sábado, 23 de novembro
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O componente corporativo da conversão

Se sua doutrina da conversão carece do elemento corporativo, uma parte essencial do todo está faltando. Um cabeça da aliança vem com um povo da aliança.

Vertical em Primeiro Lugar, Horizontal Inseparavelmente em Segundo

Isso não significa dizer que nós deveríamos pôr o elemento corporativo na frente. Alguém poderia pensar na conhecida afirmação de N.T. Wright de que a justificação é “não tanto sobre soteriologia quanto sobre eclesiologia; não tanto sobre a salvação quanto sobre a igreja” (What Saint Paul Really Said, p. 119). Esse é um claro exemplo, na quase tão conhecida afirmação de Douglas Moo, de como colocar em segundo plano o que o Novo Testamento põe em primeiro, e colocar em primeiro plano o que o Novo Testamento põe em segundo (citado em D.A. Carson, “‘Faith’ and ‘Faithfulness’“).

Não pode haver verdadeira reconciliação entre humanos até que os pecadores sejam primeiro individualmente reconciliados com Deus. O horizontal necessariamente segue o vertical. A eclesiologia necessariamente segue a soteriologia. O que significa dizer: o elemento corporativo não pode vir primeiro, a fim de que não percamos a coisa toda.

Mas ele deve vir. De fato, o componente corporativo deve integrar a própria estrutura da doutrina da conversão. A nossa unidade corporativa em Cristo não é apenas uma implicação da conversão, é parte da própria coisa. Ser reconciliado com o povo de Deus é algo distinto, mas inserparável de ser reconciliado com Deus.

Às vezes isso é perdido em nossa ênfase na mecânica da conversão, como quando nossas discussões doutrinárias acerca da conversão não ultrapassam a relação entre soberania divina e responsabilidade humana ou a necessidade de arrependimento e fé. Contudo, um entendimento abrangente da conversão deveria também incluir um relato acerca de onde estamos vindo e para onde estamos indo. Ser convertido envolve mover-se da morte para a vida; do domínio das trevas para o domínio da luz. E  envolve mover-se de ser “não-povo” para pertencer a um povo, de ser uma ovelha desgarrada para pertencer ao rebanho, de ser algo desmembrado para tornar-se um membro do corpo.

Observe as afirmações paralelas de Pedro:

Vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus,

que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia. (1Pe 2.10)

Alcançar misericórdia (reconciliação vertical) é simultaneamente tornar-se um povo (reconciliação horizontal). Deus tem misericórdia de nós ao perdoar os nossos pecados, e uma necessária consequência disso é a nossa inclusão no seu povo.

A Natureza Corporativa das Alianças

Com efeito, não é preciso olhar além da estrutura pactual da Bíblia para ver o elemento corporativo da nossa conversão. É verdade que todas as alianças do Antigo Testamento encontram o seu cumprimento no descendente (singular) de Abraão. Jesus é o novo Israel. Contudo, é também verdade que todos aqueles que são unidos a Cristo por meio da nova aliança também se tornam o Israel de Deus e os descendentes (plural) de Abraão (Gl 3.29; 6.16).

Em outras palavras, um cabeça da aliança por definição traz consigo um povo da aliança (ver Rm 5.12ss). Pertencer à nova aliança, portanto, é pertencer a um povo.

Não é surpreendente que as promessas do Antigo Testamento acerca de uma nova aliança tenham sido feitas a um povo: “Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao SENHOR, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o SENHOR. Pois perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Jr 31.34). A nova aliança promete perdão (vertical) assim como promete uma comunidade de irmãos (horizontal).

Vertical e Horizontal em Efésios 2

A história inteira é apresentada de modo maravilhoso em Efésios 2. Os versículos de 1 a 10 explicam o perdão e a nossa reconciliação vertical com Deus: “Pela graça sois salvos”. Os versículos de 11 a 20 então apresentam o horizontal: “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade” (v. 14).

Observe que a atividade do versículo 14 está no tempo pretérito. Cristo já fez  com que judeus e gentios se tornassem um. Não há imperativo aqui. Paulo não está ordenando aos seus leitores que busquem a unidade. Ao invés disso, ele está falando no indicativo. Isso é o que eles são porque Deus o fez, e Deus o fez precisamente no mesmo lugar em que ele efetuou a reconciliação vertical – na cruz de Cristo (veja também a relação entre indicativo e imperativo em Efésios 4.1-6).

Por força da nova aliança em Cristo, a unidade corporativa pertence ao indicativo da conversão. Ser convertido é ser feito um membro do corpo de Cristo. A nossa nova identidade contém um elemento eclesiástico. Cristo nos tornou pessoas eclesiásticas.

Aqui está um modo fácil de ver isso. Quando a mamãe e o papai vão ao orfanato para adotar um filho, eles o trazem para o lar e o põem na mesa de jantar da família com um novo grupo de irmãos e irmãs. Ser um filho não é o mesmo que ser um irmão. E a filiação vem primeiro. Mas a irmandade segue necessariamente.

Aplicação Pessoal: Torne-se Membro de uma Igreja

Qual é a aplicação para as nossas vidas? Simples: torne-se membro de uma igreja!

Você foi feito justo, então seja justo. Você foi feito um membro do seu corpo, então seja membro de um corpo de verdade. Você foi feito um com eles, então seja um com um verdadeiro grupo de cristãos.

Aplicação Corporativa: Entenda a Mecânica Corretamente

O que isso significa para as nossas igrejas? Significa que entender corretamente, em nossa doutrina, a mecânica da conversão mencionada acima é extremamente importante. Nós queremos ter conceitos firmes tanto acerca da soberania divina como da responsabilidade humana; tanto do arrependimento como da fé. Desequilíbrios aqui levarão a uma igreja desequilibrada e bagunçada. O que você colocar na panela da conversão se tornará a sopa da igreja.

Se a sua doutrina da conversão carecer de um conceito firme da soberania de Deus, a sua pregação e o seu evangelismo estarão sob risco de tornarem-se manipulativos e agradáveis aos homens. A sua abordagem da liderança estará mais propensa a tornar-se pragmática. Você arriscará consumir a si mesmo e a sua congregação com uma agenda excessivamente cheia. As suas práticas de membresia se tornarão baseadas em títulos e trocas de vantagens (como num clube social). As suas práticas de acompanhamento e disciplina praticamente desaparecerão. Você porá a santidade em risco. E a lista prossegue.

Se a sua doutrina da conversão carecer de um conceito firme da responsabilidade humana, você estará mais propenso a administrar pobremente os seus próprios dons, assim como os dons do seu povo. Você estará mais propenso a ser tentado pela complacência no evangelismo e na preparação do sermão. Você pode se tornar menos propenso a comunicar amor e compaixão para com aqueles que sofrem. Você pode aparentar para outros ser severo ou rígido. Você pode sofrer de uma vida pobre de oração, e então ser privado de todas as bênçãos que poderiam ser suas. Você porá em risco o amor. E a lista prossegue.

Se a sua doutrina da conversão carecer de um conceito firme do arrependimento, você se tornará rápido em oferecer a segurança da salvação, mas lento em desafiar as pessoas a calcularem o custo de seguir a Cristo. Você estará mais propenso a tolerar o mundanismo e as dissensões na igreja, e os membros da sua igreja poderão tolerar igualmente essas coisas, porque muitos deles permanecerão nos lugares rasos da fé. O nominalismo também será mais comum, porque a graça se tornará barata. Em geral, a igreja gostará de cantar sobre Cristo como Salvador, mas não tanto sobre Cristo como Senhor, e ela não parecerá muito diferente do mundo.

Se a sua doutrina da conversão carecer de um conceito firme da , você terá uma igreja cheia de pessoas legalistas, ansiosas, justas aos próprios olhos e que amam agradar os homens. Os membros mais autodisciplinados da igreja enganarão a si mesmos, pensando serem bons o bastante, ao passo que os membros menos disciplinados silenciosamente esconderão o seu pecado oculto e constantemente aprenderão a condenarem-se a si mesmos e a se ressentirem dos outros. A transparência será rara e a hipocrisia, comum. Os de fora e os pródigos não sentirão o calor e a compaixão da verdadeira graça. Preferências culturais serão confundidas com leis. A igreja gostará de cantar sobre as ordens de marcha de Cristo, o Rei, mas não tanto sobre um Cordeiro ensanguentado, um Cordeiro manchado por eles.

Eu estou pintando um retrato grosseiro, é claro. As coisas não chegam a esse ponto nitidamente. Mas a ideia básica em todos esses exemplos explora a estreita conexão entre a conversão e a igreja. Se a conversão necessariamente envolve um elemento corporativo, ou, mais concretamente, se conversões individuais necessariamente produzem um povo unido, então tudo o mais que você adicionar à sua doutrina da conversão irá afetar dramaticamente o tipo de igreja que você terá.

Você deseja uma igreja saudável? Então trabalhe em sua doutrina da conversão, e ensine todas as facetas dela para o seu povo. Assegure-se, além disso, de que as estruturas e programas da sua igreja concordem com essa doutrina poderosa e multifacetada.


Autor: Jonathan Leeman

Jonathan Leeman é graduado em Jornalismo, possui mestrado em Divindade pelo Southern Baptist Seminary (EUA) e Ph.D. em Eclesiologia. É diretor de comunicação do Ministério 9Marks.

Parceiro: 9Marks

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O ministério 9Marks tem como objetivo equipar a igreja e seus líderes com conteúdo bíblico que apoie seu ministério.

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