Um amigo tem uma frase ótima: “A heterossexualidade encobre uma multidão de pecados”. Faço menção a ela porque os desafios no campo da sexualidade não se expressam da mesma forma, como se houvesse grupos (des)privilegiados. Lamento informar, mas a Queda foi cosmicamente trágica — e não deixou ninguém de fora. O pecado que o diabo planejou para a humanidade não foi o ateísmo (negar a existência de Deus), nem mesmo o deísmo (acreditar que Deus não intervém). A estratégia foi convencer a humanidade de que Deus é mau para ela. E deu tão certo que, ainda hoje, o plano é o mesmo: fazer-nos acreditar que Deus seja mau a ponto de não ser confiável.
Por isso, crer que Deus existe e que é o Criador não é algo suficiente para nos redimir. Aliás, muita gente crê nessas verdades. Mas é preciso avançar e compreender que a humanidade rompeu com a direção estabelecida por Deus quando se permitiu acreditar em uma nova narrativa apresentada pela serpente — a de que Deus seria tão mau que não deseja o bem para o ser humano: “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu” (Gn 3.6). Ali teve início a era do ressentimento contra Deus.
Aconselhar cristãos com dilemas em sua sexualidade é lidar com pessoas que chegaram a um ponto em que perderam o controle do barco da própria vida e navegam como que sem rumo, de qualquer jeito. Porém, há um perfil de “desgoverno” curioso — e muito perigoso. O pecado, além de ser o adultério contra Deus, foi alimentado pela tentação por autossuficiência. A presunção do ser humano se revelou ao passar a viver como quem acredita ser capaz de resolver seus próprios problemas, segundo seu próprio parecer e poder. Ficar livre de Deus é desejar ser deus. Para tanto, o ser humano — que é fome por Deus em movimento — passa a se alimentar de tudo o que se apresenta como fonte de vida e prazer, a fim de se sentir bem. E, então, passa a usar, de forma utilitária, tudo o que viabilize seu acesso ao bem-estar.
A pornografia, por exemplo, configura-se como uma das tentativas mais utilizadas de satisfação imediata para uma alma em frangalhos. É uma personagem frequente no ambiente da vida dupla. Quando a tristeza, a solidão, a frustração, o tédio ou a ansiedade batem à porta do coração, como é tentador sair desse cenário e entrar em outro — onde somos o que quisermos, estamos com quem escolhermos, somos desejados e não rejeitados! As indústrias pornográfica e de tráfico de pessoas descobriram que o ser humano trocaria tudo por migalhas de êxtase, apenas para “ser feliz” por um instante.
A pedido de uma empresa de canal a cabo[i], o Instituto Quantas realizou uma pesquisa com o objetivo de identificar o perfil dos consumidores de pornografia no país. Apesar de antiga (2016-2017), a pesquisa trouxe um levantamento de dados bastante relevante. Constatou-se que, no Brasil, 22 milhões de pessoas assumem consumir pornografia. Dessas, 58% têm menos de 35 anos; 49% pertencem à classe B; 69% são casadas ou estão em um relacionamento; 49% concluíram o ensino médio; e 40% têm curso superior. Quanto à distribuição por gênero, os dados revelam que os homens são os que mais consomem pornografia no Brasil, 76%, e as mulheres, 24%.
Quando perguntados sobre o que os leva a consumir pornografia, a resposta foi que “a pornografia é uma ‘pílula de estímulo’ e ‘dá vazão a fantasias, desejos, frustrações, e permite viver o prazer livre que hoje se concretiza em imagens’”. Uma das principais motivações detectadas foi a busca por uma “válvula de escape em casos de desilusão, solidão ou carência”.
Recorrer à pornografia para se distanciar da realidade difícil, triste ou desagradável da vida parece ser um dos frutos da desconfiança em Deus. Vemos que, em escala nacional, os números apontam para uma parcela da sociedade que deposita suas expectativas na dimensão erótica como meio de acalmar seu mundo interior à deriva. Se o Consolador não estiver em nós, tenderemos a aliviar nossas dores por outros meios — e a pornografia é um deles.
Não podemos desconsiderar que o conteúdo pornográfico visual é feito de pessoas nuas excitando pessoas em busca de prazer. Aconselhando cristãos que fazem ou fizeram uso da pornografia, os relatos frequentemente apontam para um desdobramento preocupante: o conteúdo que um dia foi excitante deixa de ser, exigindo algo mais frequente e/ou mais pesado para garantir a mesma experiência de prazer. Inclusive, a pesquisa da Quantas confirmou que o consumidor de pornografia procura “assistir a pessoas que pareçam reais”. Considero isso preocupante, pois a busca por prazer sexual pode tornar-se tão central na vida de alguém que o limite do outro passa a ser visto como um obstáculo a ser ultrapassado — ainda que de forma criminosa.
A indústria da exploração sexual tende a lucrar significativamente por meio da indústria pornográfica. Como ouvi de um aconselhado: “Chegou uma hora em que eu já tinha visto tudo e foi ficando previsível. Comecei a pensar como seria tocar em alguém e fazer aquilo que vejo nos vídeos”. Só que o que ele desejava não era um relacionamento, mas, sim, um momento de prazer — e ponto. Sem nomes, sem intimidade, sem vínculo. Havendo demanda, haverá oferta — ainda que à custa de muito sofrimento para as “carnes do cardápio”.
Explorar pessoas sexualmente é um dos negócios mais lucrativos do mundo — e seu alcance ultrapassa continentes. Ao ler estas palavras, você pode estar se perguntando: “O que o ‘pornô de cada dia’ tem a ver com isso?”. Não se iluda! Pessoas que pagam para explorar sexualmente outras pessoas foram, em sua maioria, iniciadas sexualmente de alguma forma. E, segundo relatos de aconselhados a respeito de seus pecados sexuais, o envolvimento direto com pornografia é predominante. O coração humano se deixou convencer pela ideia de que a pornografia é uma “pílula de estímulo”, capaz de melhorar um dia mau por meio da exibição de “pessoas que pareçam reais”. E, para piorar o que já é péssimo, junta-se a isso a exploração sexual, que disponibiliza pessoas de verdade.
Quero que você perceba o quanto que as notícias bizarras envolvendo crimes sexuais estão relacionadas ao desgoverno da vida humana desde a Queda. Por termos pecado contra Deus e assumido o controle de nossas próprias vidas, as habilidades que recebemos ao sermos criados à imagem dele passaram a ser usadas de acordo com a nossa conveniência. A Queda não removeu a existência do desejo sexual na vida humana, mas mudou seu senhorio. Em vez de usarmos o desejo segundo a direção de Deus, que o criou, passamos a dirigi-lo conforme nossas próprias percepções — excluindo Deus do processo.
No cenário religioso, também é possível identificar a existência do autogoverno do desejo. É o caso de pessoas que, mesmo se assumindo como cristãs, vivem a partir de um “mapa interno” contaminado por falsas crenças sobre Deus — crenças que as sedimentam em falsas percepções sobre si mesmas. Uma vez enredadas por mentiras, a busca por alguma “pílula de estímulo” estabelece um modo de vida distante do que está escrito na Palavra de Deus.
Contudo, para não romperem com Deus e com a igreja, tentam ludibriá-los. Refugiam-se em desculpas e racionalizações que nada mais são do que folhas de figueira, grosseiramente cobrindo a lambança imoral. Com temor, listo alguns exemplos que ouvi ao longo dos anos, em aconselhamentos e aulas:
• “Já entendi que sexo antes do casamento afeta minha vida com Deus e traz prejuízos para a intimidade no relacionamento conjugal. Mas é só isso?”
• “É quaresma! Nesse período, dou uma parada na pornografia.”
• “Se posso beijar a boca do meu amigo, por que não posso beijar a boca da minha amiga?”
• “A gente está se guardando. A gente para no sexo oral.”
• “Se eu não fizer, tenho medo de que ele me largue. A gente não faz sexo, só sexo oral, mas faz com roupa”.

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Vida Dupla: descendo aos porões da intimidade sexual, de Andréia Vargas, Editora Fiel (em breve).
[i] Informação disponível em: https://g1.globo.com/google/amp/pop-arte/ noticia/22-milhoes-de-brasileiros-assumem-consumir-pornografia-e-76-sao-homens-diz-pesquisa.ghtml. Acesso em: abril de 2025.