sexta-feira, 19 de abril

O sentido do Natal

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O Natal hoje é representado por duas realidades antagônicas, e nenhuma delas é verdadeira.

Por um lado, um certo cinismo por detrás do consumismo inebriante que vemos nas ruas. Por outro lado, o Natal passou a ser uma festa que confunde mitos com verdade, realidade com fantasia.

Não que isso signifique muita coisa para a nossa sociedade pós-cristã. Hoje, curiosamente, vivemos um “Natal” despersonalizado. O nascimento de um bebê sem o bebê, sem Jesus. Também no “Natal” fala-se muito em amor, paz, prosperidade, esperança, felicidade, mas aquele que deu – e dá – sentido verdadeiro e real a cada uma desses valores e aspirações do ser humano é deixado de lado. É uma mensagem sem autor e isso é um contrassenso, chega a ser um absurdo, mas é assim que as coisas estão.

Vivemos um período de cristianismo sem Cristo, evangélicos sem evangelho, batismo e poder do Espírito sem o Espírito, então, um Natal sem Jesus é só mais um sintoma de uma sociedade que preserva ainda alguns traços culturais da cristandade mas que já vive uma era pós-cristã.

Todavia, ainda que nossa sociedade celebre um Natal sem Jesus, nós, os cristãos, podemos nos valer da oportunidade que temos, a cada ano, de lembrar o que significa o nascimento do Homem-Deus. A vinda do Filho do Homem, do Filho de Deus.

Por isso o cristão faz muito bem em celebrar a natividade. O Natal cristão, nos oferece a oportunidade de contemplarmos algumas das maiores maravilhas, dos maiores milagres da história da humanidade.

Estou falando de algo absolutamente singular. Algo inconcebível até. Deus descendo ao mundo. Deus revestindo-se de nossa humanidade e participando dela. Isso é extraordinário. Nenhuma grande descoberta – nenhum fato da história passada ou futura poderá superar esse grandioso momento: Deus se fez homem e nasceu entre os homens.

Faz 2000 anos que os cristãos celebram o dia do cumprimento da esperança do crente do Antigo Testamento.

O raison d’etrè da pessoa de fé dos tempos anteriores a Cristo, entre o povo a quem Deus se revelou, aconteceu na história. Em Israel, província romana, em Belém de Judá, na Judéia, nos dias do imperador César Otaviano Augusto e do Rei da Judéia, Herodes, o Grande. Nasceu o filho de Davi. Jesus, o Cristo, salvador da humanidade.

O texto bíblico nos conta que a “Anunciação” do nascimento de Jesus se deu em dois estágios diferentes: O anjo Gabriel apareceu a Maria e explicou tudo que aconteceria com ela. Essa anunciação é registrada em Lucas 1.26-38. O outro registro está em Mateus 1.18-25 e, desta vez, o anjo a faz a José, marido de Maria.

O texto dos primeiros versos de Mateus nos fornece um verdadeiro tesouro sobre Jesus, nosso redentor.

Nesse texto, somos informados que Jesus é filho de Abraão e filho de Davi. Ele é o rei prometido em todo testamento. Somente na genealogia de Jesus, na abertura desse texto, temos material suficiente para resolver todas os “enigmas” e “mistérios” que envolviam as profecias do Antigo Testamento. Mas não faremos isso agora.

Também somos informados que a vinda do Rei salvador se deu de modo milagroso. Um eminente teólogo do século XX disse que “Jesus veio ao mundo de modo milagroso e também dele partiu de modo milagroso”. Ele foi concebido, quanto à sua natureza humana, pelo poder do Espírito Santo. Sim, ele foi gerado com todas as faculdades próprias do ser humano: dotado de tudo quanto eu você possuímos: portador da imagem de Deus, dotado de corpo e alma – materialidade (corpo) e imaterialidade (alma), personalidade, autoconsciência, enfim, tudo quanto possui o ser humano.

Maria, sua mãe, uma jovem comprometida em noivado com José e virgem, contribuiu com seus 23 cromossomos para a formação deste pequeno embrião, cujos 23 embriões que seriam fornecidos pelo pai foram produzidos miraculosamente pelo Espírito Santo.

A concepção virginal do Senhor Jesus é de grande importância para nossa fé. Ela atesta sua preexistência (Jo 17.5, Cl 1.15,16, Jo 1; Fp 2.6) ; ela dá testemunho do poder e sabedoria de Deus; ela dá exclusividade à vinda do filho de Deus ao mundo. Não há, aliás, na concepção virginal qualquer noção de que o meio ordenado por Deus para a concepção seja de valor inferior ou que nele há alguma vileza. O que, temos, na verdade, é um meio especial e extraordinário que Deus determinou para que ele viesse a este mundo. A fé cristã reconhece o testemunho da vinda de Cristo por meio de um milagre como um evento histórico e que, em grande medida, é base para nossa fé e para autenticar a identidade especial do Homem-Deus.

O texto ainda fala sobre o fato de Jesus ser Deus. O anjo cita o texto de Isaías para José e dá conta de que em Jesus temos o cumprimento da profecia que o mesmo Espírito que gerou Jesus soprou a Isaías: a jovem nubente conceberia um filho que seria chamado “Emanuel” – que quer dizer “Deus conosco”. Ali o anjo então conecta a profecia ao evento da gravidez de Maria. Ele não só oferece o penhor do cumprimento da profecia como informa José sobre quem o filho de Maria era: o próprio Deus encarnado. No texto de Lucas, no qual o anjo fala a Maria, somos informados que o filho da mulher seria chamado de “Filho do Altíssimo” e que seu reino não teria mais fim. Portanto, o Natal nos fala da encarnação de Deus.

Mas hoje quero meditar sobre palavras do verso 21: ...E lhe porás o nome Jesus, porque ele livrará o seu povo dos pecados deles

O verso 21 nos oferece a explicação do anjo para aquilo que poderíamos chamar de “verdadeiro sentido do Natal”. O motivo porque foi preciso que Deus se fizesse homem: a salvação do seu povo.

É interessante que o espírito do Natal – do tempo de “paz, amor, prosperidade e alegria” tem a ver com a maior tragédia da história do homem: o pecado.

Aliás,  não há problema em afirmarmos que a vinda do Filho de Deus trouxe consigo “paz, amor, prosperidade e alegria”, porque isso é verdade – mas isso só pode ser experimentado por aqueles que recebem o maior dom de Jesus, a salvação.

Vamos então considerar essas duas realidades importantes que o anjo oferece a José:

1. O Pecado: João 3.4 dá conta que o pecado “é a transgressão da Lei de Deus”. Historicamente ele entra na humanidade em Adão e Eva – naquilo que é chamado “Queda”, e, desde então, passa a fazer parte da experiência de todo ser humano.

A verdade é que a humanidade está impregnada com a corrupção que o pecado representa.

A) Origem: O pecado de Adão, transmitido a todos os homens, como nos ensina o texto de Romanos 5, significa que o ser humano perdeu sua retidão original e, por outro lado, passou a ser inclinado para a corrupção, para o erro, para a transgressão da vontade perfeita de Deus e rebelião contra ele.

B) Resultado: O pecado é responsável pelas nossa maior tragédia: alienação de Deus. A deformidade da imagem de Deus no homem. A incapacidade de cumprir o propósito para o qual fomos criados – glorificar a Deus em todas as coisas. Pelo contrário, o pecado nos puxa para a direção contrária. Ela enfeiou a humanidade e toda a criação. É uma enorme maldição.

C) Alcance: A Escritura dá conta de que todos os homens são pecadores (rm 1, Sl 14). Seu coração é corrupto (Jr 17.7) . Ele nasce em contradição e alienação de Deus. É filho da ira e da desobediência.  Você já percebeu qual a primeira palavra que a criança aprende? Quer ver o pecado atuando? Observe uma criança.

D) Efeito: A Escritura ensina que o salario do pecado é a morte (Rm 6.23). É a perda da comunhão e inimizade de Deus (Ef. 2) e guerra contra o próprio ser humano. É autodestruição.

2. A Salvação: Jesus recebeu esse nome, por determinação de Deus, anunciado pelo anjo, tanto a Maria como a José, porque em seu nome ele traz consigo a razão do seu nascer: Javé Salva. Deus salva. O homem se meteu nas astúcias do erro e do pecado e Deus, todavia, mesmo tendo direito de extirpar da face da criação toda raça humana, decide por redimi-la. Ele não poderia fazê-lo, todavia, cometendo violência à sua justiça transgredida pela zombaria e rebelião do homem no pecado. Então ele se encarnou e resolveu ele mesmo pagar o preço que nossos pecados impõem: a morte.

Perceba isso: Nós só celebramos o Natal porque ele representa a morte do Filho de Deus. Há um aspecto sombrio no nascimento de Jesus – ele nasceu para morrer. Para ser o sacrifício oferecido a Deus como meio de propiciá-lo, de apaziguá-lo por causa dos pecados de seu povo.

O poeta Mário Quintana disse: Minha morte nasceu quando eu nasci… Despertou, balbuciou, cresceu comigo…E dançamos de roda ao luar amigo. Tu que és minha doce prometida, Nem sei quando serão nossas bodas, Se hoje mesmo… ou no fim de longa vida…

Sobre Jesus, podemos dizer a mesma coisa: Em seu nascimento, já se podia ver a sombra de uma cruz. John Stott abre seu livro sobre a cruz de Cristo descrevendo um quadro de Homan Hunt intitulado “A Sombra da Morte”? Ele representa o interior da carpintaria de Nazaré. Jesus, nu até a cintura, está em pé ao lado de um cavalete de madeira sobre o qual colocou a serra. Seus olhos estão erguidos ao céu, e seu olhar é de dor ou de êxtase, ou de ambas as coisas. Seus braços também estão estendidos acima da cabeça. O sol da tarde, entrando pela porta aberta, lança, na parede atrás dele, uma sombra negra em forma de cruz. A pra­teleira de ferramentas tem a aparência de uma trave horizontal sobre a qual suas mãos foram crucificadas. As próprias ferramentas lembram os fatídicos prego e martelo.

Em primeiro plano, no lado esquerdo, uma mulher está ajoelhada entre as aspas de madeira. Suas mãos descansam no baú em que estão guardadas as ricas dádivas dos magos. Não podemos ver a face da mulher, pois ela se encontra virada. Mas sabemos que é Maria. Ela parece sobressaltar-se com a sombra em forma de cruz que seu filho lança na parede.

A cruz lança uma sobra sobre a vida de Jesus e que sua morte é o centro de sua missão. Jesus tinha plena consciência de que sua vida toda era voltada para sua morte. Por que? Porque a morte de Jesus representaria a salvação dos homens.

Era preciso que Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que, depois de três dias, ressuscitasse.

Essa realidade, da vida perfeita de obediência a Deus e morte vicária estão presentes nas palavras do anjo: “porque ele salvará o seu povo dos pecados deles”. É por isso que Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou.

Não podemos perder isso de vista. O nascimento de Jesus tem tudo a ver com sua morte e a morte de Jesus tem tudo a ver com nossa vida. Somente pela morte de Jesus é que “paz, amor, prosperidade e felicidade” fazem sentido. De fato, é isso que ele promete – não em sua ressurreição, mas em sua volta. O shalom de Deus será estabelecido para sempre na volta de Jesus, quando ele trouxer juízo sobre todos quantos não experimentaram a salvação que ele veio trazer em seu nascimento.

Que Deus nos ajude a compreender que o nascimento de Jesus é o começo do cumprimento da promessa de redenção – que chegou a efeito no dia de sua morte, na cruenta cruz do calvário. Que Deus nos ajude a entendermos a mensagem de fé e arrependimento que ele trouxe consigo, na inauguração de seu reino, para que possamos experimentar a salvação que ele oferece a todos os pecadores. Que ele nos dê a graça de valorizarmos o enorme sacrifício que representou sua encarnação – assumindo nossa natureza e humilhando-se. O criador fazendo-se como criatura. O Rei fazendo-se mendigo. Ele tornou-se pobre para que fôssemos ricos. Ele se esvaziou e a si mesmo se humilhou tornando-se obediente até sua morte – e morte de cruz.

Esse é o sentido do Natal. Que Deus veio a este mundo salvar pecadores. 


Autor: Tiago Santos

Tiago Santos é Diretor Executivo do Ministério Fiel, um dos pastores da Igreja Batista da Graça e co-fundador e diretor do programa de estudos avançados no Seminário Martin Bucer. É bacharel em direito pela Universidade do Vale do Paraíba e estudou teologia no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e na Universidade Luterana do Brasil. Casado com Elaine e pai de três filhos: Tiago, Gabriel e Rebeca.

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