sábado, 23 de novembro
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Conhecimento ineficaz

Ser capacitado a formular uma consistente, ampla e clara opinião sobre as verdades reveladas nas Escrituras é um grande privilégio. Mas aqueles que o possuem estão sujeitos à tentação de pensarem exageradamente a respeito de si mesmos e menosprezarem os outros, em especial aqueles que não somente recusam adotar tais opiniões, mas também se opõem a elas. Existem poucos escritos sobre assuntos controversos que, embora excelentes em outros aspectos, não estão maculados por este espírito de superioridade. E, se aqueles que não foram chamados para esse ministério (de escrever) examinarem atentamente a si mesmos, também perceberão este espírito de superioridade agindo em seus próprios corações. E, na medida que prevalece em nós, somos obrigados a reconhecer nossa culpa de ignorância e inconsistência, as quais estamos sempre dispostos a lançar sobre nossos oponentes. Para nos ajudar a corrigir este mal, não conheço coisa melhor do que ponderar seriamente a respeito da admirável diferença que existe entre uma opinião adquirida e nossa conduta atual. Em outras palavras, quão pouca influência nosso conhecimento ou opiniões exercem sobre nosso comportamento. Isto confirma a verdade e a conveniência da observação do apóstolo Paulo: “Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber” (1 Co 8.2). Não que, necessariamente, nos tornamos insensíveis àquilo que o Senhor nos tem ensinado. Nem seria possível que assim fosse. Todavia, se julgarmos nosso conhecimento pelos seus resultados em nossas vidas, avaliando-o somente pelo seu valor experimental e prático (que é o padrão correto pelo qual devemos julgá-lo), descobriremos que ele é tão frágil e pobre; por isso, dificilmente merece ser considerado.

Por exemplo, com muita convicção estamos persuadidos de que Deus é onipresente. Ainda que encontremos grandes dificuldades em nossas idéias sobre este assunto, poucos a ele se opõem. Em geral, a onipresença de Deus é admitida por pessoas incrédulas e, podemos acrescentar, muito freqüentemente pelos crentes, como se tanto estes como aqueles não a conhecessem. Se os olhos do Senhor estão em todos os lugares, este pensamento deveria constituir uma grande proteção para a conduta daqueles que professam ouvi-Lo. Sabemos como regularmente modificamos nossas atitudes quando estamos na presença de uma pessoa da qual dependemos ou que possui uma posição de superioridade sobre nós. Em tal circunstância, somos cuidadosos em corrigir nosso comportamento, evitando o que é impróprio ou ofensivo!

Não achamos estranho que, se temos extraído das Escrituras nossos conceitos sobre a majestade, a pureza e santidade divina, nos mostramos insensíveis na indizível obrigação de regular tudo que dizemos e fazemos de acordo com os seus preceitos? Não é estranho que em muitas ocasiões somos traídos por atitudes incorretas que não cometemos na presença de pessoas importantes e, talvez, mesmo de crianças? Inclusive quando estamos orando, por meio do que professamos nos aproximar do Senhor, a consideração de que os olhos do Senhor estão sobre nós manifesta ter pouca capacidade de prender nossa atenção ou impedir que nossos pensamentos vagueiem, à semelhança dos olhos de um tolo, por todos os lugares da terra. O que devemos pensar de alguém que, ao ser recebido na presença de um rei, para tratar de um importante assunto, interromperá a audiência para caçar uma borboleta? Se tivermos tal momento de fraqueza, ela servir á apenas como um frágil exemplo das inconsistências com as quais se acusam, na oração, aqueles que conhecem seus próprios corações. Eles não são completamente ignorantes do fato que atitude de espírito é necessária para que o pecador se aproxime de Deus, diante de Quem os anjos foram representados como seres que cobrem suas faces.

Entretanto, desafiando este nobre conceito sobre Deus, a atenção de tais pessoas é desviada dAquele com quem terão de prestar contas para as mais insignificantes trivialidades. Incapazes de reconhecer a Presença da qual confessam estar cercados, falam como se estivessem proferindo palavras ao ar. Além disso, se nosso senso de que Deus está sempre presente fosse, em boa medida, proporcional àquilo que professamos, este senso nos preservaria com eficiência de muitos temores inoportunos e sem fundamento, com os quais às vezes somos afligidos! Deus disse: “Não temas, eu estou contigo”; Ele prometeu ser um escudo e guardar todos que confiam nEle. Porém, embora professemos crer em sua Palavra e esperar que Ele seja nosso protetor, raramente nos sentimos seguros, ao enfrentar qualquer perigo, mesmo quando estamos cumprindo nossos deveres. Temos pouca razão para valorizar nosso conhecimento sobre esta inquestionável verdade, quando ela não exerce uma eficaz e habitual influência sobre nossa conduta.

De maneira semelhante, a doutrina da soberania de Deus, ainda que receba menos atenção do que a anterior, não é menos aceita entre os que se chamam calvinistas. Em nossos debates com os arminianos, defendemos com zelo este assunto doutrinário, estando dispostos a nos admirarmos de que alguém seja tão endurecido de coração, ao ponto de questionar o direito do Criador para fazer o que deseja com aquilo que Lhe pertence. Enquanto estamos engajados em defender a eleição incondicional, convencidos pelos argumentos que as Escrituras nos oferecem em apoio a esta verdade e nutridos pela confortável esperança de que nós mesmos pertencemos ao número dos eleitos, dificilmente evitamos acusar nossos inimigos, chamando- os orgulhosos, perversos e obstinados, porque se opõem à eleição incondicional. Sem dúvida, esta oposição se fundamenta no orgulho do coração humano, mas este maldoso princípio não está limitado apenas a um grupo; também ocasionalmente surge quando aqueles que contendem em favor da soberania divina são mais influenciados pelo orgulho do que seus oponentes. Esta humilhante doutrina requer submissão à vontade de Deus, em todas as circunstâncias da vida, bem como demanda nossa anuência ao propósito divino em demonstrar sua misericórdia. Mas, infelizmente, com muita freqüência nos vemos completamente incapazes de aplicá-la a nós mesmos, de modo a conciliar nossos espíritos com as aflições que Deus se agrada em nos conceder. Quando somos capazes de afirmar, sendo exercitados na pobreza ou em graves perdas e sofrimentos: “Fiquei calado e não abri meus lábios, porque Tu fizeste estas coisas”, somente então, e não antes, mostramos estar realmente convencidos de que Deus tem o soberano direito de dispor nossa vida e todas as suas circunstâncias conforme Lhe agrada. Em tais ocasiões, o argumento que habitual e corretamente oferecemos aos outros, como suficientes para silenciar todas as suas objeções, recai sobre nós: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?” Esta é uma prova evidente de que nosso conhecimento é mais nocional do que experimental. Que inconsistência demonstramos ao achar difícil nos sujeitarmos àquilo que Deus permite para nós mesmos, em questões indizivelmente menos importantes, enquanto pensamos que Ele é justo e correto em reter dos outros as coisas que contribuem ao eterno regozijo deles!

As circunstâncias que o Senhor envia para os que O temem não apenas procedem de sua soberania, mas também de sua sabedoria e graça. Deus uniu o bem-estar dos salvos à sua própria glória, estando comprometido, por sua própria promessa, a fazer todas as coisas cooperarem juntas para o benefício deles. Deus escolhe para o seu povo circunstâncias melhores do que eles mesmos poderiam escolher. Se estão passando por aflições, existe uma razão de ser para estas; e nada Ele retém de seu povo, exceto aquilo que, no âmbito geral, é melhor eles não possuírem. Assim nos ensinam as Escrituras, e assim nós professamos crer.

Com estes princípios em nossos corações, não erramos ao sugerir motivos que trazem consolo e paciência ao nossos irmãos que se encontram em aflições; podemos assegurar-lhes, sem hesitação, que, se confiam nas promessas, suas preocupações estão em mãos seguras; também podemos dizer-lhes que as circunstâncias presentes, que não trazem alegria e sim tristeza, no devido tempo produzirão os frutos pacíficos de justiça; e o consolo e a misericórdia são tão certos quanto as provações. Através da história de José, Davi, Jó e outras relatadas nas Escrituras, podemos provar-lhes que, apesar de quaisquer situações tenebrosas do presente, com certeza as coisas sairão bem para o crente. Deus pode retificar os caminhos escabrosos, e, com freqüência, Ele produz o maior benefício utilizando eventos que consideramos ruins. Disto podemos inferir não apenas a pecaminosidade mas também a tolice de encontrar erro em qualquer das circunstâncias que Deus nos concede. Podemos dizer aos que estão passando por aflições que os piores sofrimentos do tempo presente não são dignos de ser comparados com a glória que será revelada; portanto, estando sob grandes pressões, eles devem chorar como pessoas que esperam em breve ter enxugadas todas as suas lágrimas. Mas, quando nós mesmos estamos passando por provações, sendo atribulados por todos os lados ou afligidos em uma área muita querida de nossas vidas, quão difícil é sentirmos a força destes argumentos, embora saibamos que são verdadeiros! Por conseguinte, a menos que sejamos capacitados com novo vigor procedente do alto, estamos sujeitos a lamentar e desanimar, como se pensássemos que nossas aflições surgiram da terra e que o Senhor esqueceu-se de ser gracioso.

É possível mostrar a diferença entre nosso discernimento, quando se encontra bastante iluminado, e nossa atual experiência em relação a toda verdade espiritual. Sabemos que não existe proporção entre o tempo e a eternidade, Deus e suas criaturas, o favor do Senhor e o desagrado e bondade do homem. Entretanto, quando estas coisas são colocadas em íntima competição, temos de permanecer firmes no caminho do dever; mas, se não recebermos novas provisões de graça, estejamos certos de que cairemos na hora da provação, e nosso conhecimento não terá outro efeito além de tornar nossa culpa mais injustificável. Parecemos estar certos de que somos criaturas fracas, pecadoras, imperfeitas; no entanto, somos propensos a agir como se fôssemos sábios e bons. Em resumo, não podemos negar que grande parte de nosso conhecimento, conforme já descrevemos, assemelha-se à luz da lua, destituída de calor e influência. E dificilmente podemos evitar pensamentos elevados a respeito de nós mesmos por causa de tal conhecimento.

Assim como o salmista, devemos perguntar: “Senhor, que é o homem?” Sim, que enigma, que criatura inconsistente é o crente! Ele conhece a si mesmo; ele conhece ao seu Senhor. Seu entendimento foi iluminado para assimilar e contemplar os grandes mistérios do evangelho. O crente tem idéias corretas sobre a malignidade do pecado, a vaidade do mundo, a beleza da santidade e a natureza da felicidade. Ele era trevas, mas agora é luz no Senhor; tem acesso ao Pai por intermédio de Jesus Cristo, ao qual o crente está unido e nEle vive pela fé. Enquanto os princípios que ele recebeu são renovados pela agência do Espírito Santo, ele pode fazer todas as coisas. Ele é humilde, gentil, paciente, fiel. Regozija-se nas aflições, triunfa nas tentações, vive em harmonia com as antecipações da glória eterna e não considera nada como precioso neste mundo, desde que possa glorificar a Deus, seu Salvador, e terminar sua vida com alegria. Mas a sua força não está em si mesmo; ele é absolutamente dependente, cercado por enfermidades e afligido por uma natureza corrompida. Se o Senhor retirar o Seu poder, o crente se torna fraco como qualquer outro homem e afunda, assim como uma rocha cai sobre a terra por causa de seu próprio peso. O conhecimento íntimo do crente pode ser comparado à janela de uma casa, que pode transmitir luz, mas não pode retê-la. Sem as renovadas e constantes comunicações provenientes do Espírito Santo, o crente é incapaz de resistir a menor tentação, suportar a mais leve provação, realizar o mais insignificante serviço da maneira correta ou mesmo nutrir bons pensamentos. O crente sabe disso, porém o esquece com freqüência. Mas o Senhor o faz recordar- se, por suspender aquela assistência sem a qual o crente nada pode fazer. Então, ele percebe o que realmente é e, com facilidade, se previne contra a atitude de agir contra o seu melhor conhecimento. Essa constante percepção de sua própria fraqueza o ensina progressivamente onde sua força se encontra: ela não está em qualquer coisa que ele mesmo já conquistou ou possa declarar que lhe pertence; está na graça, poder e fidelidade do Salvador. O crente aprende a deixar de confiar em seu próprio raciocínio, a se envergonhar de seus próprios esforços, a aborrecer a si mesmo, no pó e na cinza, e a glorificar apenas o Senhor.

Disto podemos observar o seguinte: os crentes que possuem mais conhecimento não são, necessariamente, os mais espirituais. De fato, alguns são capazes e realmente vivem de maneira mais honrável e tranqüila com dois talentos do que outros que têm cinco talentos. Aquele que conhece sua própria fraqueza e depende somente do Senhor, com certeza florescerá, embora sejam pequenas suas realizações e habilidades já conseguidas. E aquele que possui os maiores dons, discernimentos mais claros e amplo conhecimento, se alimentar pensamentos elevados acerca de suas vantagens, está no iminente perigo de errar e cair, pois o Senhor não permitirá que seus amados gloriem-se em si mesmos. Ele guia os humildes, supre os famintos com coisas boas e despede com mãos vazias os abastados. E aquele que se humilha Ele exalta.


Autor: John Newton

John Newton (Londres, 24 de Julho de 1725 — 21 de Dezembro de 1807) foi um clérigo Anglicano, ex traficante de escravos. Foi autor de muitos hinos incluindo Amazing Grace.

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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