quarta-feira, 11 de dezembro
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Negligenciando a alma

A Bíblia nos adverte inúmeras vezes a vigiarmos nosso próprio coração. Apesar disso, com grande freqüência, os crentes tropeçam e caem por falta de diligência no cumprimento deste dever elementar! Não é em vão que a Bíblia nos diz: “Melhor é o longânimo do que o herói da guerra, e o que domina o seu espírito, do que o que toma uma cidade” (Pv 16.32).

Muitos homens têm servido seu país como presidente ou primeiro-ministro, todavia, não têm sido capazes de cuidar de seu próprio coração e vida, protegendo-os de pequenas concupiscências e tentações comuns. Muitos líderes distintos têm comandado exércitos na terra e esquadras no mar, porém não têm sido capazes de resistir um ou dois pecados assediadores. As batalhas mais intensas não ocorrem fora de nós, e sim em nosso íntimo. Esta é a maneira como a Bíblia encara o assunto. Por esta razão, a Palavra de Deus nos diz: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23).

Guardar o coração não é uma obra pela qual os homens nos louvarão ou nos darão reconhecimento. É uma atividade secreta da alma, oculta para todos, exceto para Deus. Esta obra não nos proporcionará um título honroso de Doutor em Divindade, tampouco nos levará a alguma posição de prestígio acadêmico. Por conseguinte, é pecaminoso minimizar este dever secreto de vigiar o próprio coração, vendo-o como uma tarefa insignificante na qual não devemos prender nossa atenção.

Somos propensos, especialmente quando crentes novos, a medir a importância de nossos deveres espirituais pelo grau de posição que eles nos proporcionam diante das pessoas. Talvez isto não seja totalmente errado, mas é uma atitude que tem os seus perigos. A escada de Satanás para a fama e o sucesso geralmente tem degraus podres que os homens não percebem de imediato.

Somos bastante imaturos no que diz respeito a avaliarmos nossas prioridades espirituais. Podemos nos preparar com diligência para realizar deveres exteriores e nos apressar nas preparações secretas. Nossos sermões estão prontos, mas nosso coração está despreparado. Nossa vida exterior é impressionante, porém nossa vida particular pode estar em desordem. Pregamos contra o pecado com muita ortodoxia, contudo, não lamentamos suficientemente a respeito do pecado em nossa devoção particular. De que outra maneira podemos explicar as quedas de pastores que nos deixam admirados e chocados? De que outro modo podemos justificar os escândalos repentinos e as trágicas apostasias? O homem interior do coração foi esquecido na pressa e afobação de atendermos aos deveres públicos.

A Bíblia corrige esta abordagem desequilibrada a respeito das prioridades espirituais. Ela nos instrui a olhar para a nossa própria alma, antes de colocarmos o mundo ao nosso redor em ordem. A Bíblia nos ordena a nos certificarmos quanto à raiz, antes de nos preocuparmos com as flores e os frutos. Se a raiz for saudável, haverá bom fruto no devido tempo. No entanto, frutos prematuros podem murchar e morrer, em pouco tempo, quando as raízes da árvore são negligenciadas. “Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta” (Jo 15.2).

A alma é o maior tesouro que possuímos. Portanto, guardar a alma e cuidar da saúde dela é a nossa mais elevada sabedoria. Apesar disso, quão raramente o fazemos! Se a sociedade reflete as opiniões íntimas do homem a respeito da vida, que lugar insignificante a alma ocupa em nossos dias! Os pais espirituais edificaram igrejas; nós construímos supermercados e estádios. Os pais espirituais liam a Bíblia e estudavam teologia, mas nós lemos — se é que lemos — ficção, fantasia e tolices. Os pais espirituais vigiavam a sua alma e a de seus filhos; todavia, as pessoas de nossa época pensam apenas no corpo e seus apetites. Devemos esperar que o mundo exterior siga o seu ponto de vista pagão a respeito da vida. O crente, porém, nunca pode abandonar suas prioridades bíblicas. A preocupação com a alma tem de vir em primeiro lugar, se nossas vidas têm de glorificar a Deus.

O crente deve cuidar de sua alma como se esta fosse uma propriedade de Deus em seu íntimo. Afinal de contas, a alma é aquilo que nos distingue dos animais. A alma é a parte que originalmente portava a imagem de Deus. Nossa alma é imortal e eterna. Embora o pecado tenha danificado severamente a imagem de Deus na alma, a regeneração restaura, no verdadeiro crente, esta imagem perdida. Se conhecemos o valor da alma, devemos mantê-la como uma coroa de jóias e colocar em alerta todas as faculdades que possuímos, a fim de protegê-la.

Uma das razões para vigiarmos nossa alma deve ser esta: um deslize pode estragar, de uma só vez, todo o bem que tivermos realizado. Um homem pode ser um missionário ou um pregador fiel durante vários anos. Mas, se ele escorregar e prejudicar sua reputação, por causa de algum tropeço irrefletido, todas as boas coisas que ele realizou durante vinte ou mais anos serão apagadas da mente dos homens, devido a este tropeço, que foi praticado talvez em um único dia. Essa é a natureza precária da vida que desfrutamos como pessoas espirituais. Andamos em uma corda-bamba moral em todo o nosso caminho, até chegarmos seguros do outro lado.

Esta deve ser a segunda razão para vigiarmos nossa alma: a sutileza de nosso inimigo. Talvez não lembramos como deveríamos o fato que temos um adversário que não cessará, em momento algum, de tentar levar-nos à queda? Satanás conhece bem nossa fragilidade e nosso amor pela comodidade. Ele pode adaptar sua isca ao nosso gosto. Satanás pode nos oferecer, assim como ofereceu ao apóstolo Pedro, um fogo onde poderemos nos aquentar. Ele pode encontrar, assim como o fez a Sansão, uma Dalila que nos induza ao sono fatal. Satanás pode misturar seu cálice com tanta esperteza, que o bebedor não acordará, até que sua alma esteja nas chamas do inferno. Aquele que duvida de tudo isso deve pensar em Balaão, Saul e Judas Iscariotes.

Se precisamos de uma terceira advertência para não negligenciarmos nossa alma, esta advertência deve ser: o extremo cuidado que nosso bendito Senhor demonstrou em relação a Si mesmo. Aos doze anos de idade, Ele se mostrou mais preocupado em adquirir conhecimento da verdade do que em sentir medo de deixar seus pais inquietos. Esta é uma lição que nos ensina como o homem perfeito valoriza os meios da graça e anela fazer a vontade de Deus. Os nossos queridos, se for necessário, têm de sofrer um pouco de tristeza, mas nada nos deve impedir de nos envolvermos nos interesses de nosso Pai (cf. Lucas 2.49). Portanto, veja o nosso Senhor em suas tentações no deserto, enquanto repele a Satanás, em cada ataque, e vence todas as investidas dele. Veja-O também colocando Pedro no seu devido lugar: “Arreda” (Mt 16.23). A amizade era preciosa, mas não podia se interpor entre Cristo e sua missão de ir à cruz.

Vigiar nossa alma significa, como o Senhor Jesus nos mostra, manter vigilância firme e intensa sobre o nosso senso de obrigação para com Deus. Significa colocar a vontade de Deus em primeiro lugar em todas as nossas atitudes. Significa preferir o caminho do dever, em vez do caminho do prazer. Significa odiar todas as influências e todas as sugestões que podem enfraquecer nossa dedicação à vontade de Deus ou enfraquecer nossa resolução cristã de colocar a glória de Deus à frente de todas as outras considerações.

Visto que temos um coração corrupto, é possível abandonarmos o “primeiro amor” (Ap 2.4). Quer seja por mau exemplo, quer seja por engano, quer seja apenas por causa de enfraquecimento da determinação, o crente pode aprender a abaixar o padrão de sua obediência. Aquilo que em sua alma começou como ouro se tornou prata no decorrer dos anos; depois, bronze, e, por fim, é apenas ferro ou ferrugem. Outrora, ele vivia; agora, porém, tem apenas nome de que vive (Ap 3.1). Sua prata agora é escória, e seu vinho está misturado com água. Isto não acontece em sua totalidade com o verdadeiro crente, mas a sua vida cristã pode em certa medida tornar-se assim. O que causou isso? Ele negligenciou a sua alma.

Quando uma casa sofre um afundamento, toda a sua estrutura é afetada. De modo semelhante, quando um crente negligencia sua alma, todos os aspectos de sua vida espiritual entram em declínio visível. Antes, esse crente acreditava na infalibilidade da Bíblia; agora, ele ri disso, reputando-o uma paixão da juventude. Antes, ele se levantava bem cedo, pela manhã, para orar e preparar seu coração para o novo dia; agora, ele pula da cama, tendo raros minutos para orar e meditar. Antes, ele tinha seu lugar na igreja e nunca chegava atrasado; agora, ele se arrasta até à igreja e nunca chega na hora. O que causou isso? Ele negligenciou sua alma.

À medida que a fogueira se apaga em uma floresta, as feras se aproximam furtivamente. De modo semelhante, à medida que o crente negligencia sua alma, os pecados de seu íntimo começam a enfrentá-lo, com maior perigo. Velhos pecados voltam a persegui-lo. Concupiscências da juventude, que o crente julgava mortas, ressurgem com novo vigor. Torpor incapacitante e estranha languidez tornam quase impossível ao crente outrora ativo repelir seus inimigos espirituais. O seu testemunho definha. Sua adoração esfria. Seu amor pela comunhão diminui. Tal crente inventa desculpas para a sua ausência na companhia dos santos. Ele é apenas uma imagem pálida do homem que era. O que causou isso? Ele negligenciou a sua alma.

A alma de pregadores e ministros do evangelho, assim como a alma de todos os outros crentes, também está exposta aos tipos de decadência sobre os quais acabamos de falar. Nenhum crente deve se enganar. Quando a batalha para mantermos nossa vida espiritual estiver perdida no lugar secreto, o simples fato de sermos chamados “reverendo”, ou “pastor”, ou de vestirmos roupas especiais não nos salvará da queda. A negligência da alma não reterá por muito tempo seu amor por sã doutrina ou adoração evangélica.

O ministro do evangelho que começa a negligenciar sua alma acabará, se não se arrepender e mudar de atitude a tempo, por negar as doutrinas fundamentais da fé, em secreto e, depois, em público. A necessidade do novo nascimento não é mais considerada por ele com seriedade. A aceitação vazia dos artigos da Confissão de Fé da Igreja é tudo que ele exige dos membros de sua igreja. Pouco a pouco, toda a mensagem da Bíblia foge dele. A expiação, a ressurreição, o nascimento virginal de Cristo, a ira de Deus, a segunda vinda de Jesus e o julgamento por vir — todos estes artigos de fé se removem do credo pessoal de tal ministro, embora ele não tenha coragem ou integridade moral para afirmar isso. Como este pregador mudou, deixando de ser evangélico e tornando-se um céptico? Ele negligenciou sua alma.

Parece estranho, mas a negligência da alma é algo que freqüentemente ocorre com o homem maduro e não com o jovem. Foi em sua maturidade, e não em sua juventude, que Noé foi vencido pelo vinho. Foi em sua maturidade, e não em sua juventude, que Davi contemplou a Bate-Seba com conseqüências trágicas. Foi em sua maturidade que Salomão multiplicou o número de suas esposas e manchou sua boa reputação, por tolerar as divindades de tais esposas. Foi em sua maturidade, e não em sua juventude, que Ezequias mostrou seus tesouros aos embaixadores estrangeiros. Estas coisas foram escritas para o nosso ensino.

Existem armadilhas e ciladas para o crente velho, assim como existem para o crente novo. Talvez devido ao fato de imaginar que já passou da zona de perigo o crente velho acredita que pode aliviar sua vigilância. Grande parte dos conflitos de sua peregrinação ficou para trás. Ele está quase contemplando a praia de ouro. Mas o peregrino veterano tem de lutar até ao fim. Relaxar pode equivaler a manchar sua boa reputação e perder uma parte de sua grande recompensa.

A Palavra de Deus nos apresenta o caminho de restauração da negligência da alma: “Sê, pois, zeloso e arrepende-te” (Ap 3.19). Separe um tempo para orar e jejuar. Aflija a sua alma. Lamente os seus pecados passados. Clame intensamente a Deus que lhe outorgue perdão e um novo senso de seu amor. Odeie a frieza pecaminosa que abafou o seu primeiro ardor por Cristo. Lembre o preço pago em favor de sua alma, no precioso sangue de Cristo. Implore ao Todo-Poderoso que lhe dê um novo derramamento do seu Espírito, para reacender a chama do altar. Talvez muitos de nós precisemos deste arrependimento, mais do que imaginamos.


Autor: Maurice Roberts

Rev. Maurice Roberts estudou na Durham University. Depois de ensinar o latim e o grego nas escolas secundárias da Escócia, cursou teologia no Free Church of Scotland College, em Edimburgo. Ele foi ministro da Ayr Free Church of Scotland de 1974 a 1994, e depois da Greyfriars Congregation, Inverness, desde 2000, uma congregação da Free Church of Scotland. Foi editor da revista The Banner of Truth de 1988 a 2003 e é autor de alguns livros pela mesma editora. Foi também moderador da Assembléia Geral de sua denominação em 2007 e se aposentou do ministério pastoral em dezembro de 2010. É professor de grego e Novo Testamento no Free Church Seminary desde 2002. Roberts é casado com Sandra e tem uma filha e dois netos.

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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