sábado, 20 de abril

Não somos de nós mesmos

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Sobre Deus, Brittany Maynard e o Suicídio Medicamente Assistido

Em diversos vídeos de cortar o coração (aquiaqui e aqui), Brittany Maynard, de 29 anos, falou sobre sua intenção de tirar a própria vida, possivelmente amanhã, através do suicídio medicamente assistido no Óregon, por causa de seu tumor cerebral fatal, inoperável, que crescia rapidamente.

Joni Eareckson Tada, que sofreu com mais intensidade e por mais tempo do que a maioria de nós, respondeu ao pesaroso plano da Brittany com empatia e convicção bíblica. Todas as considerações da Joni merecem ser ponderadas com seriedade. A que eu quero analisar é a seguinte consideração: Ela disse: “Eu entendo que a dor que a Brittany enfrenta é grande e que suas opções de tratamento são limitadas e têm seus próprios efeitos colaterais devastadores, mas eu acredito que a Brittany está deixando de levar em consideração um fator crucial em sua decisão pela morte: Deus”. Outros escreveram com apelos abertos à Brittany. Eu escrevo principalmente para aqueles que estão considerando voltando a refletir sobre essa questão à luz da história da Brittany.

O câncer é um inimigo

Eu odeio o câncer. Ele frequentemente trabalha como cúmplice de nosso “último inimigo”, a morte (1 Coríntios 15:26). A morte não fazia parte do Paraíso que Deus criou no princípio. E a morte não fará parte da nova terra que existirá na ressurreição. Nesse sentido, a morte se opõe à bondade última que Deus projetou para esta criação. Ela é um inimigo.

Mas na ressurreição, “não haverá mais morte” (Apocalipse 21:4). A morte passou a existir através da incitação do diabo ao pecado. Mas o próprio diabo foi destituído de seu poder para condenar quando Cristo morreu pelos pecadores. Deus tem a última palavra. Seu Filho assumiu a natureza humana “para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo” (Hebreus 2:14).

Então, a morte é temporária. Ela ruge com uma raiva assustadora. Mas para aqueles que estão em Cristo, suas presas foram removidas.

“Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Coríntios 15:54-55)

Resposta: “O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Coríntios 15:56-57). Em outras palavras, Cristo carregou a maldição da lei por nós (Gálatas 3:13). Portanto, a lei não pode nos condenar por nossos pecados (Colossenses 2:14-15). Eles estão cobertos. O aguilhão – as presas – foi removido.

Portanto, em Cristo nós morreremos fisicamente, mas não espiritualmente. Nossas almas vão para casa (2 Coríntios 5:8); elas partem para “estar com Cristo” (Filipenses 1:23). Depois, quando ele voltar para a terra, nossos corpos serão ressurretos e glorificados (1 Tessaloniscenses 4:15-16).

Sujeita à Vaidade – Em Esperança

Mas embora, no princípio, Satanás tenha incitado o pecado e a morte veio pelo pecado (Romanos 5:12), o próprio Deus foi o juiz que aplicou a sentença de morte na raça humana. O horror da morte é a resposta de Deus ao horror do pecado. A morte é projetada por Deus para ser o espelho físico do ultraje moral da rebelião humana contra Deus.

Portanto, Deus nos diz que, em resposta ao pecado, “a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança…” (Romanos 8:20). Somente Deus seria capaz de fazer isso. Nem Adão, nem Satanás com vistas à esperança do mundo vindouro. Isso foi obra de Deus. Deus determinou a morte para a raça humana. Ele fez isso com vistas à derrota e remoção final da morte. Mas foi ele quem fez.

Então, a Bíblia prossegue dizendo, “…na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8:21). Por enquanto, há um cativeiro da corrupção da morte. Mas o dia da liberdade está chegando. São tempos designados por Deus.

Até lá, nós morremos. E nós vivemos com Cristo. Essa morte e essa vida são designadas por Deus. Satanás incitou o pecado. Adão e Eva pecaram. E Deus decretou a consequência do pecado, a saber, a morte.

E ele está removendo essa consequência por partes. Na primeira vinda de Cristo, a imensurável pena pelo pecado foi paga (Colossenses 2:14). Na segunda vinda, os efeitos miseráveis do pecado serão completamente removidos. “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Coríntios 15:26). A morte não existirá mais.

Mas até lá, o controle último sobre a morte e sobre a vida pertencem a Deus. Ele introduziu a morte e ele a removerá. E enquanto a morte existe, ele reivindica direitos exclusivos sobre ela. “Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão” (Deuteronômio 32:39; confira também 1 Samuel 2:6).

Portanto, a reverente resposta de Jó quando estava enlutado pela morte de seus dez filhos estava profunda e dolorosamente correta. “O SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!” (Jó 1:21)

Como, Então, Morreremos?

Como, então, devemos pensar sobre os nossos direitos em relação à morte? A vida deve estar sob o nosso controle? Nós temos autoridade para criar ou eliminar?

O apóstolo Paulo não nos deixou sem ajuda nessa questão. De quem nós somos? A quem nós pertencemos? De quem é o nosso corpo? Ele responde: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo.” (1Co 6:19-20)

Essas palavras foram ditas para nos guiar em relação a nossa sexualidade. Mas o princípio é o mesmo para a morte. Quanto mais sérias as consequências em relação ao corpo e à alma, mais firme se mostra esse princípio. E a morte traz as maiores consequências para o corpo e para a alma. É o momento que define o destino final dos dois (Lucas 16:26; Hebreus 9:27). Portanto, o princípio é confirmado na morte: Não somos de nós mesmos.

Nossos corpos – sua vida, sua morte – pertencem a Cristo. Ele os comprou. Não são nossos para fazermos o que quisermos. Pertencem a ele e existem para a vontade e glória dele.

Paulo se expressa assim não somente quando fala sobre a sexualidade, mas também quando fala sobre a morte.

“Porque nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor. Porque foi para isto que morreu Cristo, e ressurgiu, e tornou a viver, para ser Senhor, tanto dos mortos, como dos vivos”. (Romanos 14:7-9)

Todos os três pontos de 1 Coríntios 6 estão presentes aqui, não com referência ao sexo, mas explicitamente com referência à morte. Cristo pagou o preço com sua vida para que fosse o legítimo Senhor sobre os vivos e os mortos. Portanto, não pertencemos a nós mesmos; pertencemos ao Senhor. Portanto, nós vivemos e morremos “para o Senhor”. Isto é, a vida e a morte não são nossas questões particulares. Não são as opções que temos. Ele nos comprou. Pertencemos a ele. Nós vivemos e morremos para ele – dependendo dele, de acordo com a vontade dele e para a glória dele.

Por isso, “não matarás” (Êxodo 20:13) é colocado em um fundamento inteiramente novo. Nossas vidas pertencem a Deus não somente porque fomos criados à imagem dele, mas agora também pertencemos a ele – na vida e na morte – por causa da compra de Cristo. Nós não pertencemos a nós mesmos duplamente. Nossa vida e nossa morte pertencem a Deus. Ele dá e ele toma. E ele colocou um selo duplo nesse direito exclusivamente divino: Você pertence a mim, por nascimento e pelo sangue. Você não vive e você não morre nos seus próprios termos.

Quais são os termos de Deus? Nós podemos arriscar as nossas vidas para salvar outras pessoas (Atos 20:24; Filipenses 2:30). E no sofrimento, nós podemos buscar diminuir a dor – a nossa e a de outras pessoas (1 Timóteo 5:23; Lucas 10:37). Deus colocou esse privilégio em nossas mãos. É parte da remoção parcial da maldição da queda. Mas o direito de dar fim às nossas vidas não foi posto em nossas mãos.

Nossos Sofrimentos Finais Não São Sem Sentido

O fato de que o sofrimento quase inevitavelmente aumenta quando a morte se aproxima é uma perspectiva muitas vezes assustadora. Até aqueles que não tem medo da morte estremecem na hora da morte. Eu já vi muito sofrimento na hora da morte. No funeral de uma jovem mãe, eu disse: “O grande triunfo foi que ela nunca amaldiçoou a Deus”. Além disso, foi terrível.

Mas esse fato trágico – que o apóstolo sofredor conhecia melhor do que qualquer um de nós – não mudou a verdade: Dar e tomar a vida pertence a Deus, não a nós. E o sofrimento de nossos últimos dias não são sem sentido.

“Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas”. (2 Coríntios 4:16-18)

Antes que alguém zombe das palavras, “leve e momentânea”, saiba que Paulo estava falando de uma vida inteira de sofrimento. Ler os detalhes é quase insuportável (2 Coríntios 11:23-28). “Leve” está em contraste com peso de glória. “Momentâneo” está em contraste com eterno. Paulo sabia que “fomos sobremaneira agravados mais do que podíamos suportar, de modo tal que até da vida desesperamos” (2 Coríntios 1:8). Esse sofrimento não foi leve. Não foi momentâneo. Somente se comparado com a duração e com a glória do Céu.

Mas o ponto central desse texto é que os nossos sofrimentos finais não são sem sentido. Eles “produzempara nós um peso eterno de glória” (2 Coríntios 4:17). “Produzem” – operando, efetuando e trazendo à existência.

E os cônjuges, mães, pais, irmãos e irmãs não ficam simplesmente observando com tristeza. Eles servem, cuidam e amam. Sim, o suicídio pode poupá-los da dor de ver o sofrimento. Mas também os priva do privilégio de servir. Quando cuidamos das pessoas que amamos e estão prestes a morrer, há momentos tão intensos de amor auto-sacrificial que não poderiam ser substituídos pela morte.

Diante do Grand Canyon

Brittany Maynard aproveitou seus últimos dias com viagens para as geleiras do Alasca, para o Parque Nacional Kenai Fjords e para o Grand Canyon. Em certo sentido, isso é totalmente compreensível. Nós fomos criados para a beleza. Mas em outro sentido, é enigmático. Se tem algo que ficar diante do Grand Canyon não faz por você é aumentar seu senso de autonomia. Faz você se sentir pequeno e vulnerável na presença da grandeza e da majestade.

Isso é bom, pois nós somos pequenos e frágeis. Nós não somos autônomos. Não fomos criados para ser. Beleza, sim. Alegria, sim. Grandeza, sim – fora de nós, enchendo-nos de adoração e fascinação. Fomos criados para Deus.

Em um de seus vídeos, Brittany disse com sabedoria: “Certifique-se de que você não está perdendo nada. Aproveite o dia. Com o que você se importa? O que é importante? Busque isso e esqueça o resto”.

Eu concordo completamente. O que importa é que fostes comprados por preço. Não pertencemos a nós mesmos. Nós vivemos, morremos e sofremos pela glória de Cristo, nosso Senhor. E nós nunca esquecemos da verdade que faz tudo valer a pena: “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Romanos 8:18).

 

Tradução: Frank Brito.

Revisão: Filipe Castelo Branco.

Fonte: We Are Not Our Own.


Autor: John Piper

John Piper é um dos ministros e autores cristãos mais proeminentes e atuantes dos dias atuais, atingindo com suas publicações e mensagens milhões de pessoas em todo o mundo. Ele exerce seu ministério pastoral na Bethlehem Baptist Church, em Minneapolis, MN, nos EUA desde 1980.

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