sábado, 14 de dezembro
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A casa de Deus

Quando a nuvem de Deus se moveu do cume do Monte Sinai para o tabernáculo recém construído, cobrindo a casa de Deus e enchendo-a com Sua glória (Êx 40.34), atingiu-se um ápice no relacionamento de Deus com a humanidade. Nesta cena majestosa, o livro do Êxodo termina com uma resolução, ainda que temporária e intermediária, da história do exílio da humanidade do Éden narrada em Gênesis 3. Além disso, o tabernáculo cheio de glória também prefigurava a solução definitiva por parte de Deus, àquela expulsão, solução que viria pela pessoa e obra de Jesus Cristo.

Ao considerarmos o significado do tabernáculo (e depois do templo) nas Escrituras, será útil manter dois pontos em mente. Primeiro, o tabernáculo era a casa de Deus, o lugar de sua morada. Cortinas azuis, púrpura e com fios carmesim, uso abundante de ouro puro e um véu dividindo suas duas salas definiam o tabernáculo como o palácio do mais sagrado rei.

Segundo, o tabernáculo era também o caminho para Deus, os rituais de sacrifício proporcionavam a expiação e a purificação necessárias para habitar com Deus. Uma visão geral simplificada do sistema sacrificial apresenta o caminho para Deus como envolvendo um movimento triplo na presença de Deus, uma “jornada” traçada através da ordem ritual de três sacrifícios primários. A adoração frequentemente começava com a oferta de purificação, com sua ênfase no sangue, ressaltando a necessidade de expiação pela humanidade, isto é, ser perdoado e purificado por Deus. Então seguia-se todo o holocausto que, com sua ênfase em queimar o animal inteiro à parte de sua pele, simbolizava uma vida de total consagração a Deus. A liturgia terminaria com uma oferta de paz na qual o adorador banqueteava-se com uma refeição sagrada, juntamente com a família e amigos, na presença de Deus. A expiação, então, como a jornada do sacrifício ensina, leva à santificação, e a santificação produz comunhão jubilosa com Deus.

Em suma, o relacionamento de Israel com Deus foi preservado e cultivado pelo ritual sacrifical do tabernáculo, possibilitando que o Criador do céu e da terra habitasse com seu povo em comunhão. Para entender a profundidade e a maravilha de tal propósito, refletiremos sobre o significado do tabernáculo primeiro dentro do propósito de Deus para a criação e depois representando o coração da aliança de Deus com o Seu povo – um propósito assumido e cumprido por Jesus Cristo.

A Criação e o Tabernáculo

Provavelmente a ideia principal a respeito do papel e propósito do tabernáculo comece com a compreensão de que, originalmente, o próprio cosmos foi criado para ser a casa de Deus e onde a humanidade desfrutaria de comunhão com ele. Somente quando aquela casa foi contaminada pelo pecado e pela morte é que uma casa secundária e provisória, o tabernáculo, se tornou necessária. Seria portanto, esperada uma medida de correspondência entre o tabernáculo e a criação, e é precisamente esse o caso.

O relato da criação de Gênesis 1.1-2.3 retrata Deus como um construtor que faz uma casa de três andares (céu, terra e mares) em seis dias e, depois de concluída, passa a residir nela desfrutando do descanso do sábado. De fato, em toda a Escritura, o cosmos é frequentemente retratado como a casa de Deus, seu santuário ou templo. O salmista diz, por exemplo, que Deus estende os céus como uma cortina e põe nas águas o vigamento de sua morada (Sl 104. 2-3; cf. Is 40. 22). Os intérpretes antigos e contemporâneos também notaram paralelos significativos entre os relatos da criação e os do tabernáculo no Pentateuco, incluindo a linguagem de bênção e santificação usada para descrever sua conclusão.

Também, enquanto a criação é relatada em sete parágrafos (por sete dias), culminando no sábado, há, similarmente, sete discursos divinos contando as instruções para o tabernáculo, (capítulos 25 a 31 de Êxodo), o sétimo discurso culminando com a legislação do sábado refere-se diretamente ao sábado de Deus em Gênesis 2. 1-3 (ver Êxodo 31.12-8). O “Espírito de Deus” permite a construção tanto da casa de Deus como o cosmos (Gn 1. 2) como da casa de Deus como tabernáculo (Êx 31. 1-5).

Além disso, embora se percam nas traduções, o relato da criação usa a terminologia do tabernáculo, particularmente no relato do quarto dia descrito em Gênesis 1: 14-19. A palavra hebraica para “luzes”, referindo-se ao sol e à lua, planetas e estrelas, é a mesma palavra para as “lâmpadas” que em outras partes do Pentateuco sempre se referem às lâmpadas do candelabro do tabernáculo. Da mesma forma, a palavra hebraica usada para “estações”, para as quais as luzes ou lâmpadas funcionam como marcadores, é um termo que no Pentateuco se torna sinônimo de festas de Israel ou festivais de culto.

Essas características, juntamente com o dia de sábado que conclui o relato, servem para retratar o cosmos como um grande templo no qual a humanidade tem o privilégio sacerdotal de se aproximar de Deus em adoração e comunhão – juntamente com toda a criação, incluindo o sol, a lua e as estrelas – servindo como uma convocação para a adoração. O cosmos como a casa de três andares, formados pelo céu terra e mares, é espelhado na estrutura tríplice do tabernáculo, com o Santo dos Santos correspondendo à sala celestial do trono de Deus. O propósito da criação, então, é que Deus e a humanidade habitem na casa de Deus em comunhão. Assim Como o “fim principal” da humanidade, a comunhão do dia do Senhor com Deus é realçada, já que o sétimo dia é o único que foi, em todo o livro de Gênesis, santificado por Deus (Gn2. 3).

Nas narrativas do Éden (Gn 2. 4–4.16), as imagens do tabernáculo se desenvolvem ricamente com o jardim do Éden retratado como o Santo dos Santos original. A exuberância do Éden é capturada na plenitude da vida associada ao tabernáculo, incluindo o candelabro, uma árvore estilizada que alguns compararam à árvore da vida do Éden (a visão do templo de Ezequiel inclui também um rio da vida em Ez 47.1-12). A presença do Senhor no Éden, descrita como “andar”, é apresentada similarmente ao tabernáculo (Gn 3. 8; Lev. 26. 11-12). Além disso, a descrição da obra de Adão no jardim, melhor traduzido como “adorar e obedecer” (Gn 2.15), é usado em outros lugares para descrever exclusivamente a obra dos levitas no tabernáculo (Nm 3. 7-8). Até mesmo a linguagem para a vestimenta que Deus fez para Adão e a mulher reaparece mais tarde, nas roupas com as quais Moisés veste os sacerdotes (Gn 3.21; Lev 8.13).

Possivelmente, mais explicitamente, o jardim do Éden fosse orientado para o leste, e após a expulsão de Adão e Eva, querubins – criaturas com aparência intimidadora – foram posicionados para guardar a entrada do jardim (Gn 3.24), características que no mundo antigo comumente marcavam a entrada de um santuário. O único lugar, no Pentateuco, além de Gênesis, onde os querubins aparecem novamente é em conexão com as cortinas e o propiciatório do tabernáculo (Êx 25. 18-21; 26. 1; 26. 31), que também era orientado para o leste (Êx 27. 9-18; Nm. 3:38).

O ponto principal desses paralelos é que a estrutura do tabernáculo (incluindo móveis, o sacerdócio, sacrifícios, calendários e rituais), como um presente de Deus, deveria recapturar o ideal de Deus para a criação, reafirmando sua intenção de habitar com a humanidade. O movimento da nuvem de glória sobre o tabernáculo em Êxodo 40.34, portanto, representou uma nova criação cheia da glória de Deus, com Arão e sua linhagem servindo ao papel de um novo Adão nessa “criação”. Teologicamente, então, dizer que o cosmo era o tabernáculo original de Deus, é entender que o tabernáculo foi criado para refletir a criação, que o Santo dos Santos representou o jardim do Éden, e que o sacerdócio atuava como uma humanidade renovada. Em outras palavras, o sistema do tabernáculo era como um “globo de neve”, um microcosmo dentro do cosmos, um modelo cerimonial da criação completo com sua humanidade exclusiva, onde os sacerdotes deveriam ser saudáveis e fisicamente perfeitos (Lv 21. 17-23) e abster-se de lamentar e de guardar luto (Lv10. 6; 21:1–3), por exemplo, fazia parte da função do sacerdote retratar como seria a vida da humanidade com Deus no Éden.

A analogia entre o tabernáculo e a criação leva a três observações importantes. Primeiro, os rituais encontram seu significado em relação à criação e, particularmente, nas primeiras narrativas do Gênesis. No Dia da Expiação, especialmente, encontramos a história da expulsão da humanidade do Éden invertida: como uma figura de Adão, o sumo sacerdote viajaria para o oeste através da entrada vigiada por querubins no jardim do Éden, isto é, através do véu bordado com querubins até ao santo dos santos levando o sangue da expiação. Neste santo dia de outono, os pecados do povo de Deus eram evidentemente removidos “quanto dista o oriente do ocidente” (Sl 103.12), quando o bode expiatório era levado para longe do Leste, o próprio tabernáculo, como morada de Deus e modelo do cosmos, era purificado ritualmente da impureza dos pecados de Israel.

Segundo, a analogia entre o tabernáculo e a criação também deixa claro que o drama de rituais como o Dia da Expiação, que purificava somente o modelo do cosmos, precisaria ocorrer no cenário da própria criação, em prol da casa original de Deus, o cosmos. Isso é parte da mensagem do livro de Hebreus, cujo autor transforma o escândalo de Jesus não ter uma linhagem levítica, excluindo-o do ministério sacerdotal, em uma necessidade lógica: Se Jesus fosse um levita, seus sacrifícios e ministério teriam sido limitado ao modelo do cosmos (isto é, o templo). Jesus, no entanto, realizou o verdadeiro Dia da Expiação ao entrar, não no modelo do paraíso celestial (o Santo dos Santos), mas na realidade, de fato, ele entrou no “próprio céu”, e isto não com o sangue de touros e cabras que representaram a vida da humanidade, mas com o seu próprio sangue (Hb 9. 11-15; 23-28).

Terceiro, quando Deus introduzir os novos céus e a nova terra, tendo a criação sido limpa pela obra expiatória de Cristo e renovada pelo fogo do Espírito Santo, não haverá mais necessidade de um templo – pois o povo de Deus habitará com Deus na própria casa de Deus que será a nova criação. O tabernáculo e o templo eram provisórios para a era entre a criação e a nova criação.

A aliança e o templo

Para entender o significado do tabernáculo na história, é necessário olhar – através da Escritura – para fora da criação e do tempo, para uma determinada vontade de Deus, uma vontade revelada na promessa da aliança repetida com frequência: “Andarei entre vó e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo”. Esse sentido triplo é recorrente, no todo ou em parte, por toda a Escritura, como o coração da aliança, o objetivo da criação e da redenção. De fato, o tabernáculo repleto de glória no final do livro de Êxodo já havia sido antecipado justamente por tais declarações da promessa da aliança: “E me farão um santuário, para que eu possa habitar no meio deles.” (Êx 25. 8) e “E habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus. E saberão que eu sou o Senhor, seu Deus, que os tirou da terra do Egito, para habitar no meio deles; eu sou o Senhor, seu Deus.” (29. 45 – 46). Mais tarde os profetas usariam o templo como um símbolo para esse relacionamento de aliança, declarando que Deus realmente redimiria e santificaria seu povo e moraria com ele (ver, por exemplo, Ezequiel 36. 26 – 27). Na aliança davídica, o papel do templo no plano de redenção de Deus eleva-se à proeminência singular.

Depois que Deus escolheu o Monte Sião como sua morada permanente, Davi expressou seu desejo de estabelecer uma casa permanente para Deus, isto é, construir um templo para ele (2Sam 7). Embora Davi tenha sido declarado incapaz de construir o templo devido ao seu derramamento de muito sangue, essa proibição foi dada dentro do contexto de suas guerras de conquista (1Rs 5. 3; 1Cr 22. 8; 28. 3). Uma vez que a transição da habitação móvel de Deus para o templo permanente pretendia transmitir a ideia de estabilidade, era mais apropriado que o filho e herdeiro de Davi, Salomão, cujo reinado refletia a estabilidade da sucessão dinâmica (em vez da conquista), construísse o templo. Mais profundamente, a resposta do Senhor a Davi sugere que, em última análise, um filho diferente de Salomão estava em mente, bem como uma casa diferente do edifício de Salomão. A língua hebraica usa o mesmo termo tanto para “casa” como para “lar” (no sentido de um agregado familiar), então os intérpretes deveriam avaliar o contexto para discernir qual ideia se deve transmitir.

Em 2Samuel 7. 1 – 7, Davi anseia construir uma casa para Deus. A resposta de Deus a Davi, no entanto, muda o significado do termo de “casa” para “lar”: o Senhor “fará de você um “lar” (v.11), como em uma casa real ou dinastia. Então Deus prometeu que o filho de Davi seria aquele que construiria “uma casa ao o meu nome” (v.13). A questão intrigante aqui é como o termo deve ser usado neste versículo: como “casa” ou “lar”? Dada a recente transformação do termo, por parte do Senhor, de uma “casa de pedra” para uma “casa de filhos”, sem mencionar suas relativamente indiferentes observações em relação à primeira (vv. 5-7), haveria um certo anticlímax na conclusão da história se consideramos que o filho de Davi construiria meramente uma casa de pedra.

Em vez disso, o rico jogo de palavras permite o cumprimento inicial, no templo de Salomão (1Rs 8), como um evento que apontou para uma realidade mais maravilhosa: Jesus Cristo, o Filho de Davi, que edificaria a igreja como um templo de pedras vivas. uma casa como a morada de Deus pelo Seu Espírito (Ef 2.19-22). O Novo Testamento retrata a salvação como homens sendo trazidos para a casa de Deus, tornando-se em filhos de Deus, sendo-lhe dado o nascimento celestial pelo seu Espírito (Jo 1.12-13; 3. 3-8; 1Jo 3.1). O povo de Deus é a sua casa e o seu lar.

Cristo e o templo

A transição da criação para a nova criação e do templo como casa para o templo como lar está centrado na pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. No prólogo do evangelho de João, lemos que o Filho se tornou carne e “habitou” entre nós, manifestando a sua glória (Jo 1.14, tradução do autor). Através da encarnação, o Eterno Filho se torna um templo, sua humanidade é a morada de Deus. Como templo, Jesus também é o caminho para Deus. Seu auto sacrifício na cruz da agonia expia nossos pecados, cumprindo o ritual sacrificial do antigo Israel. Muito apropriadamente, a crucificação de Cristo resultou em Deus rasgando o véu do templo (Mc 15.38), através do véu da carne de Jesus, o “novo e vivo caminho” para Deus foi aberto (Hb 10. 19-22).

Através de sua ressurreição e ascensão, Jesus levou a humanidade ao paraíso celestial, primeiro, através de sua própria natureza humana, e depois pela nossa união com ele, por meio do Espírito. Jesus é, de fato, a pedra que os construtores rejeitaram, mas a quem Deus vindicou como a principal pedra angular de seu templo vivo (1Pe 2. 4–10; Sl.118. 22). Pelo Espírito derramado, o povo de Deus, como pedras preciosas escolhidas, é levado à união com Cristo para formar a casa e o lar de Deus. Maravilhosamente, a igreja, o povo de Deus reunido para o culto comunitário, tornou-se o templo de Deus em quem habita o Espírito de Deus (1Co 3.16). Inevitavelmente, então, o tema do templo nas Escrituras chega à doutrina da união com Cristo.

Finalmente, o templo representa o propósito eterno e profundo de Deus em habitar em comunhão com o seu povo na criação. A morte de Jesus Cristo demonstra a “profundidade” divina de tal propósito e a união com Cristo a “altura” desse propósito, o amor que excede todo entendimento (Ef 3.17-19). Através da lente da criação e da aliança, o tabernáculo cheio de glória direciona os olhos da fé para a visão de João onde a igreja que desce do céu, é descrita como uma cidade-templo, a nova Jerusalém (Ap 21). A mesma glória alerta os ouvidos da fé para que ouçam a clara voz celestial dizendo: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21. 3). Dentro da casa de uma nova criação, o Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro serão o templo da igreja, e a igreja, o povo de Deus de todas as épocas e nações, será o templo de Deus. Então conheceremos a plenitude da vida com Deus na casa de Deus.

 

Tradução: Paulo Reiss Junior.

Revisão: Filipe Castelo Branco.

Original: The House of God.


Autor: L. Michael Morales

Dr. Michael Morales é presidente de Estudos Bíblicos na Reforma Bible College, e é autor de "O Tabernáculo pré-figurado" (The Tabernacle Pre-Figured).

Parceiro: Ministério Ligonier

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Ministério do pastor R.C. Sproul que procura apresentar a verdade das Escrituras, através diversos recursos multimídia.

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