ganhar a vida e manter as coisas em andamento. Para essas pessoas, o principal perigo não seria o de ajuntar tesouros sobre a terra, ou de adorar tesouros de qualquer espécie ou natureza, e, sim, o perigo de se envolverem com essas coisas, tornando-se ansiosas a respeito. Na verdade, não importa muito a interpretação que se venha a aceitar. Ambas essas ideias são verdadeiras, pois é possível que um homem verdadeiramente rico viva preocupado e sobrecarregado com essas questões mundanas. Por conseguinte, não precisamos pressionar a antítese entre os ricos e os pobres. O grande perigo consiste em alguém concentrar a sua atenção sobre essas coisas ao ponto de ficar oprimido e obcecado pelo que é visível, pelas coisas que pertencem exclusivamente ao tempo e ao mundo presente.
Aqui, uma vez mais, somos relembrados acerca da terrível sutileza de Satanás e do pecado. Para Satanás não importa muito a forma assumida pelo pecado, contanto que obtenha sucesso em seu objetivo final. Para ele não é importante se alguém está acumulando tesouros sobre a terra ou preocupando-se com esses tesouros; tudo quanto lhe importa é que as nossas mentes concentrem-se sobre essas coisas, e não sobre Deus. E o diabo nos atacará e assediará de todas as direções possíveis. Você poderia pensar que ganhou essa batalha contra Satanás somente porque o venceu quando ele apareceu na porta da frente e lhe falou a respeito dos tesouros deste mundo. Mas, antes que você tome plena consciência do fato, descobrirá que ele entrou pela porta de trás e levou você a sentir-se preocupado e ansioso acerca dessas coisas materiais. Assim, ele conseguiu fazer com que você considere essas coisas materiais, e por isso ele está satisfeito. Satanás é capaz de transformar-se em “anjo de luz” (II Coríntios 11:14). Não há fim quanto à variedade de seus métodos. A sua grande preocupação é que mantenhamos as nossas mentes presas a essas coisas, ao invés de as enfocarmos em Deus. Mas, felizmente para nós, estamos sendo guiados por Alguém que conhece a Satanás e aos seus métodos; e, se porventura podemos dizer, juntamente com o apóstolo Paulo, que “não lhe ignoramos os desígnios” (II Coríntios 2:11), isso se deve ao fato que fomos ensinados e instruídos pelo Senhor Jesus Cristo em pessoa. Quão sutil foi a tríplice tentação a que Satanás sujeitou o Senhor no deserto! “Se és Filho de Deus…” (Mateus 4:3). Estamos sujeitos a ataques similares, mas, graças a Deus, nosso Senhor nos brindou com instruções acerca disso, nesta passagem bíblica, e esse Seu ensino reveste-se de forma perfeitamente clara e explícita.