quinta-feira, 28 de março

Ovelhas não pastoreadas

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Se não estamos enganados, há um crescente número de crentes infelizes. Sua infelicidade não resulta de uma natural indiferença ou de um descontentamento temperamental, e sim de sua insatisfação com aquilo que, em suas igrejas, lhes está sendo oferecido sob o nome de adoração e pregação. Sentimos profunda compaixão por esses crentes. Eles merecem atenção especial, e devemos orar com regularidade em seu favor.

Nas últimas décadas, têm existido tantos ventos de doutrina soprando sobre as igrejas, que com justiça podemos dizer: tais ventos de doutrinas atingiram proporções de um tufão. Mas o problema não se limita à doutrina. Estende-se a formas e estilos de adoração pública. Se têm fundamento os rumores que chegam aos nossos ouvidos, parece que metade das igrejas que outrora eram saudáveis e evangélicas entraram em uma segunda infância. Com freqüência, a única qualificação necessária para que os adoradores recebam aceitação de seus líderes é serem capazes de levantar as mãos e balançarem-nas, assim como as folhas de uma palmeira ao vento, e serem fluentes em falar palavras incompreensíveis. Possuir uma mente capaz de avaliar essas coisas é uma desvantagem positiva, visto que coloca a pessoa que a possui na indesejável posição de compreender quão ridícula e sem proveito é essa situação.

Igrejas em confusão

Devem existir diversos fatores que levaram igrejas evangélicas, no passado grandes e firmes, a decidirem- se por uma adoração infantil. Um desses fatores é a necessidade que muitos sentiram quanto ao cuidado pelos jovens. Entre 1960 e 1970 ficou evidente que a geração em crescimento estava se tornando desinteressada em ir às igrejas. Os jovens não eram mais atraídos aos cultos pelos velhos hábitos das gerações anteriores, mas foram envenenados em relação às coisas de Deus por meio da música popular daquela época e por meio da galopante influência da televisão e dos esportes.

Esse fenômeno levou muitos líderes de igrejas evangélicas a se preocuparem intensamente a respeito de sua “imagem” aos olhos dos jovens. Pensava- se que não era mais possível aos pais crentes disciplinarem seus lares ou preservarem seus filhos incontaminados pelo mundo. A culpa, dizia- se, era da própria igreja, que permanecia .antiquada. e não proporcionava “empolgação” ou “atrativos”. Se os jovens deveriam ser preservados do mundo, novos e mais estimulantes estilos de adoração precisavam ser introduzidos na igreja. Desse modo, o argumento se propagou.

Sem dúvida, esse tipo de raciocínio resultou em uma boa medida de incredulidade. Os líderes, em muitos casos com bons motivos e pressentimentos íntimos, cederam aos jovens a maneira de conduzir a adoração na igreja. Pouco a pouco, a confusão se espalhou. Seriedade e ordem, antes sustentadas como virtudes elementares na adoração ao Todo-Poderoso, foram ridicularizadas como arquiinimigas da adoração espiritual. “Liberdade e espontaneidade” tornaram-se as novas regras da adoração. Afinal de contas, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade; e não deveria tal liberdade estar disponível a todos os crentes? Acabemos com os grilhões que prendiam as gerações anteriores! Finalmente, chegara a época da adoração. Homens, mulheres, crianças e jovens, todos deveriam ter liberdade de participarem ativa e audivelmente. Os resultados estão conosco até hoje. Os frutos de uma anarquia geral de adoração são estes: o barulho suplanta a reverência e a superficialidade substitui a maturidade espiritual, enquanto outras coisas menos importantes reduzem o tempo da pregação da Palavra. Como alguém tem dito, o adorador típico bem poderia deixar em casa a sua cabeça ao vir à igreja, porque essa parte de seu corpo é irrelevante enquanto participa desse tipo de culto.

Grande prejuízo aos verdadeiros crentes

Nosso propósito ao salientar esses males é procurar mostrar quão prejudicial eles são ao verdadeiro rebanho de Cristo. Aqueles que desejam alimentar sua alma e vêm à igreja com interesse podem ficar alarmados e ofendidos diante dessa adoração superficial. Os filhos da graça sabem que Deus é glorioso em santidade. Eles vão à casa do Senhor com reverência e temor. O Espírito Santo lhes ensina que precisam ter uma atitude sublime e reverente em relação a qualquer coisa e a tudo que se refere à adoração a Deus. Anelam sentir a presença de Deus em seus corações e desejam muito que a verdade de Deus se torne poderosa e clara em suas mentes. Ficam indignados em seus corações, quando vêem outros crentes adorando motivados por coisas irrelevantes, quer na adoração, quer na pregação. Sentem-se tristes, pois sabem que o Espírito do Senhor está sendo entristecido.

Infelizmente, isso é o que está acontecendo em igrejas evangélicas de todas as denominações. Crentes sérios, que seriam capazes de dar a sua vida por Cristo, se lhes fosse exigido, estão sendo levados a sentirem se mal acolhidos em suas próprias igrejas. Sua espiritualidade é considerada como desajeitada. Grande parte dos crentes maduros na igreja estão sentindo-se isolados por seus companheiros, por não poderem entoar canções festivas que os outros utilizam em nome da “adoração”. Assim, existe uma situação em que o culto é freqüentemente um teste de paciência, ao invés de ser um tempo de devoção para o povo de Deus. Os crentes maduros não querem criar problema, mas suas consciências agravadas não podem aprovar as novas músicas, cânticos e hinos, as gesticulações e a nova atmosfera nos lugares onde anteriormente eles e seus pais adoravam a Deus com santo temor.

A espiritualidade em jogo

Sem dúvida, essa não é uma simples questão de época ou de geração. Mais do que isso, é uma questão de espiritualidade, maturidade e conhecimento. Existem crentes velhos que se comportam como crianças. Mas, graças a Deus, também existem crentes novos que têm feito bom uso das Escrituras, de livros evangélicos e confissões de fé ao ponto de serem já crentes firmes e bem instruídos.

Pessoas espirituais vêm à igreja para encontrar-se com Deus; não desejam que entretenimento lhes seja oferecido. Aqueles que desejam entretenimento podem obtê-lo a qualquer hora, indo a teatro e lugares de diversão, onde lhes será abundantemente oferecido por pessoas do mundo. Na vida cristã, existe lugar para diversão e alegria saudável e pura. O povo de Deus precisa tempo de sorrir, assim como as outras pessoas. Enquanto eles evitam formas de entretenimento mundanos, não se recusam a ocasionalmente desfrutarem de alegria e despreocupação. Mas o povo de Deus não vai à igreja em busca de divertimento. Não procura entretenimento, tampouco sente- se tranqüilo ao encontrá-lo na igreja. Adoração e entretenimento nunca andam juntos; adoração e leviandade jamais caminham lado a lado.

O que está em jogo em tudo isso é aquela preciosa coisa que chamamos espiritualidade. O homem espiritual treme diante da Palavra de Deus e possui um elevado conceito sobre cada aspecto e elemento da adoração a Deus. Ele não apenas exige espiritualidade na pregação; também exige e espera vê-la na leitura da Bíblia, nas orações públicas e na mensagem e tonalidade dos cânticos espirituais. Ele anela contemplar espiritualidade na casa de Deus e tem todo o direito de encontrá-la ali.

Solidão espiritual

Não é difícil perceber porque muitos do povo de Cristo hoje são crentes solitários no meio da multidão reunida na igreja. Eles se alegram quando o templo está repleto de pessoas, mas ficam perturbados se percebem que nada existe na igreja, exceto uma multidão barulhenta. Estão propensos a questionar, com admiração, se, afinal de contas, cem adoradores . ou mesmo vinte e cinco . não é preferível a uma multidão irreverente. Isto não deve ser confundido com uma mentalidade de “pequeno rebanho”. Não aplaudimos a teoria de que as igrejas devem sempre ser pequenas. Pelo contrário, em nossa opinião elas devem ser grandes. Pensamos que igrejas com mil membros não são grandes demais. Desejamos que nosso país se encha desse tipo de igrejas.

No entanto, ter muitos membros apenas por amor a números em geral é uma traição a Cristo. A liderança abaixa os padrões de santidade para atrair grande número de pessoas. Em um ponto crítico desse processo de diluição, a adoração deixa completamente de ser reconhecida como adoração por aqueles que andam em intimidade com Deus. O número de membros talvez aumente, mas o crente espiritual e solitário, que testemunha esse declínio, receia que o Espírito Santo esteja sendo abafado e Se retraindo. “Icabode” é o verdadeiro nome de tal igreja. É quase impossível acharmos comunhão espiritual. Os poucos crentes realmente santos que restam isolam se e mantêm-se solitários.

Nenhuma solidão é tão difícil de ser suportada quanto a solidão experimentada em meio a multidões. Quantos crentes percebem essa situação em suas próprias igrejas! São os últimos a falarem sobre isso, porque são pessoas pacientes, dedicadas a oração e longânimes. Não é bom para seus pastores e líderes permitirem que situações como esta permaneçam em suas igrejas. Ao diluírem a adoração, atraíram à igreja multidões inconstantes, e entristeceram o coração dos justos.

Prejuízos resultantes da mudança

Existem prejuízos visíveis resultantes desse tipo de mudança sobre a qual já falamos. Um destes prejuízos é o tratamento cruel demonstrado ocasionalmente à ovelhas fiéis que se recusam a mudar. Devido ao fato que eles não podem, em boa consciência, seguir a debanda geral para .abrilhantar. a adoração a Deus, bons ministros do evangelho têm de abandonar suas igrejas. Não se leva em conta que eles passaram vinte ou trinta anos expondo com fidelidade e devoção a Palavra de Deus aos seus rebanhos. Seu crime é resistirem ao clamor universal por inovações. Portanto, esses homens bons têm de ceder lugar ao menu de aprimoramentos que pastores jovens e líderes fracos insistem em oferecer à igreja.

Outro fruto menos agourento desse novo estilo de vida da igreja é o surgimento, em nossa época, da rejeição da lei de Deus na vida prática. Alguém pode evitar referir-se a isso em detalhes; mas o fato evidente é que os novos membros de igreja têm se revelado menos felizes em resistir à tentação do que os crentes antigos costumavam ser. Sem dúvida houve excesso de severidade na adoração praticada por igrejas do passado. Mas os crentes sentiam-se seguros. Eles não brincavam com a tentação. Não apelavam à carne. As pessoas vinham à casa de Deus com roupas estritamente adequadas e decoro completo. Infelizmente, isso não pode ser dito sobre muitos dos cultos modernos. Uma grande multidão diversificada na casa de Deus abaixa todo o nível da adoração. Todo pastor sabe que existem prejuízos morais resultantes dessa falta de santidade prática. Não deveria ser assim.

É uma consolação para as ovelhas de Cristo não pastoreadas saberem que nos céus elas têm um Pastor que contempla seu estado. Precisam recordar sua verdadeira posição, retratada pelo Pastor em passagens bíblicas como Ezequiel 34. Estão solitárias por causa da incompetência e inaptidão de seus líderes. Os outros crentes não as amam nem desejam sua companhia, porque são muito espirituais para sua geração. Mas um dia Cristo exigirá de seus pastores negligentes uma explicação para essa negligência. Além disso, o próprio Senhor Jesus tomará para Si mesmo seu povo solitário e desprezado, outorgando-lhes sua graciosa presença, nesta e na vida por vir.

Os crentes solitários de nossos dias devem meditar nessas palavras maravilhosas: “Estou contra os pastores e deles demandarei as minhas ovelhas” (Ez 34.10); “Eis que eu mesmo procurarei as minhas ovelhas e as buscarei” (v. 11); “livrá-las-ei de todos os lugares para onde foram espalhadas no dia de nuvens e de escuridão” (v. 12); “apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será a sua pastagem” (v. 14). “Eis que julgarei entre ovelhas e ovelhas, entre carneiros e bodes” (v. 17); .Eu, o Senhor, lhes serei por Deus, e o meu servo Davi [Cristo] será príncipe no meio delas; eu, o Senhor, o disse. (v. 24).

Com tais promessas, quem não desejaria estar sozinho com Cristo por breve tempo nesse mundo?


Autor: Maurice Roberts

Rev. Maurice Roberts estudou na Durham University. Depois de ensinar o latim e o grego nas escolas secundárias da Escócia, cursou teologia no Free Church of Scotland College, em Edimburgo. Ele foi ministro da Ayr Free Church of Scotland de 1974 a 1994, e depois da Greyfriars Congregation, Inverness, desde 2000, uma congregação da Free Church of Scotland. Foi editor da revista The Banner of Truth de 1988 a 2003 e é autor de alguns livros pela mesma editora. Foi também moderador da Assembléia Geral de sua denominação em 2007 e se aposentou do ministério pastoral em dezembro de 2010. É professor de grego e Novo Testamento no Free Church Seminary desde 2002. Roberts é casado com Sandra e tem uma filha e dois netos.

Ministério: Ministério Fiel

Ministério Fiel
Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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