quarta-feira, 11 de dezembro
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Há algo pior do que a morte

Nunca entenderemos a Bíblia, a missão da igreja ou a glória do evangelho, se não entendermos este aparente paradoxo: a morte é o último inimigo, mas não é o pior.

É claro que a morte é um inimigo, o último inimigo a ser destruído, Paulo nos diz (1 Co 15.26). A morte é o resultado trágico do pecado (Rm 5.12). Deve ser odiada e repudiada. Ela deve suscitar nossa ira e indignação lamentável (Jo 11.35, 38). A morte tem de ser vencida.

No entanto, por outro lado, ela não deve ser temida. Repetidas vezes, as Escrituras nos instruem a não temermos a morte. Afinal de contas, o que a carne pode fazer conosco (Sl 56.3-4)? O nome do Senhor é uma torre forte; os justos correm para ela e são salvos (Pv 18.10). Portanto, ainda que sejamos entregues aos nossos inimigos, nem um fio de cabelo cairá de nossa cabeça sem que Deus tenha ordenado (Lc 21.18). Como cristãos, vencemos pela palavra de nosso testemunho, e não por nos apegarmos à vida (Ap 12.11). De fato, não há nada mais fundamental no cristianismo do que a firme convicção de que a morte será lucro para nós (Fp 1.21).

Por isso, não tememos a morte. Antes, “estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2 Co 5.8).

O testemunho consistente das Escrituras é que a morte é grave, mas não é o último desastre que pode sobrevir a uma pessoa. Na verdade, há algo pior do que a morte. Muito pior.

Temei isso

Em geral, Jesus não queira que seus discípulos ficassem temerosos. Ele lhes disse que não temessem seus perseguidores (Mt 10.26), nem temessem aqueles que matam o corpo (v. 28), nem temessem por seus preciosos cabelos em sua preciosa cabeça (v. 31). Jesus não queria que eles temessem muitas outras coisas, mas queria realmente que temessem o inferno. Jesus lhes advertiu: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (v. 28).

Muitos falam freqüentemente como se Jesus estivesse no céu intimidando as pessoas com cenas de juízo. Mas esse sentimento expõe preconceito insensato, em vez de exegese cuidadosa. Jesus proferiu várias advertências quanto ao dia do juízo (Mt 11.24; 25.31-46), falou sobre condenação (Mt 12.37; Jo 3.18) e descreveu o inferno com termos vívidos e chocantes (Mt 13.49-50; 18.9; Lc 16.24). Precisamos apenas ler as suas parábolas sobre os lavradores maus, ou sobre as bodas, ou sobre as virgens, ou sobre os talentos, para compreendermos que Jesus motivava freqüentemente os seus ouvintes a atentarem à sua mensagem por adverti-los quanto ao juízo vindouro. Não era apropriado Jesus amedrontar as pessoas.

Obviamente, seria inexato caracterizar Jesus e os apóstolos como nada mais do que fanáticos propagandistas ambulantes, de olhares inexpressivos, os quais gritavam que as pessoas deviam arrependerem-se ou perecer. Deformamos o Novo Testamento se o transformamos em um grande panfleto a respeito de como salvar almas do inferno. Retratar Jesus e os apóstolos (sem mencionar João Batista) como que rogando fervorosamente às pessoas que fugissem da ira por vir e não imaginá-los como que delineando planos para uma renovação cósmica e ajudando as pessoas em sua jornada espiritual – isso seria mais próximo da verdade. Qualquer de nós que lê os evangelhos, as epístolas e o Apocalipse, com mente aberta, tem de concluir que a vida eterna após a morte é a grande recompensa pela qual esperamos e que a destruição eterna após a morte é o terrível julgamento que devemos querer evitar a todo custo. De João 3, Romanos 1, 1 Tessalonicenses 4 e Apocalipse…, bem, de todas esses passagens, não há nenhum capítulo que não mostre a Deus como grande Salvador dos justos e reto juiz dos ímpios. Há uma morte para os filhos de Deus que não deve ser temida (Hb 2.14-15) e uma segunda morte para os ímpios que deve ser temida (Ap 20.11-15).

Firme enquanto avança

Embora seja bastante impopular e desejemos abrandar suas implicações desagradáveis, a doutrina sobre o inferno é essencial ao testemunho cristão fiel. A crença de que há algo pior do que a morte é, evocando a figura empregada por John Piper, lastro para nossos navios ministeriais.

O inferno não é a Estrela Polar. Ou seja, a ira de Deus não é a luz que nos guia. Não estabelece a direção para tudo que diz respeito à fé cristã, como, por exemplo, a glória de Deus na face de Cristo. O inferno também não é o leme de fé que guia o navio, nem o vento que nos impele ao longo da viagem, nem as velas que captam as brisas do Espírito. Contudo, o inferno não é incidental ao navio que chamamos igreja. É o nosso lastro, e o lançamos fora ao custo de grande perigo para nós mesmos e para todos os que se afogam no mar.

Para aqueles que não são familiarizados com termos de navegação (e para mim, que os acho misteriosos), lastro se refere aos pesos, colocados geralmente na parte de baixo, no meio do navio, que são usados para mantê-lo estável na água. Sem lastro, o navio não se assentará apropriadamente na água. Ele sairá do curso mais facilmente ou será lançado de um lado para outro. O lastro mantém o navio em equilíbrio.

A doutrina sobre o inferno é como lastro para a igreja. A ira divina não pode ser um mastaréu decorativo ou a bandeira que erguemos no mastro. Essa doutrina pode estar por baixo das outras doutrinas. Pode até não ser vista. Mas sua ausência sempre será sentida.

Visto que o inferno é real, temos de preparar as pessoas para morrerem bem, muito mais do que nos esforçamos para ajudá-las a viver confortavelmente. Visto que o inferno é real, nunca devemos pensar que aliviar os sofrimentos na terra é a coisa mais amável que podemos fazer. Visto que o inferno é real, a evangelização e o discipulado não devem ser marginalizados como tarefas importantes que são equivalentes a pintar uma escola ou produzir um filme.

Se perdermos a doutrina sobre o inferno, sentindo-nos tão embaraçados que não a mencionamos ou tão sensíveis à cultura que não a afirmamos, podemos ter certeza disto: o navio vagueará. A cruz será destituída da propiciação, nossa pregação perderá a urgência e o poder, e nossa obra no mundo não mais se centralizará em chamar as pessoas à fé e ao arrependimento e em edificá-las para a maturidade em Cristo. Perder o lastro do juízo divino causará, por fim, mudança em nossa mensagem, nosso ministério e nossa missão.

Permanecendo no curso

Toda a vida deve ser vivida para a glória de Deus (1 Co 10.31). E temos de fazer o bem a todas as pessoas (Gl 6.10). Não precisamos justificar o preocupar-nos com nossas cidades, o amar o nosso próximo e o trabalhar duro em nossa vocação. Essas coisas são, também, “obrigações”. Contudo, tendo a doutrina sobre o inferno como lastro em nossos navios, nunca zombaremos dos velhos hinos que nos exortam a resgatar os que perecem, nem escarneceremos da obra de salvar almas, como se isso fosse nada mais do que um glorioso seguro contra incêndio.

Há algo pior do que a morte. E somente o evangelho de Jesus Cristo, proclamado pelos cristãos e protegido pela igreja, pode livrar-nos daquilo que devemos temer verdadeiramente. A doutrina sobre o inferno nos lembra que a maior necessidade de cada pessoa não será satisfeita por instituições como Nações Unidas, Habitat para a Humanidade ou United Way. É somente por meio do testemunho cristão, da proclamação do Cristo crucificado, que a pior coisa do mundo não recairá sobre todos os que estão no mundo.

Portanto, a todos os pastores admiráveis que se sacrificam, assumem riscos, amam a justiça, preocupam-se com os que sofrem e anelam renovar suas cidades, Jesus diz: “Muito bem, mas não esqueçam o lastro, rapazes”.

 

Traduzido por: Wellington Ferreira.

Do original em inglês: There’s something worse than death.


Autor: Kevin DeYoung

kevin DeYoung é o pastor principal da University Reformed Church, em East Lansing (Michigan). Obteve sua graduação pelo Hope College e seu mestrado em teologia pelo Gordon-Conwell Teological Seminary. É preletor em conferências teológicas e mantém um blog na página do ministério ­ The Gospel Coalition.

Parceiro: 9Marks

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