quinta-feira, 12 de dezembro
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A condição egocêntrica

“Pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes.” – 2 Timóteo 3.2-5

Quem é o centro de sua vida? A sua resposta é Jesus, ou seus filhos, ou seus amigos, ou sua esposa? Como você reagiria se eu lhe dissesse que a resposta para esta pergunta é você? E se eu dissesse que isso é normal? Sejamos claros: a pergunta não é se você é o centro do seu universo – você é. Isto é o que os filósofos e psicólogos chamam de condição egocêntrica. Em palavras simples, não podemos escapar de nós mesmos. O que sentimos, pensamos, falamos ou cremos somos nós que sentimos, pensamos, falamos ou cremos. Quando envolvemos a Deus, os outros e o mundo, nosso ponto ou centro de referência é inescapavelmente o nosso ego.

Agora, aqui está a surpresa: não precisamos nos arrepender desse tipo de “egocentrismo”. Em vez disso, temos de reconhecer quanto somos afetados por uma fraca doutrina de criação. Ser um criatura, incluindo nossa finitude e particularidade, é um dom de Deus. Tentar “escapar” de nós mesmos e ter algum outro “centro” pode cair facilmente numa forma abstrata de espiritualidade que arruína nossa natureza como criatura. Negar completamente o “eu” é cessar de existir. Sejamos cuidadosos em nossa conversa aparentemente piedosa que prejudica a nossa humanidade, pois, quando isso acontece, todo conselho sobre santificação e lidar com o pecado se torna distorcido e, em última análise, autossubjugador para o cristão. Não somos chamados a desculpar-nos ou arrepender-nos de nossa humanidade.

No entanto, há outro tipo de “egocentrismo” que é destrutivo e do qual temos certamente de arrepender-nos. É aquele que chamamos de egoísmo. Saber a diferença entre egocentrismo próprio de criatura e egocentrismo pecaminoso pode ajudar-nos a crescer na graça e na verdade. E pode levar-nos a lavar mais frequentemente a louça para a nossa esposa.

O pecado cria uma perversão em nosso egocentrismo próprio de criatura que nos faz imaginar que somos não somente o centro de nosso mundo, mas também o centro do mundo de todas as outras pessoas. Esquecemos que somos parte da criação majestosa e interconectada de Deus, e esse esquecimento resulta em egoísmo restrito e destrutivo. Somos criaturas nobres e gloriosas, feitas à imagem de Deus, mas somos apenas uma parte desta criação. Não somos a sua totalidade. Embora seja verdadeiro que somos inescapavelmente o centro de nosso próprio mundo, isso está longe de afirmar que somos o centro do mundo. Somente o Criador trino é corretamente entendido como o centro do universo, pois a criação é dele – todas as coisas são dele, por meio dele e para ele (Rm 11.36).

Então, aqui está o dilema: por um lado, como criaturas não podemos – e não devemos – almejar escapar de nosso “eu”; por outro lado, nosso “eu” se tornou corrompido pelo pecado e não mais se relaciona corretamente com Deus ou com o resto de sua criação. Por causa de nosso pecado, somos, em uma única palavra, egoístas. O pecado tem afetado o modo como pensamos, sentimos e desejamos. Consequentemente, quando envolvemos o mundo, procuramos deturpar a criação de Deus para servir aos nossos anseios egoístas. Quando dirigimos, não imaginamos que o nosso horário é o mais importante no mundo de Deus? Quando deixamos de ver e valorizar os outros, revelamos um egocentrismo corrompido que ofende o Criador e sua criação. No processo, este egoísmo consome a nossa própria vida.

Toda a criação foi planejada para desfrutar da bondade do Criador, para adorá-lo como Senhor e Criador de todas as coisas. Consequentemente, cada parte deve valorizar e amar as outras partes. Um lado sinistro do pecado é que ele nos centralizou em nós mesmos. De maneiras perturbadoras, agimos sutilmente como se fôssemos o Criador e não a criatura, como se todas as coisas tivessem sido feitas apenas para nós.

Mas aqui também descobrimos a esperança cristã. Quando Deus redime o seu povo, ele também começa a levar-nos de volta à harmonia com a maneira de viver para a qual ele nos planejou originalmente. O criador Deus é também o Recriador. Como pessoas que foram redimidas por Cristo e livres no poder de seu Espírito, vemos que os nossos mundos começam a mudar. Enquanto o pecado nos inclina sempre para dentro de nós mesmos, para que sejamos consumidos pelo ego, o evangelho nos traz de volta a um amor apropriado pelo Criador e sua criação.

Encharcados no amor do Pai, na graça do Filho e na vigorosa comunhão do Espírito, somos capacitados a aquecer-nos no perdão de Deus. Somos livres para amar os outros, não apenas a nós mesmos. Enquanto o egocentrismo pecaminoso tende a prejudicar o indivíduo e os relacionamentos, o poder de Deus que dá vida age para restaurar o indivíduo e os relacionamentos. Paramos de preocupar-nos exclusivamente com nosso mundo e começamos a interessar-nos pelo mundo de Deus, o mundo que Deus amou tanto, que deu seu Filho unigênito por ele (Jo 3.16).

Usando o vocabulário bíblico, a questão não é se você tem um “eu”, mas se quem o governa é o “novo eu” ou o “velho eu” (Ef 4.20-24; 1 Co 5.7). Como Paulo escreveu à igreja em Colossos: “Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.9-10). Mentir aos outros é aceitável somente quando você crê que é mais valioso do que eles; e isso é uma perigosa incompreensão quanto à criação.

Quando Deus nos dar um novo “eu”, somos livres para adorar o Criador como o Senhor todo-poderoso, capacitando-nos a deixar para trás o velho “eu” e suas práticas dominadas por interesse próprio e autopreservação. Como pessoas libertas em Cristo, somos livres para amar a Deus e ao próximo, buscando o bem dos outros, mesmo quando isso envolve um custo pessoal. O velho “eu” pratica um amor próprio que é perverso e, em última análise, leva a autodestruição, enquanto o novo “eu” pratica o viver moldado pela cruz, cujo alvo é levar a vida e o amor de Deus às pessoas com as quais nos deparamos.

Em sua segunda carta a Timóteo, Paulo adverte sobre os “últimos dias”, quando este amor pervertido do ego se tornará mais evidente:

Pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes (2 Tm 3.2-5).

Olhando esta advertência pelo seu lado oposto, podemos ver como Paulo visualiza os cristãos vivendo para o bem de outros. Os crentes são chamados a não serem “egoístas”, porque reconhecem que pertencem a Deus e foram criados para os seus bons propósitos. Em nosso mundo pecaminoso, isso significa que somos chamados por Cristo a dar-nos em favor dos outros, para que eles conheçam o poder do amor de Deus por meio de nós. Essa é a liberdade radical do evangelho.

Pertencemos a Deus e, por isso, somos livres para amar apropriadamente o Criador e sua criação. Outra vez, pense no outro lado do que Paulo disse na passagem citada. Os cristãos são livres para dar dinheiro aos que estão em necessidade. Somos livres para volver-nos da arrogância para a humildade, reconhecendo nossa finitude e confessando nossas perversões pecaminosas da realidade. Somos livres para ser agradecidos, cheios de respeito e honra pelos outros, porque reconhecemos que tudo que temos é um dom de Deus. Somos livres para ter corações grandes, cultivar um senso de empatia pelos outros, quando entramos em sua história e sofrimento, procurando a felicidade e o bem-estar deles. Somos livres para amar a Deus mais do que amamos o nosso próprio prazer; portanto, somos capacitados a tomar a cruz de Cristo, segui-lo, matar nosso próprio egoísmo e buscar em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça. Somos livres da religiosidade mortal (a aparência de piedade), que fala usualmente do pecado de tal modo que nos tornamos o foco, em vez de levantarmos os olhos para Cristo e o poder transformador de seu Espírito. Em palavras simples, em Cristo somos livres para amar correta e alegremente o Criador e sua criação.

A piedade não nos chama a negar a realidade da condição egocêntrica, mas nos chama a repelir o egoísmo. Deus resiste ao soberbo. Quando somos arrogantes, esquecemos que somos criaturas, e nosso pecado nos torna “escarnecedores” em relação aos outros (Pv 3.34). Mas Deus concede graça aos humildes, porque os humildes reconhecem sua dependência de Deus e dos outros; por isso, eles são atenciosos e misericordiosos para com aqueles que estão ao seu redor (1 Pe 5.5; Tg 4.6). Embora não sejamos capazes de escapar das realidades da condição egocêntrica, podemos cultivar um cuidado e um amor para com os outros, capacitados pelo Espírito. Tomando o nosso lugar na recriação de Deus, sejamos prontos para ouvir, tardios para falar, tardios para ficar irados, promovendo o bem dos outros antes de nós mesmos, almejando sempre, por meio de nossas palavras e atos, trazer os outros de volta ao Criador trino, o único que pode libertar-nos da armadilha sombria de nosso egocentrismo (Tg 1.19; 1 Pe 2.12). Então, continue, permita que outro vá antes de você e, talvez, até lave a louça quando ninguém está olhando.

 

Tradução: Francisco Wellington Ferreira


Autor: Kelly M. Kapic

Ministério: Ministério Fiel

Ministério Fiel
Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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