quinta-feira, 12 de dezembro
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Membresia de igreja e contextualização

Fazer teologia envolve expressar constantes bíblicas universais de maneiras que sejam significativas a um contexto particular. Havendo passado a maior parte das duas últimas décadas plantando igrejas em outras culturas, eu não poderia ter recusado essa lição mesmo que quisesse fazê-lo. Plantadores de igrejas transculturais são continuamente desafiados pela necessidade de ensinar a doutrina cristã e, ao mesmo tempo, incitar aplicações contextualmente significativas e apropriadas daquela doutrina.

Como, então, formulamos uma doutrina da membresia da igreja local sensível ao contexto? Essa é a pergunta que este artigo buscará responder. Nossa doutrina da membresia de igreja deve nos aproximar de uma constante bíblica universal, mas formular como essa doutrina é vivida de modo cultural e contextual nos leva a uma variedade de expressões particulares dessa constante universal.

Uma doutrina bíblica universal da membresia de igreja

Plantadores de igreja em contextos estrangeiros hão de desejar, junto com os crentes locais, examinar a Escritura e tentar expressar uma doutrina simples da igreja local em linguagem apropriada. Isso há de envolver não apenas olhar para textos em que a palavra “igreja” (ekklesia) é utilizada, mas também a leitura de livros inteiros do Novo Testamento. O objetivo, aqui, é extrair o que o Novo Testamento diz sobre a igreja local, a comunidade identificável dos que crêem. Como se estabelece a linha entre os de dentro e os de fora? Entre os associados e os descrentes? Será importante considerar o que o texto bíblico assume e implica acerca da “membresia” em livros como Romanos, Hebreus, 1 João e 1 Pedro, assim como os códigos domésticos ao final das cartas de Paulo.

Por exemplo, deixe-me tentar expor, para um contexto pioneiro, a doutrina (constante bíblica universal) da membresia de igreja, do modo como poderia ser explicada a uma igreja local de primeira geração:

Uma igreja local tem uma membresia identificável de pessoas batizadas, segundo as Escrituras, com base em uma profissão crível de fé em Jesus Cristo como Salvador e Senhor, considerando-se uma profissão crível aquela que é acompanhada por contínuo arrependimento e fé no evangelho. Esses membros são intencionais quanto a serem uma (ou a) assembléia local naquele determinado lugar. A participação nos benefícios do evangelho ordinariamente está vinculada a associar-se e estabelecer um pacto com uma igreja local, na qual os crentes buscam desenvolver todos os seus relacionamentos com humildade à luz do evangelho, como aqueles cujo verdadeiro lar é em outro lugar.

Certamente, muito mais poderia ser dito acerca da membresia de igreja, como a prática regular de tomar a Ceia do Senhor como um benefício do evangelho. Mas essa é apenas uma expressão simples da doutrina da membresia da igreja local para um contexto novo ao cristianismo, um contexto no qual o evangelho era desconhecido por pelo menos algumas gerações.

Terminologia da membresia: Associados? Membros? Participantes?

A Bíblia presume algum tipo de membresia na igreja local, mas não nos dá uma palavra específica para “membresia”. Como então nós podemos falar ou escrever acerca da “membresia” de uma maneira que seja significativamente compreendida na cultura? A resposta depende em parte das palavras que estão disponíveis a nós no idioma local. Um plantador de igreja transcultural precisa considerar que tipos de membresia já existem a fim de compará-las com o ideal bíblico – especialmente se escolhermos uma palavra mais genérica para membresia.

A membresia de igreja bíblica é de um tipo diferente da participação ou membresia em um monastério hindu, um templo budista, uma mesquita islâmica ou uma ordem sufi. Um plantador de igreja precisa estar cônscio dessas diferenças.

A vida doméstica e familiar pode oferecer alguns conceitos úteis de “pertencimento”. Mas a linguagem de “pertencimento” não necessariamente captura a idéia de “associar-se”, exceto talvez no contexto do casamento. Contudo, mesmo aqui, muitas culturas perderam de vista o que Gênesis diz acerca de deixar a própria família e tornar-se outra – uma nova unidade familiar.

Em resumo, a doutrina bíblica não muda, mas é preciso considerar cuidadosamente como as palavras relativas à membresia são traduzidas a um contexto particular. Em geral, o plantador provavelmente desejará usar a linguagem da “associação”, da “parceria” e da “irmandade” a fim de expressar a idéia bíblica da membresia de igreja.

Aplicação contextual: membresia e cartas escritas?

Nas sociedades móveis e difusas do Ocidente, os crentes são livres para se reunirem sem interferência oficial ou perseguição. Em tal cenário, listas escritas de membresia constituem uma aplicação apropriada das constantes bíblicas. Elas podem até mesmo ser necessárias a fim de permitir à congregação e seus líderes manterem registro de quem é e quem não é membro da igreja. O objetivo de tais listas é distinguir os membros da igreja de pessoas que professam a fé, mas não prestam contas, e manter registro daqueles que recebem a disciplina corretiva.

Mas em um contexto pioneiro, restritivo ou hostil, os poucos crentes provavelmente conhecerão todos uns aos outros. Pode ser que haja apenas uma opção de igreja local, uma reunião “não tão pública” em uma casa ou apartamento local. Ou pode haver uma rede de igrejas locais em apartamento. Aqui, manter listas de membros pode não ser sábio, uma vez que cria riscos desnecessários para o corpo local quando casas são vasculhadas e livros e papéis, confiscados. Além disso, não há crentes desconectados e as fronteiras da igreja local estão muito claras a todos. A perseguição esclarece as fronteiras ainda mais. Quando uma pessoa é batizada em tal contexto, é muito claro (para os de dentro e alguns de fora) que ela afora pertence a Cristo e à sua assembléia local. O desejo pelo batismo, em tais contextos, é uma profissão de fé inerentemente crível. Quando um crente é expulso de sua cidade natal e precisa se identificar com outra igreja subterrânea local, ele geralmente já é conhecido pela igreja que o recebe. As notícias de perseguição correm rápido. Geralmente não há necessidade de uma carta escrita de recomendação. Insistir nessa prática é simplesmente desnecessário.

Em uma sociedade mais complexa e diversificada, na qual o cristianismo é aceito e as igrejas locais desfrutam de permissão legal, listas de membresia e cartas de transferência escritas são aplicações sábias da membresia identificável.

A constante universal é que a igreja local deve saber quem é um participante e quem ainda está de fora. Preocupações culturais guiam o modo como essa constante é aplicada localmente.

Aplicação contextual: pactos escritos e seu conteúdo?

Associar-se a uma igreja local é concordar em viver junto a outros crentes de um modo que seja digno do chamado de Deus de viver como um povo eleito, sacerdócio real e nação santa. É concordar em demonstrar a glória de Deus por meio de uma vida centrada no evangelho e de relacionamentos centrados no evangelho. Em outras palavras, a igreja local é uma comunidade de fé em um mundo hostil, na qual nossos relacionamentos com Deus, uns com os outros e com os de fora são singularmente centrados no evangelho e visam à honra de Deus.

A fim de esclarecer essas responsabilidades relacionais com um conteúdo particular, muitas igrejas na história do cristianismo se beneficiaram do uso de um pacto congregacional escrito.

A tendência geral do ensino do Novo Testamento acerca da igreja aponta para o quão importante é ser claro a respeito de nossos propósitos ao nos congregarmos e a respeito da fronteira entre os de dentro (membros) e os de fora (não membros). Em um sentido, podemos dizer que a Bíblia inteira, e o Novo Testamento em particular, fornece à igreja uma lista completa de “regras pactuais” (propósitos e expectativas para a igreja). Ao mesmo tempo, um pacto escrito serve como um tipo de sumário recitável das expectativas relacionais para a igreja local.

Quanto mais intencionalmente bíblica for a linguagem de um pacto congregacional, melhor. Igrejas nos lares, por exemplo, podem reunir uma série de frases do Novo Testamento que descrevam os deveres e privilégios dos membros com apenas pequenos ajustes de linguagem (ou talvez nenhum) para o seu pacto congregacional.

Um pacto congregacional pode ser longo ou curto, mas deve enfatizar as expectativas relacionais para os membros da igreja. Ele pode ser escrito e regularmente recitado, ou memorizado, até mesmo cantado ou entoado, a depender da cultura e do nível literário. Pode ser cantado, recitado ou lido sempre que as ordenanças do batismo ou da Ceia do Senhor forem observadas. As famílias podem usar o pacto como um meio de ensinar as crianças o que significa associar-se à igreja e como o evangelho muda as vidas e capacita os seguidores de Jesus a viver de modo distinto neste mundo.

Um pacto congregacional deve incluir tanto afirmações ou versículos que seriam incluídos em quaisquer pactos como afirmações que dependem de considerações culturais. Assim, todos os bons pactos descreverão os deveres relacionais da vida familiar, da vida congregacional e da vida no mundo. Mas uma igreja estabelecida numa cultura abertamente hostil ao cristianismo pode precisar de um pacto que seja mais explícito acerca do amor pelos nossos inimigos ou do chamado a suportar perseguição. Pactos em todos os cenários culturais podem exortar a um compromisso diligente com a ousadia no evangelismo e no fazer discípulos, mas apenas alguns cenários podem demandar ser explícito acerca de exigir que os membros renunciem à adoração ancestral e a práticas supersticiosas. Em sociedades marcadas por guerra e uma mentalidade combatente, um compromisso com a pacificação e a reconciliação provavelmente devem ser inclusos. Se um pacto fosse escrito aos cretenses, que a si mesmo chamavam mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos, ela deveria incluir um compromisso com a verdade no falar, a bondade, boas obras, sobriedade e domínio próprio. Em culturas nas quais os relacionamentos são rotineiramente sexualizados, os pactos podem enfatizar a vida casta, a modéstia e a rejeição da pornografia.

Seja qual for o conteúdo, um pacto deve enfatizar a ética relacional universal do evangelho, bem como deve ser apropriadamente particularizada. Deve fazer sentido para uma igreja local, tendo em vista seus pecados relacionais particularmente prevalecentes. Esse equilíbrio entre universalidade e particularidade ajuda os membros da igreja a “disciplinarem” uns aos outros nas áreas em que isso é mais necessário.

Aplicação contextual: unindo-se à igreja local

Na definição acima acerca das constantes bíblicas universais da membresia da igreja local, eu não descrevi como as pessoas devem associar-se a uma igreja local. Isso foi intencional.

Eu de fato mencionei o batismo bíblico, uma profissão crível de fé e uma vida que exibe contínuo arrependimento e fé em Cristo. Mas o modo exato como as igrejas locais em contextos diversos devem examinar associados em potencial, provavelmente, será variável.

Entrevistas de membresia conduzidas por presbíteros podem fazer muito sentido em sociedades complexas e anônimas. Mas onde as igrejas são muito pequenas, talvez a igreja toda deva entrevistar os candidatos. Havendo toda a igreja ouvido o testemunho de conversão do indivíduo e sua explicação do evangelho é um procedimento cauteloso adequado e muito encorajador para a igreja local.

Em conclusão, plantadores de igreja transculturais, assim como todo líder de igreja fiel, devem trabalhar duro para expressar as constantes bíblicas universais em expressões doutrinárias significativas, mesmo quando buscamos distinguir a doutrina das aplicações particulares e culturais dessa doutrina. Em todo tempo, voltamos à Palavra em oração para recebermos instrução e correção.

 

Tradução: Vinícius Silva Pimentel
Revisão: Vinícius Musselman Pimentel


Autor: Ed Roberts

Ed Roberts tem plantado igrejas na Ásia Central por quase vinte anos.

Parceiro: 9Marks

9Marks
O ministério 9Marks tem como objetivo equipar a igreja e seus líderes com conteúdo bíblico que apoie seu ministério.

Ministério: Ministério Fiel

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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