quinta-feira, 12 de dezembro
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O conceito bíblico de regeneração

Temos examinado de relance algumas das ideias relativas à regeneração, defendidas pelos cristãos através dos séculos. Agora, porém, voltemo-nos para as Escrituras. Como a Bíblia apresenta a regeneração?

O substantivo assim traduzido significa renascimento (no grego, palingenesia). Ele se refere à renovação criativa operada pelo poder de Deus e ocorre por duas vezes. Em Mateus 19.28, refere-se à vindoura renovação do cosmos, no fim das épocas aquilo que Pedro chama de “restauração de todas as cousas” (At 3.21). Porém, em Tito 3.5, onde Paulo refere-se a Deus como nos tendo salvo “mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo”, está claramente em foco a vivificação espiritual do crente. Essa é a referência à palavra “regeneração” que nos interessa no momento.

O contexto ao qual pertence a ideia da regeneração é o conceito bíblico do aspecto subjetivo da redenção como uma renovação. No Antigo Testamento, encontramos Deus prometendo que daria ao seu povo um coração novo e que poria neles um espírito novo (Ez 36.26) a fim de circuncidar seus corações, por gravar neles as suas leis, e, desta forma, levá-los a conhecer, a amar e a obedecê-Lo. (Ver Dt 30.6; Jr 31.31-34; Ez 36.25-27.) No Novo Testamento, essa renovação prometida torna-se uma realidade por meio da união com Cristo. Pois, “se alguém está em Cristo, é nova criatura” (2 Co 5.17; ver também Gl 6.15).

Vale a pena fazermos aqui uma pausa, a fim de considerarmos a análise exposta por B. B. Warfield, sobre essa mudança, como “uma radical e completa transformação operada na alma (Rm 12.2; Ef 4.23) pelo Espírito Santo (Tt 3.5; Ef 4.24), em virtude da qual nos tornamos ‘novos homens’ (Ef 4.24; Cl 3.10), não mais conformados com este mundo (Rm 12.2; Ef 4.22; Cl 3.9), mas antes, em santidade e conhecimento da verdade, criados segundo a imagem de Deus (Ef 4.24; Cl 3.10; Rm 12.2)” (Biblical and Theological Studies Estudos Bíblicos e Teológicos p. 351). Essa obra de renovação acompanha o crente por toda a sua vida terrena, pois o homem interior “se renova de dia em dia” (2 Co 4.16), num processo contínuo, comumente chamado “santificação”. A regeneração é o ato inicial pelo qual esse processo é começado.

No Novo Testamento, o principal expositor da regeneração é o apóstolo João. O termo grego por ele usado para exprimir a ideia é gennaõ, que pode significar tanto “gerar” quanto “dar à luz”. Nicodemos compreendeu que nosso Senhor estava falando de um novo nascimento (Jo 3.4). Em sua primeira carta, João claramente tinha em mira uma nova geração (cf. 1 Jo 3.9). O homem é gerado ou nascido “de novo” – ou, mais provavelmente, nascido “do alto” (Jo 3.3, 7) – ou “do Espírito” (Jo 3.8; cf. v. 5), ou simplesmente “de Deus” (Jo 1.13; nove vezes em 1 João). O verbo “nascer”, no grego, em cada instância, é usado no aoristo ou no perfeito, a fim de denotar o caráter decisivo e completo da regeneração. Com o devido respeito a Calvino, a regeneração não pode ser considerada um processo inacabado. Tal como o nascimento natural, se a regeneração ocorreu, ela ocorreu completamente. A pessoa nasce de novo em um certo momento e a partir de então está espiritualmente viva.

De acordo com João, o que é o novo nascimento? Não é uma alteração ou adição à substância ou às faculdades da alma, e, sim, uma drástica mudança operada sobre a natureza humana caída, que leva o homem a ficar sob o domínio eficaz do Espírito Santo e o torna sensível a Deus, o que ele previamente não era. Não é uma mudança produzida pelo próprio homem, da mesma forma que os infantes nada fazem a fim de induzir ou contribuir para sua própria procriação e nascimento. Trata–se de um livre ato de Deus, não provocado por qualquer mérito ou esforço humano (cf. Jo 1.12,13; Tt 3.3-7), por ser totalmente um dom da graça divina.

A necessidade da regeneração

Por que o homem precisa da regeneração? Porque, conforme nosso Senhor explicou a Nicodemos, enquanto o homem permanece na “carne” (Jo 3.6) isto é, permanece pecador como nasceu não é capaz de entrar no reino de Deus. Sem a regeneração, não existem atividades espirituais. Quem não nasceu do alto não pode ver (compreender) o reino de Deus (o reino da salvação), nem pode entrar nele (pela fé no Salvador) (Jo 3.3,5). O que fica implícito no fato que alguns recebem a Cristo é que nasceram de Deus (Jo 1.12,13); pois não poderiam tê-lo feito de outra maneira. Paulo coloca a questão nestes termos: “Ora, o homem natural [isto é, o não-regenerado] não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14). O diálogo de Jesus com Nicodemos constitui um eloquente comentário sobre esse texto. Os pecadores incluindo os mais cultos e religiosos não podem receber as cousas do Espírito, que são as verdades atinentes a Cristo, enquanto o próprio Espírito de Deus não os tiver tornado em novas criaturas. Eis a razão pela qual Nicodemos e seus amigos judeus precisavam do novo nascimento. Jesus lhe disse: “Não te admires de eu te dizer: Importa-vos [plural] nascer de novo” (Jo 3.7).

 


Autor: J. I. Packer

James Ian Packer (Gloucester, 22 de julho de 1926) é um teólogo anglicano e professor de teologia no Regent College, em Vancouver, Canadá. Seus livros já venderam mais de três milhões de exemplares. Entre os seus livros publicados em português estão O Conhecimento de Deus, Esperança, Na Dinâmica do Espírito, Entre os Gigantes de Deus e Os Vocábulos de Deus. Foi editor da revista Christianity Today (Cristianismo Hoje) e membro do comitê de novas traduções da Bíblia.

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