Sou procurado vez por outra para dar opinião sobre algo com relação ao Departamento Infantil. Por um lado, fico feliz por este reconhecimento, pois já se vão mais de 20 anos pesquisando sobre a infância e a fé das crianças e o que isso tem a ver com a Igreja de Cristo, com o Reino de Deus e com a boa educação cristã e reformada para os pequeninos filhos da Promessa. Por outro lado, sinto que às vezes falta-me fôlego diante de tantos desafios e também pique para correr atrás de inúmeras informações neste mundo mais do que moderno. Ufa. Um dia desses perguntaram-me sobre o uso da Bíblia em celulares durante o culto.
Definitivamente o mundo da tecnologia não tem mais volta. E ele dá voltas velozes com a gente dentro! Quantas situações que até pouco tempo atrás nem ousávamos imaginar, hoje vemos? Tantas! Quem, chegando aos 50 anos, quando criança poderia imaginar que um dia teríamos um telefone em nossos bolsos (o tal do celular), com acesso a um monte de coisas que se pode fazer com apenas um toque em um aplicativo baixado? Hoje, porém, pode-se até ler a Bíblia no celular durante o culto, com direito a escolher em qual versão ou idioma. Sim, são tempos modernos, mas eu me pergunto se já não são tempos modernos… demais?!
Claro que há benefícios na tecnologia. Claro que eu também tenho a Bíblia no meu celular (baixei) e que já me socorreu inúmeras vezes em viagens, quando evangelizo alguém sentado ao meu lado em um ônibus, ou mesmo para uma leitura devocional em uma repartição pública lotada. Sim, este é mais um dos recursos à disposição, que você e eu podemos utilizar.
Mas, tratando-se de igreja, de culto público, eu vou dar a minha opinião: sou contra o seu uso. Sou contra o seu uso durante qualquer atividade na igreja e isso vai da Escola Bíblica Dominical ao culto vespertino e demais reuniões públicas de adoração e de estudo da Palavra de Deus. Se confrontado, eu serei obrigado a dizer que nada encontro como argumento de que a Bíblia no celular não seja a Palavra de Deus lida. E é claro que não poderei ir contra isto quando a versão digital for fiel às Escrituras originais. Mas, por que não recomendo o uso de Bíblias em celulares no culto? Por, pelo menos, quatro razões… minhas:
1. Por causa da incontrolável coceira dos dedos tamborilantes e do cérebro moderno afetado pelo terrível vírus Dii: digitalus irriquietus incontralavius.
Eu não vejo com muito bons olhos este recurso no culto. Percebo que ele mais distrai do que ajuda na concentração tão importante e necessária durante o sermão e a exposição das Sagradas Escrituras, pois celular ligado em culto oferece sempre o perigo e o convite para a distração. Poucos são os que ficam com o aparelho “aberto” na Bíblia sem começar a coçar-se com a coceira quase que incontrolável de seguir e continuar mexendo no celular o tempo todo. Em saguões de aeroportos é o que eu mais vejo: gente mexendo para lá e para cá no celular, quase não demorando um minuto em uma página. Na igreja, as possibilidades não estão ausentes. Ah, e o que dizer da coceira de olhar rapidinho os emails? E da outra coceira: a de ler os torpedos ou de respondê-los, pois o nome já diz tudo “torpedos”. E eles são disparados às centenas e em diversos horários, a toda hora e a todo instante. A cada segundo são enviados mais de 200 mil torpedos no mundo, todos os dias, incluindo os domingos. E sempre haverá sim torpedo chegando para você durante o culto. E torpedo recebido tem uma urgência de ser respondido…
Irmãos modernos, vamos ser sinceros: celular na mão + recursos mil à disposição “e apenas a um toque” + torpedos = distração na certa! Eu não conheço quem consiga se controlar e concentrar-se no culto sem dar uma olhada distraída no torpedo que acabou de chegar. E aqui, na distração, há perda de concentração e também a falta de REVERÊNCIA na Casa do Senhor, pois estamos ali para adorá-Lo na beleza da Sua Santidade e com todo o nosso coração, mente e alma. Falhar aqui é ir contra a Palavra de Deus e a Sua Santa Presença em Sua Casa (veja: Deuteronômio 6.1-7; Salmos 93.5, Habacuque 2.20 e Hebreus 12.28).
2. Por causa do que considero ser um mau exemplo para crianças e adolescentes.
Nesta mesma linha, um adulto pode dizer que consegue controlar-se e concentrar-se só na Bíblia no celular e o tempo inteiro no sermão. Mas, uma criança e um adolescente não conseguem. Afirmo isto sem medo, em 99% dos casos. Um “quê” de desconcentração, e a “tentação” de seguir mexendo no celular durante o culto, ocorrerá da parte dos mais jovens e que estão com as suas personalidades em formação, mais cedo ou mais tarde. Esta geração de crianças e adolescentes é altamente vulnerável à tecnologia, e se um adulto faz isto no culto, o que os impede de fazerem também? E argumentos e argumentações para isto não faltarão, ainda mais tendo você e a sua vida de adorador, adulto ou pai que lê a Bíblia no celular durante o culto, (e quem sabe, de vez em quando, dá as suas navegadinhas…), como motivo que lhe abriu o desejo de imitá-lo nisto; mas eles não ficarão só nisso.
Quando leio que uma pessoa da igreja e da fé deva ser o padrão para os fiéis1 nesses tempos, neste tema e neste campo, vejo que o texto de Paulo a Timóteo deve ser urgentemente observado. Não seja você, adulto ou até pai, um motivo de tropeço para fazer uma criança ou seu próprio filho ficar à mercê de todas as tentações, questões e demais distrações envolvidas e inerentes a um tablet ou celular durante o culto.
Você já pensou na seriedade das palavras do Senhor Jesus para os nossos dias quanto a fazer tropeçar um de seus pequeninos? E ali, no contexto da Sua advertência, o Senhor não está falando apenas sobre seus humildes seguidores de todas as idades (pequeninos em posição, classe social ou conhecimento). Ele incluiu as crianças também! 2
3. Por causa da questão do situar-se na Bíblia através do campo de visão, retendo a passagem lida, a fim de desenvolver uma maravilhosa intimidade de manuseio com a Palavra de Deus.
Eu sou daqueles privilegiados que aprenderam a ler com a Bíblia. Alfabetizado, eu ainda não conseguia articular direito as frases, juntando as letras. Tinha certa dificuldade. Mas quando foi um dia, a minha mãe e eu estávamos lendo sua Bíblia, e eu pude seguir com a leitura sozinho! Eu não me esqueço da emoção e, até hoje, aquele dia está marcado em minha memória para sempre! O dia em que aprendi a ler com o Livro de Deus!
A Bíblia, o livro em mãos, é uma graça maravilhosa que temos! 3 Poder manuseá-la, poder localizar os versículos que marcamos com lápis de cor, aquela porção com a qual nos identificamos ou fomos confortados, poder abrir novamente a passagem e, mesmo não conseguindo lembrar de detalhes da referência, poder localizar o trecho lido por recordação no campo de visão, uma vez que aprendemos a marcar bem as partes da Bíblia logo cedo por colunas, ajuda e muito. E a formatação das novas Bíblias eletrônicas é diferente. Isso não deveria jamais ser deixado de lado.
Além do que, manusear bem a Palavra de Deus inclui decorar os seus livros e saber posicioná-los com maestria na abertura do texto sugerido para o sermão ou para a leitura devocional. Como faz bem manusear a Bíblia! Como isto demonstra crescimento e maturidade espiritual. Como esquecer as canções que aprendemos quando criança sobre todos os livros da Bíblia e a sequência exata desta beleza, localizando-os também no Livro? Um celular outablet jamais poderão equivaler a esta emoção.
Isto faz muita diferença: saber localizar-se na Bíblia. Isto demonstra que há diferença em sua vida por saber manusear este Livro Sagrado! Não há tecnologia que proporcione isto, acredite-me. E eu não gostaria de ver as crianças desses tempos modernos perderem este privilégio e saírem perdendo, de fato, por não saberem manusear a Bíblia, entre outras questões que considero preciosas. Não dá para ser um eficiente espadachim com um joguinho de espadachim no celular ou tablet. Não dá para ser um bom leitor e observador da Palavra de Deus, sem saber onde estão localizados os livros. Eles têm folhas escritas, têm história, têm tempo 4.
É indescritível o sentimento de poder ter aberto a Bíblia e, achado o texto buscado com lágrimas, no momento de grande dor ou aflição. Não retiremos de nossas crianças este privilégio: o de saber onde está o texto desejado no Livro de Deus!
Infelizmente, já retiramos tantas coisas das nossas crianças: retiramos os concursos bíblicos, o bom hábito de cantar os hinos históricos da nossa fé, o bom proveito do culto doméstico, a riqueza de decorar versículos e demais porções da Bíblia e há quem queira retirar-lhes a Escola Bíblica Dominical. E agora iremos nós retirar a Bíblia em forma de livro de suas mãos? Não, eu lhes imploro que não! Eu, que tenho ambas, posso até ser interpretado como exagerado no que passarei a dizer, mas confesso: sinto uma enorme diferença entre ler a Palavra de Deus no papel e lê-la em uma tela fria de um aparelho eletrônico qualquer.
4. Por causa da Identificação com O Livro!
A minha avó Cecília foi convertida por Deus quando já mãe de oito filhos. A minha mãe era muito pequena, mas contou-me dos dias da conversão da minha avó. Cecília sofria agruras com o marido que seguia bebendo, seguia nas farras das noites, seguia perdendo empregos e seguia insistindo em gastar as parcas economias da família de maneira dissoluta. Mas quando foi um dia, um presbítero que era caixeiro viajante falou-lhe de Jesus Cristo. E lhe deu uma Bíblia. Cecília “virou crente”! E que crente em Cristo foi a minha avó! Os vizinhos romanistas fervorosos viraram-lhe as costas e nunca mais compraram os seus utensílios de flandres (panelas, copos simples que ela manufaturava e vendia nas feiras e vizinhança). As procissões enormes faziam questão de parar em frente à sua casa e ficar entoando cânticos romanistas por horas, recitando também palavras de ordem contra o protestantismo. Não foram poucas as pedradas contra as vidraças de suas janelas. Mas a minha avó, que tinha perdido tudo, tinha ganhado a Cristo! E lendo a Bíblia, criou as filhas no caminho do Senhor. Domingo de manhã, todo mundo saia de casa, cada qual levando consigo a sua Bíblia. Isto incluía a minha mãe ainda pequena.
No Rio de Janeiro, os nossos irmãos eram conhecidos como “Bíblias” de tanto que a portavam e sabiam manuseá-la. Como acho importante o crente e sua Bíblia. Portá-la visivelmente denota identificação com o Livro, com seu conteúdo e com a gente de fé em Cristo! Teve um tempo em que era preciso muita coragem para portá-la em público, mas isto trazia não só respeito, mas identificação, insisto nisso! E um celular que tem Bíblia? E daí, me diz o que em público?! Identifica-me com o que e com quem?
Nossos filhos precisam aprender a amar este Livro, pois se aprenderem a amar o celular, este, ainda que contenha a Bíblia, não será a sua identificação maior e pública, e eles se perderão pelos muitos caminhos atraentes de um celular. Seu filho nem sentirá esta preciosa identificação com o Livro de Deus e com tudo o que ele representa para a vida e para a fé.
Somos um povo. Nos Estados Unidos este POVO foi chamado de “o Povo do Livro”. E que Livro! Celular algum conseguirá trazer e manter esta identificação e esta identidade. Não seja você, adulto ou pai, um que irá contra esta e outras tantas lindas histórias de gente que ama o Livro de Deus. Leve consigo a sua Bíblia para a igreja sempre. E deixe o celular em sua casa. Leia a Bíblia na sua casa – a Bíblia de papel e no papel. Demonstre a importância deste Livro e a diferença da sua leitura. Eu tenho para mim que a Bíblia em tablet ou em celular está se tornando cada vez mais usada para conferir um texto ocasional ou para leitura só no culto. E só. Isto parece ser a vida e ação de muitos crentes hoje em dia e eu estou começando a ficar convencido disso.
Não retire de perto do seu filho a Bíblia. Sim, a em forma de livro. Lê-la, transportá-la e identificar-se com toda a linda e marcante história do povo de Deus que a amou, preservou e dedicou-lhe especial atenção enquanto a conduzia para a Igreja e por ela era conduzido durante a vida, tecnologia alguma suplantará.
Hoje eles são crianças e adolescentes. Hoje eles olham para você e aprendem com você. E eu lhes digo: agora que estou a poucos dias de levar a minha filha para a Universidade, em outra cidade bem distante de onde moramos, para ela iniciar a sua vida acadêmica, fez toda diferença no meu coração vê-la arrumando a mala e colocando ali a sua Bíblia com carinho. Esta linda cena que ficará em minha memória não seria possível se ela estivesse colocando em sua mala naquele dia apenas o seu celular, ainda que contendo a Bíblia. Pense nisso.
Algumas Dicas:
1. Deixe o seu celular em casa. Aprenda a não levá-lo para a igreja. A maioria considerável dos crentes não precisa do celular no domingo. Por questões de segurança, porém (como a de ter que chamar um guincho), deixe o celular no carro ou desligado na bolsa.
2. Profissionais da área de saúde ou de outras áreas que requeiram estar com o celular por questões de emergência, deixe-o no modo vibrador e nunca entregue o celular para o filho.
3. Desacostume-se urgentemente a ler a bíblia no celular durante o culto. Boa parte dos crentes que faz isto está perdendo rapidamente o bom hábito de levar a Bíblia para a igreja. Muitos crentes estão perdendo também a capacidade de retenção do texto lido por causa disso.
4. Como o celular é muito mais importante para outras questões e usos no dia-a-dia, o risco de a Bíblia passar a ser apenas um daqueles aplicativos opcionais e “de uso de vez em quando”, torna-se grande. Perdida no meio de tantos aplicativos opcionais que você baixou, ela corre o risco de cair no esquecimento.
5. Pesquisas, estudos, autoridades médicas ainda discutem os malefícios da tecnologia na mente das crianças. Não fique só com a opinião dos que defendem os benefícios da tecnologia. Há muita discussão em aberto neste campo. Estude algo sobre dislexia, por exemplo, e veja como aparelhos eletrônicos, games, jogos e afins podem contribuir para problemas como dislexia ou síndrome de Asperger.
6. Desconcentrar-se em cultos já é algo muito fácil para as crianças e adolescentes. Com um recurso tecnológico em mãos, o problema com certeza irá aumentar.
7. Se em cinemas, salas de aula, aviões… o uso do celular é proibido, por que na igreja seria diferente? E por que você concorda que o aparelho deva estar definitivamente desligado no cinema (pois atrapalha o filme), na sala de aula do seu filho (pois ele irá perder a concentração e ficar mexendo no celular, sem dúvidas) e em aviões (pois compromete a segurança), por que no culto pode?
8. Quando as nossas filhas eram pequenas e já estavam alfabetizadas, minha esposa anotava os pontos e partes do sermão e elas iam tomando notas junto, pegando os pontos das anotações da mãe. Isto ajudava na concentração, no acompanhamento e na retenção da mensagem. Incentive seus filhos a anotarem os pontos do sermão. Faça isso com eles.
Notas:
1 – Ver Tito 2.7; 2 Timóteo 1.13.
2 – Ver Mateus 18.1-6.
3 – Convido você a ler e meditar na História do rei Josias e o Livro perdido – 2 Reis, capítulo 22.
4 – Ver 2 Timóteo 2.15