sexta-feira, 13 de dezembro
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O legado de Charles Finney

Jerry Falwell descreveu Finney como “um de meus heróis e de muitos evangélicos, incluindo Billy Graham”. Lembro-me de ter visitado o Instituto Billy Graham alguns anos atrás; ali observei o lugar de honra dado a Finney na tradição evangélica. Isto foi reforçado pela recordação de minha primeira aula de teologia em uma faculdade evangélica, na qual foi solicitado que lêssemos a obra de Finney. O avivalista de Nova Iorque tem sido freqüentemente citado e celebrado, como um herói, pelo famoso cantor evangélico Keith Green e pela organização Jovens com uma Missão. Finney é particular-mente estimado entre líderes de movimentos evangélicos conserva-dores e liberais, tanto por Jerry Falwell quanto por Jim Wallis (da revista Sojourner). E sua marca pode ser vista em vários movimentos que parecem ter posições diferentes, mas que na realidade são herdeiros do legado de Finney. Para grupos tais como o movimento Vineyard e o de Crescimento de Igrejas, em campanhas políticas e sociais, no televangelismo e no movimento Pro- mise-Keepers (Guardiões da Promessa), “Finney continua vivo!”, citando as palavras de um dos presidentes do Wheaton College.

Isso acontece porque o impulso moralista de Finney idealizou uma igreja que, em grande escala, seria um agente de reforma da sociedade e do indivíduo, ao invés de uma instituição onde os meios da graça, a Palavra de Deus e as ordenanças, são colocados à disposição dos crentes que, em seguida, levam o evangelho ao mundo. No século XIX, o movimento evangélico identificou-se, de maneira crescente, com as causas políticas – a abolição da escravatura, leis sobre o trabalho infantil, os direitos da mulher e a proibição de bebidas alcoólicas. Na virada do século, com a afluência de imigrantes católicos romanos, o que deixou apreensivos muitos protestantes americanos, o secularismo começou a minorar a influência do movimento evangélico sobre instituições (universidades, hospitais, organizações filantrópicas) que os crentes haviam criado e mantido. Em um desesperado esforço para reconquistar este poder institucional e a glória da “América Cristã” (um ideal que sempre tem dominado a imaginação de alguns, mas, após a desintegração da Nova Inglaterra Puritana, se tornou ilusório), o protestantismo da virada do século lançou campanhas para “americanizar” imigrantes, enfatizando o ensino de valores morais e a “educação do caráter”. Os evangelistas modelaram seu evangelho em termos de utilidade prática ao indivíduo e à nação.

Este é o motivo por que Finney é tão popular. Ele foi grandemente responsável pela mudança da ortodoxia reformada, evidente no Grande Avivamento (nos ministérios de Edwards e Whitefield), para o avivalismo arminiano (na realidade, também pelagiano), evidente desde o Segundo Grande Avivamento até ao presente. Para demonstrar a divide do evangelicalismo moderno para com Finney, temos de inicialmente observar seus desvios teológicos. Com base nestes desvios, ele tornou-se o pai de alguns dos grandes desafios contemporâneos dentro das próprias igrejas evangélicas, ou seja, o Movimento de Crescimento de Igrejas, o Pentecostalismo e o Avivalismo Político.

Quem era Charles Finney?

Reagindo contra o calvinismo do Grande Avivamento, os sucessores daquele grande movimento do Espírito afastaram-se do caminho do Senhor e seguiram o dos homens, apartaram-se da pregação de conteúdo objetivo (ou seja, Cristo crucificado) para seguir a ênfase de levar as pessoas a “fazerem uma decisão”.

Charles Finney (1792-1875) ministrou nos rastros do “Segundo Avivamento”, conforme esse tem sido chamado. Era um advogado e membro da igreja presbiteriana; em certo dia, experimentou “um poderoso batismo do Espírito Santo”, que, “à semelhança de uma onda de energia”, ele relatou, “percorreu todo meu ser, parecendo vir em ondas de amor líquido”. Na manhã seguinte, ele informou ao seu primeiro cliente: “Não posso mais defender sua causa; tenho um chamado para defender a causa do Senhor Jesus”. Recusando-se a assistir aulas no Seminário Princeton (ou qualquer outro seminário), Finney começou a promover avivamentos na parte norte do Estado de Nova Iorque. Um de seus mais populares sermões era “Os Pecadores Estão Obrigados a Mudar Seus Próprios Corações”.

Ao considerar qualquer assunto a ser ensinado, esta era a pergunta fundamental de Finney: “Isto é bom para converter pecadores?” Um dos resultados do avivalismo de Finney foi a divisão dos presbiterianos dos Estados de Filadélfia e de Nova Iorque em facções calvinistas e arminianas. As “Novas Medidas” de Finney incluíam o “banco dos ansiosos” (precursor do atual apelo para “vir à frente”), táticas emocionais, que levavam as pessoas a sentirem-se desesperadas e chorarem, e outros “incentivos”, como ele e seus seguidores os chamavam. Finney se tornou mais e mais hostil ao presbiterianismo, referindo-se de maneira crítica na introdução de sua obra “Teologia Sistemática” à Confissão de Westminster e a seus elaboradores, como se eles tivessem criado “um periódico papal” e elevado sua Confissão e Catecismo ao trono do papae ao lugar do Espírito Santo”. De maneira notável, Finney demonstra quão profundamente o avivalismo arminiano, por causa de seu apelo aos sentimentos naturais, tende a ser uma forma polida de liberalismo teológico, visto que ambos se renderam ao Iluminismo e seu culto do entendimento e da moralidade humana:

“O fato de que a Confissão elaborada pela Assembléia de Westminster seria reconhecida no século XIX como um padrão para a igreja ou para um grupo específico dela não é apenas surpreendente, mas também (tenho de afirmar) é bastante ridículo. É tão ridículo na teologia quanto o seria em qualquer outra ciência. É melhor ter um papa vivo do que um morto”.

O que estava errado na teologia de Finney?

Não precisamos ir além do índice de sua Teologia Sistemática para reconhecer que toda a teologia de Finney girava em torno da moralidade humana. Os capítulos 1 a 5 falam sobre o governo, a obrigação e a unidade de ação moral. Os capítulos 6 e 7 referem-se à “Obediência Completa”; os capítulos 8 a 14 discursam sobre o amor, o egoísmo, virtudes e pecados em geral. Somente no capítulo 21, o leitor acha alguma coisa especificamente cristã, reportando-se à expiação. A este capítulo segue um discurso sobre a regeneração, o arrependimento e a fé. Existe um capítulo sobre a justificação acompanhado por seis sobre a santificação. Em outras palavras, Finney realmente não escreveu uma Teologia Sistemática, e sim uma coletânea de ensaios a respeito de moralidade.

Entretanto, não estamos afirmando que a obra de Finney não possui algumas declarações teológicas significativas.

Respondendo à pergunta: “O crente deixa de ser crente sempre que comete um pecado?”, Finney disse:

“Sempre que comete pecado, o crente deixa de ser santo. Isto é evidente. Sempre que peca, ele precisa ser condenado; tem de incorrer na penalidade da lei de Deus. Se alguém disser que o preceito da lei ainda vigora, mas que, no caso do crente, a penalidade foi anulada para sempre, eu respondo afirmando que anular a penalidade da lei é cancelar seu preceito, pois, se o preceito não demanda punição, não existe lei, e sim apenas uma advertência ou conselho. Por conseguinte, o crente é justificado em proporção à sua obediência e precisa ser condenado, quando pecar; de outra forma, o antinomianismo se torna verdadeiro… Neste sentido, o crente que peca e o incrédulo encontram-se exatamente na mesma situação”.

Finney acreditava que Deus exige perfeição absoluta, mas, ao invés de levar as pessoas a buscarem a perfeita justiça em Cristo, ele concluiu que:

“…a plena obediência no presente é a condição da justificação. Porém, quanto à pergunta: o homem pode ser justificado enquanto o pecado permanece nele?, respondemos: é certo que não, quer seja com base em princípios da lei ou do evangelho, a menos que a lei seja anulada. Ele pode ser perdoado, aceito e justificado, no sentido evangélico, enquanto o pecado, em qualquer grau, permanece nele? Absolutamente, não”.

Posteriormente falaremos mais sobre a doutrina da justificação ensinada por Finney, mas agora já podemos ressaltar que ela está fundamentada sobre a negação da doutrina do pecado original. Afirmado tanto por católicos quanto por evangélicos, este ensino bíblico repete com insistência que todos somos nascidos em pecado e herdamos a corrupção e a culpa de Adão. Estamos, portanto, em escravidão a uma natureza pecaminosa. Conforme alguém disse: “Nós pecamos porque somos pecadores”; a condição de pecado determina nossos atos pecaminosos, e não vice-versa. Finney, entretanto, seguiu os ensinos de Pelágio, o herege do quinto século, que, por negar essa doutrina, foi condenado pelos concílios da igreja, mais do que qualquer outra pessoa na história eclesiástica.

Ao contrário da doutrina do pecado original, Finney acreditava que os seres humanos são capazes de escolher se desejam ser corruptos por natureza ou redimidos, referindo-se à doutrina do pecado original como “um dogma sem lógica e fundamento bíblico”. Em termos claros, ele negou a idéia de que os homens possuem uma natureza pecaminosa (ibid.). Por conseguinte, se Adão nos leva ao pecado e isto ocorre não porque herdamos a sua culpa ou corrupção, e sim porque seguimos o seu triste exemplo, tal idéia nos conduz a pensar logicamente que Cristo, o Segundo Adão, nos salva por meio de seu exemplo. Este é exatamente o ponto aonde Finney chegou, ao explicar a doutrina da expiação.

A primeira coisa que temos de observar sobre a expiação, dizia Finney, é que Cristo não poderia ter morrido em favor do pecado de qualquer outra pessoa, exceto o dele mesmo. Sua obediência à lei e sua perfeita justiça eram suficientes para salvar somente a Si mesmo, mas não podiam ser aceitas em favor de outros. O fato de que toda a teologia de Finney resultou de uma intensa paixão por aperfeiçoamento moral pode ser visto nesta afirmativa: “Se Cristo tivesse obedecido a lei como nosso Substituto, por que a insistência bíblica sobre nosso retorno à obediência pessoal, apresentando esta obediência como um requisito fundamental para nossa salvação?”.

Em outras palavras, por que Deus insiste em salvar-nos por meio de nossa obediência, se a obra de Cristo foi suficiente? O leitor recordará as palavras do apóstolo Paulo, no que concerne a este assunto: “Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão (Gl 2.21). a resposta de Finney parece concordar com este versículo. A diferença é esta: ele não tinha dificuldade para aceitar ambas as premissas.

É evidente que essa não é toda a verdade, pois Finney acreditava que Cristo havia morrido por algum motivo – não por alguém, mas por alguma coisa. Em outras palavras, Cristo morreu por um objetivo e não por um povo. O objetivo da morte dEle foi reafirmar o governo moral de Deus e conduzir-nos à vida eterna por meio de seu exemplo, assim como o exemplo de Adão nos incita ao pecado. Por que Cristo morreu? Deus sabia que “a expiação ofereceria às criaturas os mais elevados motivos a serem imitados. O exemplo é a mais poderosa influência moral que pode ser praticada… Se a benevolência manifestada na expiação não subjuga o egoísmo dos pecadores, a situação destes é desesperadora”. Portanto, não somos pecadores desesperados que precisam ser redimidos, e sim pecadores desorientados que necessitam de uma demonstração de altruísmo tão co-movente, que seremos motivados a abandonar o egoísmo. Finney não apenas acreditava que a teoria de uma expiação de “influência moral” era a principal maneira de se entender a cruz; ele explicitamente negava a expiação vicária, pois esta “admite que a expiação foi literalmente o pagamento de um débito, que, conforme vimos, não é coerente com a natureza da expiação… É verdade que a expiação, por si mesma, não assegura a salvação de qualquer pessoa”.

Agora consideremos a opinião de Finney a respeito de como se aplica a expiação. Rejeitando o calvinismo ortodoxo dos antigos presbiterianos e congregacionais, Finney argumentou tenazmente contra a crença de que o novo nascimento é um dom de Deus, insistindo que “a regeneração consiste na atitude do próprio pecador mudar sua intenção, sua preferência e sua escolha definitiva; ou mudar do egoísmo para o amor e a benevolência”, impulsionado pela influência moral do comovente exemplo de Cristo. “A pecaminosidade original, a regeneração física e todos os dogmas resultantes e similares a estes opõem-se ao evangelho e são repulsivos à inteligência humana”.

Não levando em conta o pecado original, a expiação vicária e o caráter sobrenatural do novo nascimento, Finney prosseguiu adiante e atacou “o artigo pelo qual a igreja mantém-se de pé ou cai” – a justificação gratuita exclusivamente pela fé.

Os reformadores protestantes insistiam, com base em evidentes textos bíblicos, que a justificação (no grego, “declarar justo”) era um veredicto forense (isto é, “judicial”). Em outras palavras, enquanto o catolicismo romano sustentava que a justificação era um processo para tornar melhor uma pessoa má, os reformadores argumentavam que a justificação era um pronunciamento ou uma declaração de que alguém possuía a retidão de outra pessoa (ou seja, Cristo). Portanto, a justificação era um veredicto perfeito, outorgado de uma vez por todas, declarando que alguém permanecia íntegro desde o início da vida cristã, e não em qualquer outra etapa desta.

As palavras-chaves da doutrina evangélica eram “forense” (significando “judicial”) e “imputação” (lançar na conta de alguém; opondo-se à idéia de “infusão” de justiça na alma da pessoa”. Sabendo tudo isso, Finney declarou:

“É impossível e absurdo que os pecadores sejam declarados legalmente justos… Conforme veremos, há varias condições, mas apenas um fundamento, para a justificação dos pecadores. Já dissemos que não existe uma justificação no sentido forense ou judicial, e sim uma justificação fundamentada na ininterrupta, perfeita e universal obediência à lei. Isto, sem dúvida, é negado por aqueles que asseveram que a justificação evangélica, ou a justificação de pecadores arrependidos, possui o caráter de uma justificação forense ou judicial. Eles se apegam à máxima judicial de que aquilo que um homem faz através de um outro é considerado como sendo feito por ele mesmo; portanto, a lei considera a obediência de Cristo como nossa, com base no fato de que Ele a obedeceu por nós”.

A isto o próprio Finney respondeu: “A doutrina de uma justiça imputada, ou seja, que a obediência de Cristo à lei foi reputada como nossa, fundamenta-se em uma suposição falsa e sem lógica”. Afinal de contas, a justiça de Cristo “poderia justificar somente a Ele mesmo. Jamais poderia ser imputada a nós… Era naturalmente impossível para Ele obedecer a lei em nosso favor”. Esta “interpretação da expiação como base da justificação dos pecadores tem sido uma ocasião de tropeço para muitos”.

O conceito de que a fé é a única condição da justificação expressa “um ponto de vista antinomiano”, disse Finney. “Veremos que a perseverança na obediência até ao fim é também uma condição para a justificação”. Além disso, a “santificação presente, no sentido de plena consagração a Deus, é outra condição… da justificação. Alguns teólogos transformaram a justificação em uma condição para a santificação, ao invés de fazerem da santificação uma condição para a justificação. Porém, conforme observaremos, este é um conceito errado sobre a justificação”. Cada ato de pecado exige “uma nova justificação”. Referindo-se “aos elaboradores da Confissão de Fé de Westminster” e ao ponto de vista de uma justiça imputada, Finney admirou-se, afirmando: “Se isto não é antinomianismo, não sei o que é”. Essa imputação lega era irracional para ele, por isso concluiu: “Considero estes dogmas como fantasiosos, descrevendo mais um romance do que um sistema teológico”. Na seção em que falou contra a Assembléia de Westminster, ele finalizou dizendo:

“As relações entre o antigo ponto de vista da justificação e o ponto de vista da depravação é óbvio. Os membros da Assembléia sustentam, conforme já vimos, que a constituição do homem, em todas as suas partes e faculdades, é pecaminosa. Naturalmente, um retorno à santidade pessoal, no presente, no sentido de uma completa conformidade à lei de Deus, na opinião deles, não pode ser uma condição para justificação. Eles precisam ter uma justificação enquanto ainda permanecem em certo grau de pecado. Isto tem de ser realizado por meio da justificação imputada. O intelecto se revolta diante de uma justificação em pecado. Portanto, um método foi inventado para que os olhos da lei e de seu doador sejam retirados do pecador e focalizados em seu Substituto, que obedeceu perfeitamente a lei”.

Finney chamou essa doutrina de “outro evangelho”. Insistindo que a descrição realística de Paulo em Romanos 7 realmente se refere à vida do apóstolo antes que ele houvesse atingido a “perfeita santificação”, Finney ultrapassou Wesley ao argumentar em favor da possibilidade da santificação completa nesta vida. John Wesley dizia que é possível para o crente atingir a plena santificação, mas, quando reconheceu que o melhor dos crentes peca, ele acomodou-se à realidade dos fatos, afirmando que a experiência da “perfeição cristã” era uma questão de coração e não de ações. Em outras palavras, um crente pode ser aperfeiçoado em amor, de modo que este amor se torne a única motivação para as suas atitudes, enquanto ocasionalmente comete erros. Finney rejeitou esta opinião e insistiu que a justificação está condicionada à perfeição completa e total – ou seja, a “inteira conformidade à lei de Deus”, e o crente pode fazer isso; mas, quando ele transgride em algum ponto, uma nova justificação é exigida.

Conforme ressaltou eloqüentemente B. B. Warfield, o teólogo de Princeton, há duas religiões na história da raça humana: o paganismo – da qual o pelagianismo é uma expressão – e a redenção sobrenatural. Juntamente com Warfield e outros que com seriedade advertiram seus irmãos sobre os erros de Finney e seus sucessores, também temos de avaliar as idéias amplamente heterodoxas dos protestantes americanos. Com suas raízes no avivalismo de Finney, talvez o protestantismo liberal e o protestantismo evangélico, afinal de contas, não estejam tão afastados um do outro! As “Novas Medidas” de Finney, semelhantes às do moderno Movimento de Crescimento de Igreja, tornaram a escolha do homem e as emoções o centro do ministério da igreja, ridicularizaram a teologia e substituíram a pregação de Cristo por uma pregação voltada a conversões.

Com base no moralismo natural advogado por Finney, as campanhas políticas e sociais dos cristãos alicerçaram sua fé na humanidade e em seus próprios recursos para a salvação de si mesma. Ecoando um pouco de deísmo, Finney declarou: “Na vida espiritual nada existe além das capacidades naturais; ela consiste totalmente no correto exercício dessas capacidades. É apenas isto e nada mais. Quando a humanidade se torna verdadeiramente religiosa, as pessoas são capacitadas a demonstrar esforços que eram incapazes de manifestar antes. Exercem apenas capacidades que tinham antes, e utilizavam de maneira errônea, e agora as empregam para a glória de Deus”. Deste modo, visto que o novo nascimento é um fenômeno natural, o mesmo ocorre ao avivamento: “Um avivamento não é um milagre, tampouco depende deste, em qualquer sentido; é simplesmente um resultado do filosófico da correta utilização dos meios estabelecidos, assim como qualquer outro resultado produzido pelo emprego destes meios”. A crença de que o novo nascimento e um avivamento dependem necessariamente da atividade divina era perniciosa para Finney. Ele disse: “Nenhuma doutrina é mais perigosa do que esta para o progresso da igreja, e nada pode ser mais absurdo”. Quando os líderes do Movimento de Crescimento de Igreja reivindicam que a teologia impede o crescimento da igreja e insistem que, não importando o que determinada igreja acredita em particular, o crescimento é uma questão de seguir os princípios adequados, estes líderes estão demonstrando seu débito a Finney. Quando os líderes do movimento Vineyard exaltam a iniciativa subcristã de Finney, bem como o gritar, a desordem, o falar alto, o rir e outros fenômenos estranhos, com base na idéia de que “isto funciona” e que devemos julgar a verdade destas coisas pelos frutos produzidos, esses líderes estão seguindo idéias de Finney e de William James, o pai do pragmatismo americano. Este último declarou que uma verdade precisa ser julgada de acordo com “seu valor na prática”.

Deste modo, na teologia de Finney, Deus não é soberano, o homem não é pecador por natureza, a expiação realmente não é um pagamento pelo pecado, a justificação por meio da imputação é um insulto à razão e à moralidade, o novo nascimento é apenas o resultado da utilização de técnicas bem-sucedidas, e o avivamento é o resultado natural de campanhas inteligentes. Em sua recente introdução à edição do bicentenário da Teologia Sistemática de Finney, Harry Conn recomenda o pragmatismo de Finney:“Muitos servos de Deus procuram um evangelho que‘funciona’; sinto-me feliz em declarar que o acharão nesta obra”. Conforme Whitney R. Cross cuidadosamente documentou em seu livro, The Burned – Over District; The Social and Intellectual History of Enth-usiastic Religion in Western New York, 1800-1850, todo o território em que com mais freqüência se realizavam os avivamentos de Finney era também o berço dos cultos perfeccionistas que infestaram aquele século. Um evangelho que “funciona” hoje, para os zelosos perfeccionistas, apenas cria os supercrentes iludidos e esgotados de amanhã.

É desnecessário dizer que a mensagem de Finney é radicalmente contrária à fé evangélica, assim como as diretrizes fundamentais de movimentos vistos ao nosso redor, que demonstram as marcas de Finney: o avivalismo, o perfeccionismo e o emocionalismo pentecostal, e as tendências anti-intelectuais e anti-doutrinárias do fundamentalismo e evangelicalismo moderno. Foi por intermédio do “Movimento da Vida Superior” (Higher Life Moviment), do final do século XIX e início do século XX, que o perfeccionismo de Finney chegou a dominar o recém-nascido movimento dispen- sacionalista através de Lewis Sperry Chafer, fundador do Seminário de Dallas e autor de He That Is Spiritual (Aquele que é Espiritual). Finney, entretanto, não é o único responsável; ele é mais um produto do que um produtor. Apesar disso, a influência que ele exerceu e continua exercendo é abrangente.

O avivalista não apenas abandonou o princípio fundamental da Reforma (a justificação), tornando-se um rebelde contra o cristianismo evangélico, como também rejeitou as doutrinas que têm sido acreditadas por católicos e protestantes (tais como o pecado original e a expiação vicária). Por isso, Finney não é simplesmente um arminiano, mas um pelagiano. Ele não é apenas um inimigo do protestantismo evangélico mas também do cristianismo histórico, no mais abrangente sentido da palavra.

Não enfatizo estas coisas com satisfação, como se desejasse regozijar-me em denunciar os heróis dos evangélicos americanos. Porém, sempre é bom, especialmente quando perdemos algo de valor, retroceder nossos passos, a fim de determinar onde ou quando, pela última vez, o tínhamos em nossa possessão. O propósito deste artigo é focalizar, com sinceridade, o grave afastamento do cristianismo bíblico promovido através do avivalismo americano. Até que sejamos capazes de encarar este afastamento, estaremos perpetuando um caminho perigoso e distorcido. Em uma afirmativa, Finney estava absolutamente correto: o evangelho afirmado e defendido pelos teólogos de Westminster (os quais ele atacou diretamente) e por todos os evangélicos é “outro evangelho”, no sentido de ser distinto daquele que Finney proclamava. A grande questão do momento é: Qual destes é o nosso evangelho?


Autor: Michael Horton

Michael Horton é professor de Apologética e Teologia Sistemática na Westminster Seminary California (EUA). É formado pela Biola University, mestre pelo Westminster Seminary California e obteve seu pós-doutorado pela Universidade de Coventry e Wycliffe Hall, em Oxford. Horton é autor de vários livros, incluindo O Cristão e a Cultura e Face a Face com Deus (CEP).

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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