quinta-feira, 2 de maio
João Ferreira de Almeida

João Ferreira de Almeida e a tradução da Bíblia para o português

O primoroso trabalho de um servo de Deus à igreja de fala portuguesa

O ano é 1694. A tradução da Bíblia Sagrada para a língua portuguesa estava finalmente concluída. O autor do magistral trabalho de tradução da Bíblia para a inculta e bela língua portuguesa, realizada ao longo de mais de quatro décadas de empenho, visão, perseverança e enorme dedicação, foi João Ferreira de Almeida.

Pouco se sabe sobre sua infância e criação, exceto que nasceu em lar católico romano, em Portugal, provavelmente em Torre Tavares, no ano de 1628. A esta altura, qualquer movimento de Reforma na região havia sido de todo suprimido, mas, em algum momento de sua tenra juventude, por volta de seus 14 anos, João Ferreira se converteu à fé evangélica ao ter acesso a um livreto em espanhol de autoria de Cipriano de Vallera que falava sobre a diferença entre o catolicismo e a fé reformada, e que se tornou sua primeira obra de tradução para o português, sob o título A Differença da Christandade. Nesse momento, ele reconheceu a necessidade de a Bíblia ser traduzida para o português e declarou “espero…dar-vos em breve toda a Escritura Sagrada em vossa própria língua, que é a maior dádiva e o mais precioso tesouro, que nunca ninguém, que eu saiba até o presente, vos tenha dado.”

Por volta de 1644, aos 16 anos, Almeida migrou para o sudeste asiático e passou toda sua vida servindo nas regiões das colônias holandesas.

Seu primeiro destino foi Malaca, território da atual Malásia, que houvera sido, em passado recente, colônia portuguesa. Naquela altura, ele se ligou à Igreja Reformada da Holanda e já era reconhecido por sua erudição e habilidade linguística, sendo fluente em vários idiomas, como o latim, o espanhol, o francês, e o italiano (tendo mais tarde dominado o holandês). E foi aos 16 anos que empreendeu seu primeiro esforço de tradução da Bíblia para a língua portuguesa, tendo traduzido, conforme ele mesmo relata em 1688, “algumas epístolas e evangelhos dos santos apóstolos”, e usado como base o Novo Testamento em latim, editado por Theodoro de Beza em 1556. 

O trabalho de Almeida no campo da tradução começou em sua juventude e o acompanhou por toda vida. Ele traduziu para o português o Catecismo de Heidelberg, além de outras importantes obras de reformadores como Lutero, Calvino, Bullinger, Zwinglio, Melanchton, Ursinos e outros.

Além de tradutor e escritor, João Ferreira de Almeida se envolveu ativamente no ministério pastoral e na obra missionária. Em 1648, ele já estava ativo em seu serviço como membro da Igreja Reformada da Holanda, servindo comunidades de língua portuguesa. Ele foi auxiliar pastoral, e parte de suas responsabilidades envolviam a visitação de doentes. Nesse ofício, ele deveria ler as Escrituras e sermões de pastores reformados, ministrar por meio de orações e hinos, além de evangelizar com as Escrituras os que não conheciam a fé cristã.

Após migrar, em 1651, para a região da Batávia, na atual Jakarta, Indonésia, também controlada pela Holanda, foi ordenado ministro da Igreja Reformada da Batávia, em 1654, ocasião em que pregou o texto de Romanos 10.4 e jurou lealdade à Confissão Belga, aos artigos dos Cânones de Dort (os cinco pontos contra os remonstrantes) e ao Catecismo de Heidelberg. Em 1657, já casado, serviu como pastor missionário no Ceilão, Índia (atual Sri Lanka), até o ano de 1663, ocasião em que retornou para a Batávia a fim de pastorear a igreja de fala portuguesa, onde permaneceu até o fim de sua vida em 1691.

Almeida realizou um notável trabalho missionário, pastoral, polêmico e teológico – de reconhecida ortodoxia – e chegou a ser condenado pela Inquisição de Goa, Índia, sob a acusação de “calvinismo”. Como não puderam capturá-lo, queimaram simbolicamente a sua efígie na fogueira.

Durante todas essas fases, João Ferreira de Almeida seguiu completamente compromissado em trabalhos de tradução das Escrituras para o português. Esse era o seu grande sonho e foi o trabalho que o acompanhou durante toda a vida. Mesmo com saúde frágil — há relatos que dão conta de que Almeida enfrentou doenças crônicas que lhe causaram grandes dores e incômodo —, empenhou-se desde cedo a fim de produzir uma tradução oficial da Bíblia para o português. Suas primeiras traduções (1644-45; 1654) foram feitas ainda na juventude, como já vimos, e se serviram de traduções já existentes em outros idiomas.

Em seu trabalho final, iniciado por volta de 1665, Almeida já dominava as línguas originais da Bíblia e as utilizou como base para o seu trabalho. Ele concluiu a tradução do Novo Testamento em 1668 e, após um cuidadoso trabalho de revisão concluído em 1676, a primeira edição do Novo Testamento em língua portuguesa foi finalmente publicada em 1681, em Amsterdã, na Holanda. Uma grande vitória para a igreja cristã.

Ao concluir o Novo Testamento, Almeida logo empreendeu o trabalho de tradução do Antigo Testamento, tendo declarado que “se o Senhor quiser me dar vida, tempo e saúde, então espero, com todas as minhas forças, apesar de serem bem poucas, também traduzir, dentro de poucos anos, o Velho Testamento, e assim poderei vos honrar com a Bíblia toda em vossa língua materna, que será a maior dádiva e o mais precioso tesouro que alguém jamais vos terá dado.”

Almeida partiu desta vida em 1691, sem ver completa sua magnum opus, a tradução de toda Bíblia Sagrada para o português. O texto de Ezequiel 48.21 registra as palavras derradeiras da tradução de Almeida. Embora esse não seja um versículo particularmente memorável, faz parte de uma linda seção que relata a visão que o Espírito lhe concedeu da imagem de uma nova cidade, construída por Deus, na qual ele mesmo promete habitar entre os homens. O versículo 35, o último do livro de Ezequiel, faz esta solene afirmação, dizendo “o nome da cidade será: O SENHOR está ali”.

Os auxiliares de Almeida continuaram sua tradução e a Bíblia Almeida foi finalmente concluída em 1694. Sua primeira impressão completa, porém, aconteceu apenas em 1751, em dois volumes, depois de passar por várias e importantes revisões. Desde sua primeira impressão, no século XVIII, até nossos dias, pelo menos 2000 diferentes edições de sua tradução foram feitas e, segundo cálculos de Frei Herculano Alves, especialista nas obras de Almeida, cerca de 200 milhões de cópias de sua tradução foram produzidas e publicadas, fazendo de Almeida o autor de língua portuguesa mais lido da história.

A primorosa obra de João Ferreira de Almeida, feita num estilo clássico, de português castiço e rico vocabulário, no melhor esforço de equivalência formal do texto, foi a primeira de muitas outras traduções que se seguiram, mas ainda permanece como a principal tradução da Bíblia Sagrada para a língua portuguesa e um dos grandes patrimônios da língua portuguesa para a fé cristã. 

A história da Reforma é a história da Bíblia. O grande lema da Reforma e sua causa formal foi o “Sola Scriptura” – a redescoberta de nossos pais reformadores que somente a Bíblia é a autoridade final em matéria de fé e piedade, sob a qual a consciência do cristão deve submeter-se completamente. Na medida em que a Bíblia passou a ser semeada na língua do povo, o Espírito de Deus se agradou em fazer soprar o fôlego da fé em Cristo nessas nações.

Uma nova página da história da fé e da Igreja estava sendo escrita a cada nova página da Bíblia traduzida para o português. Foi Almeida mesmo quem disse, sobre a Bíblia, ter esta “de si mesma bastantíssima autoridade e contém suficientissimamente em si toda a doutrina necessária para o culto e serviço de Deus e a nossa própria salvação.

A tradução da Bíblia para a língua portuguesa representou o alvorecer da luz da aurora da graça e da salvação de Deus para incontáveis almas, fazendo vicejar uma nova igreja, a igreja de fala portuguesa, que haveria de se juntar à “geração eleita, nação santa e povo exclusivo de Deus”, para a glória de Cristo. 

 

Este artigo foi retirado com permissão da Bíblia de estudo da Fé Reformada com concordância, Editora Fiel e Ligonier


Autor: Tiago Santos

Tiago Santos é Diretor Executivo do Ministério Fiel, um dos pastores da Igreja Batista da Graça e co-fundador e diretor do programa de estudos avançados no Seminário Martin Bucer. É bacharel em direito pela Universidade do Vale do Paraíba e estudou teologia no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e na Universidade Luterana do Brasil. Casado com Elaine e pai de três filhos: Tiago, Gabriel e Rebeca.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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