Os ministros frequentemente lidam com a morte e as questões inevitáveis que a acompanham. A própria natureza da morte levanta questões difíceis. Não é incomum que as crianças recebam palavras de conforto bem-intencionadas após a morte de um membro da família ou de alguém que possam ter conhecido. Costumamos dizer algo como “A vovó está no céu”, esperando confortar os pequeninos confusos e tristes que estão lidando com um tópico que nem mesmo os teólogos eruditos entendem completamente. No entanto, embora “a vovó está no céu” não seja uma resposta errada, se a vovó fosse uma crente em Jesus Cristo, a resposta é incompleta e pode até ser enganosa. Para colocar o assunto em perspectiva bíblica, se a vovó era uma crente, ela agora está na presença do Senhor, aguardando sua volta e a ressurreição de seu próprio corpo.
O que acontece com as pessoas quando morrem é um aspecto da teologia cristã frequentemente explorado, mas também mal compreendido, geralmente discutido sob o título “o estado intermediário”. Dado o potencial para mal-entendidos, é útil começar com uma breve definição do que queremos dizer quando falamos do estado intermediário. É aquele período de tempo entre a morte de um crente (e sua entrada imediata na presença do Senhor) e a ressurreição do corpo no momento da volta de Cristo. Quando Jesus ressuscita os mortos no último dia, as almas desencarnadas são reunidas com seus corpos, tornados imperecíveis (1Co 15.35-58), como a preparação para habitar por toda a eternidade no novo céu e nova terra (Ap 21).
Em várias passagens bem conhecidas, Paulo aborda especificamente a questão do que acontece aos crentes entre o momento em que morrem e o retorno de Cristo. De acordo com 2Co 5.8 , os crentes imediatamente entram na presença de Deus em sua morte física. É isso que queremos dizer quando falamos do céu. O Apóstolo escreve: “Preferimos estar longe do corpo e em casa com o Senhor”. Paulo também falou de como ele desejava “partir e estar com Cristo, pois isso é muito melhor” (Fp 1.23). Quando morremos, estamos “com Cristo”, entrando imediatamente na presença de Deus.
Os crentes entram imediatamente na presença de Deus em sua morte física.
A imagem bíblica mais vívida do céu é aquela descrita em Ap 4–6, uma cena gloriosa do que acontece na sala do trono celestial antes do retorno de Jesus. Embora a cena revelada ali seja maravilhosa, vale a pena notar que os santos no céu estão clamando: “Até quando, ó soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (6.10). Aqueles que morreram antes de nós e já estão na presença de Deus e que agora estão experimentando o estado intermediário anseiam pelo retorno de Jesus Cristo à terra no dia da ressurreição e julgamento.
Existem três mal-entendidos significativos sobre o estado intermediário, como acabamos de descrever. O primeiro mal-entendido do estado intermediário, comumente conhecido como “sono da alma”, é que após a morte de um crente, a alma “dorme” até o dia da ressurreição. Nessa visão, não há consciência de estar na presença do Senhor desde o momento em que morremos até que despertamos no dia da volta de Jesus. Nós morremos e depois “dormimos” até que Cristo volte. Essa visão foi abordada por João Calvino em seu primeiro grande tratado teológico, um livro com o título cativante Psychopannychia. O erro aqui é que a morte traz um estado inconsciente, muito parecido com o sono. Os crentes não se lembram de nada desde o momento em que dão seu último suspiro até que despertam na ressurreição. Mas essa visão não pode explicar as passagens bíblicas mencionadas que falam claramente da presença consciente de um crente com o Senhor imediatamente após a morte, experimentando as glórias da cena celestial descrita em Ap 4–6.
Um segundo mal-entendido é a noção de que o estado intermediário é um tempo para os humanos pecadores serem purgados da presença de qualquer pecado remanescente. O principal exemplo desse erro é a doutrina católica romana do purgatório. A ideia de que o estado intermediário é um tempo de purificação surge da crença errônea de que mesmo que alguém morra crendo em Jesus Cristo, ele pode ainda não ter alcançado um estado de santidade pessoal suficiente para entrar no céu. Um tempo de purificação é necessário para que, após a morte, sua alma se torne suficientemente “pura” para entrar na plena alegria da comunhão com os santos. Essa visão pressupõe que somente os méritos de Jesus Cristo (sua vida de obediência, sua morte pelos nossos pecados) não podem tornar um crente suficientemente “santo” para entrar no céu após a morte. No entanto, o evangelho está fundamentado na promessa de que Jesus fornece tudo o que precisamos para sermos considerados “santos” e santificados em virtude de nossa união com Jesus Cristo por meio da fé. Em relação à nossa posição, somos santos em nossa justificação, enquanto na prática, crescemos em santidade por toda a nossa vida até nos tornarmos totalmente santos em nossa glorificação.
O terceiro mal-entendido (talvez a visão mais comum na América moderna) é confundir o estado intermediário (existência desencarnada) com o estado eterno para que não haja expectativa da ressurreição do corpo como a Bíblia ensina claramente (1Co 15.12 ss.). Nessa visão, a morte liberta a alma (já “pura”) do corpo pecaminoso. Visto que não há ressurreição dos mortos, as pessoas existem após a morte como espíritos conscientes e invisíveis. Muitas pessoas, inclusive os cristãos professos, até acreditam que esses espíritos estão presentes conosco nesta vida, oferecendo-nos conforto e consolo em momentos de provação, ou quando nos entristecemos por eles e depois “sentimos” sua presença. Tais crenças podem ser sinceras, mas não têm base bíblica, pois ignoram o ensino bíblico sobre a ressurreição do corpo. Esse mal-entendido também encoraja aqueles que estão sofrendo a buscar conforto através da presença invisível dos espíritos de seus entes queridos falecidos, em vez da grande esperança cristã da ressurreição do corpo.
Podemos saber que, quando a vovó morreu, ela não adormeceu. No céu, ela não está sendo purificada do pecado. Se a vovó era crente, ela foi imediatamente glorificada e entrou na presença de Cristo. Jesus realizou isso por ela na cruz e em sua vida de perfeita obediência. Ela conscientemente aguarda a ressurreição, mesmo agora enquanto contempla a face de seu Salvador.
Publicado originalmente em Ligonier Ministries.
Tradução: Melanie de Bessa. Revisão: Renata Machado Gandolfo.