Uma das passagens mais conhecidas em toda a Bíblia é Isaías 6, que relata a chamada de Isaías ao ministério profético. Diversas vezes esta passagem é utilizada para instruir o povo de Deus no que se refere à glória e a santidade divina. Freqüentemente os sermões e as lições bíblicas têm salientado o arrependimento de Isaías e sua disposição de realizar a ordem dada pelo Senhor.
Com menos freqüência, temos sido lembrados sobre a natureza do ministério de Isaías, ou seja, que sua tarefa em grande parte consistia em separar e peneirar. Ele deveria pregar até que o povo de Judá, com corações endurecidos, voltasse as costas para o Senhor e as cidades estivessem em ruínas, sem habitantes. Por fim, o Deus que comissionou Isaías disse que apenas um décimo da população subsistiria. Mas, ainda que este remanescente tivesse de sofrer, seria o remanescente do povo de Deus que permaneceria, e, assim como o tronco de uma árvore que produz brotos mesmo depois de cortado, este remanescente floresceria.
Entre os vários assuntos evidentes em Isaías 6, encontramos o fato de que toda essa questão foi orquestrada pelo Senhor. Ele chamou o profeta e deu-lhe a mensagem a ser proclamada. E o resultado da pregação foi declarado e tornou-se conhecido de antemão. Em outras palavras, o propósito divino é desvendado e realizado por Aquele que está disposto e pode fazer tudo o que deseja.
Qualquer leitura superficial deste livro revela que o Deus de Isaías é soberano. Muitos textos da profecia de Isaías refletem esta verdade: “Eu sou Deus” desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antigüidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade. (Is 46.9-10).
As profecias de Isaías nos levam não apenas a meditar sobre a soberana maneira como Deus agiu com Israel mas também a declarar seus propósitos em relação às nações do mundo. Considere Isaías 49.6: “Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes de Israel; também te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra”.
O profeta, que nos faz enxergar a completa soberania de Deus em todas as coisas, não hesitou em declarar que o propósito de Deus inclui a salvação de homens de todas as nações da terra. Se, à luz deste último versículo, pensamos acerca desse propósito dois fatos se destacam. Primeiro, existe o desafio de não focalizarmos exclusivamente uma parte do plano divino e batalharmos pelo cumprimento de todo esse plano. Segundo, temos uma chamada que resulta no envio de obreiros ao mundo, para realizar os desejos do Senhor. Por isso, estamos meditando acerca do desafio e da chamada para missões mundiais.
O Desafio de Missões Mundiais
O desafio envolve o olharmos além de nossa vizinhança e das pessoas com as quais estamos familiarizados, vendo todo o mundo como nosso campo de trabalho. É um desafio tremendo, porque tal empreendimento exige grandes recursos e coloca sobre o cristão enormes responsabilidades, das quais nossa carne normalmente se esquiva.
Evocando um exemplo pessoal, recordo de meu pastorado em Louisville, Kentucky. Quanto eu gostava da obra para a qual o Senhor havia me chamado! Como tinha um amor profundo por aqueles a quem eu ministrava! Mas a obra do pastorado era desafiadora, e ocasional mente o desafio se tornava tão grande, que eu me retraía dele. Houve dias em que eu não desejava nada além de fechar a porta do gabinete, voltar à Flórida e plantar laranjas. O desafio do ministério pastoral, às vezes, chegava a ser avassalador.
Da mesma forma, o desafio de missões é grandioso. Jacó, ou Israel, era precioso ao Senhor. Este é o assunto central das Escrituras. O Senhor o declarou através do profeta Amós: .De todas as famílias da terra, somente a vós outros vos escolhi. (3.2). Não podemos ler os capítulos centrais da carta de Paulo aos Romanos, sem ficarmos profundamente convictos de que Israel mantém um lugar especial no coração de Deus.
Mas, apesar disso, a visão e o propósito de Deus são mais amplos; estendem-se além de Israel e alcançam todas as nações da terra. Foi assim desde o princípio, quando o Senhor declarou a Abrão que ele e seus descendentes seriam uma bênção para todas as famílias da terra. Desde o princípio, o desafio que está diante do povo de Deus tem sido o de tornar Deus conhecido aos outros.
O desafio para qualquer crente começa em seu próprio país. Uma após outra, várias pesquisas têm sido realizadas acerca do povo norte-americano, revelando de forma consistente os Estados Unidos como um dos mais religiosos (senão o mais religioso) países do mundo. Na realidade a maior parte da população dos Estados Unidos possui forma de piedade enquanto nega o seu poder (2 Tm 3.5); reivindicam conhecer Deus, mas suas ações O negam (Tt 1.16).
Violências, tumultos, crimes e toda a sorte de malignidade têm se intensificado por toda parte. Nossos líderes clamam por paz entre os homens e entre os povos, não reconhecendo que paz existe somente na pessoa de Jesus Cristo.
Se voltarmos nossa atenção às estatísticas mundiais, o desafio é ainda maior. Os missiólogos classificam a população mundial em categorias amplas: O mundo cristão, envolve aproximadamente 33% da população da terra (Mundo C); os 42 % da população do mundo que têm alguma familiaridade com o evangelho, mas não são classificados como cristãos (Mundo B); e o mundo A, ou aproximadamente 25% da população (cerca de 1,2 bilhão de pessoas), que jamais teve qualquer exposição ao evangelho. Também os pesquisadores nos dizem que o mundo cristão gasta aproximadamente 99,9% do seu dinheiro consigo mesmo e somente 0,09% ministrando ao Mundo B. Apenas 0,01% é gasto em alcançar os povos não-alcançados do Mundo A (.World A: A World Apart. publicado por Foreign Mission Board of the Southern Baptist Convention).
Além disso, o Mundo A, embora contenha a quarta parte da população mundial, possui apenas 1% dos missionários cristãos designados para ele. Em contraste, o .mundo cristão. tem 33% da população da terra e 91% dos missionários. À luz de tal desafio, como podem os crentes serem ainda mais impulsionados para missões?
A Chamada para Missões Mundiais
O segundo assunto que surge do nosso versículo é a chamada para missões mundiais. O capítulo 49 de Isaías está repleto de referências à soberania de Deus. Com autoridade, Ele ordenou; “Ouvi-me, terras do mar, e vós, povos de longe, escutai! ” (v.1). O servo do Senhor declarou que mesmo antes do seu nascimento, o Senhor o conhecia e o havia chamado: “O SENHOR me chamou desde o meu nascimento, desde o ventre de minha mãe fez menção do meu nome” (v. 1). O Senhor formou e moldou a boca de seu servo para que este cumprisse os propósitos divinos (v. 2). O servo deve sua existência ao Senhor (v. 5), que proclamou: “Te dei como luz para os gentios” (v. 6) e realizou a tarefa. O Senhor é fiel em escolher seus servos e enviá-los a cumprir suas ordens (v. 7). Todas essas são obras dAquele que declara seus propósitos e os faz acontecer. Não se trata de um dos ídolos pagãos, cuja boca não pode falar. Este é o Senhor, que fala e os homens ouvem; é o Senhor, que ordena e os homens obedecem; é o Senhor, que chama e os homens O seguem.
Quem pode fugir de alguém como Ele? Quando o Senhor ordenou, Moisés reclamou e desculpou-se, mas chegou ao ponto de achar-se frente a frente com Faraó. Jeremias resolveu jamais voltar a proferir uma palavra da parte do Senhor, somente para sentir aquela palavra como um fogo em seus ossos, de forma que precisou sair e falar. Jonas tentou escapar da vontade de Deus para a sua vida, mas acabou se achando no ventre de um peixe, clamando para fazer a tarefa que Deus lhe designara. Pedro negou o seu Senhor, Saulo tentou aniquilar a igreja recém-nascida; porém, tornaram- se os maiores de todos os pregadores, anunciando o evangelho primeiro aos judeus e, depois, aos gentios.
Com absoluta certeza, podemos declarar a soberania de Deus em todas as coisas. Ele suscita a tempestade e a envia pela terra, aonde quer que lhe apraz. Estabelece um reino e aniquila outro. Através de seus profetas, Deus falou de eventos com centenas de anos de antecedência e os fez acontecer. Ele desperta pregadores e missionários e os envia ao mundo.
Os escritores bíblicos, ao mesmo tempo que afirmam a soberania de Deus, também ressaltam a responsabilidade do homem. Portanto, embora o título desse artigo seja o “O Desafio e a Chamada para Missões Mundiais”, uma designação melhor talvez seria: “O Desafio e a Ordem para Missões Mundiais”. As Escrituras, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, estão cheias de mandamentos para o povo de Deus, no sentido de serem embaixadores no mundo. Desde a aliança do Senhor com Abrão, prometendo fazer de sua família uma bênção para todo o mundo, até ao final do ministério terreno de Jesus, quando Ele anunciou a Grande Comissão a seus discípulos, somos ordenados a tornar Deus conhecido em toda a terra.
Citando outro exemplo pessoal, tenho ouvido testemunhos maravilhosos acerca de como Deus tocou de maneira profunda o coração de pessoas e as conduziu a países estrangeiros como missionários. Para ser franco, eu imaginava que tais chamadas deveriam ser sobrenaturais, extraordinárias e miraculosas em sua natureza.
Porém, esta não foi a minha experiência. À medida que minha esposa e eu meditamos a Palavra de Deus, não pudemos fugir da noção bíblica de que o propósito de Deus é que seu povo pregue o evangelho a cada tribo, nação e língua, porque Ele tem um povo eleito em cada tribo, nação e língua (Ap 5.9; Mc 13.27). Através da pregação do evangelho, Deus sempre chamou os homens a Si mesmo. Nossa experiência não foi algo que pudéssemos ter considerado incomum. Em termos simples, através da crescente compreensão de que os propósitos de Deus se estendem a todo mundo, minha esposa e eu chegamos ao ponto de afirmar: .Senhor, estamos dispostos a ir.. Nada especial, fora do comum ou místico. Era simplesmente a disposição de ir. À luz de tal ordem clara e bíblica, como poderíamos nos esquivar da grande responsabilidade que o Senhor colocou sobre seu povo?
Ao ouvir alguns pregadores contemporâneos, alguém talvez pense que Deus, nos céus, está contorcendo as mãos em frustração, por estar encontrando dificuldade em convencer as pessoas a crerem nEle e a viverem para Ele. Que deus fraco e digno de pena! Esse, entretanto, não é o quadro que Deus apresenta de Si mesmo em sua auto-revelação, a Bíblia. A soberania divina alcança a raça humana e dos descendentes de um homem cria uma poderosa nação. Ele separa para Si mesmo um povo eleito de cada nação. Ele procurará as ovelhas perdidas, até que sejam achadas e trazidas ao aprisco.
Quando refletimos com mais atenção, vemos que a soberania absoluta de Deus, mesmo no que se refere a chamar e salvar pecadores, não constitui um empecilho para missões mundiais, e sim um encorajamento. Visto que Deus separou um povo para Si mesmo e que o Filho dEle derramou seu precioso sangue pelos eleitos, a colheita está assegurada. O Senhor possui seu povo eleito em cada nação, e não Se satisfaz com nada menos do que a redenção de todos eles.
O objetivo final e mais elevado da evangelização não é o bem-estar dos homens nem mesmo sua bem-aventurança eterna, mas a glorificação de Deus.
R. B. Kuiper