quarta-feira, 1 de maio
temperamento

Meu filho está em pecado ou são apenas traços de temperamento?

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Construindo pontes, de Julie Lowe, Editora Fiel (em breve).


 

Ao procurar compreender e ajudar um jovem, é prudente perguntar quando as questões são de desenvolvimento e quando são questões morais (de pecado). Aquele comportamento desafiador é resultado da vontade e dos desejos pecaminosos ou apenas da imaturidade? Inicialmente, nem sempre é óbvio. Mas com sabedoria, tempo e vontade de se envolver com as lutas de uma criança, a clareza muitas vezes se desenvolverá.

Crianças e adolescentes, assim como os adultos, têm um coração sempre ativo e dinâmico. Eles são movidos por vontades, motivações, desejos e objetivos. Não há nada de passivo sobre como vivemos ou experimentamos o mundo. Vemos nas Escrituras e ao longo da história que, por causa do pecado, nossos desejos e motivações nos levaram a tentar criar substitutos para Deus. Queremos estar no controle, queremos ser o centro das atenções e queremos que todos os nossos desejos sejam realizados de acordo com os nossos próprios planejamentos. Nós, seres humanos, somos frequentemente tentados a trocar o Criador pela coisa criada – a estabelecer mini deuses que sirvam aos nossos propósitos. Esse é outro componente crítico a considerar ao conhecer uma criança e procurar entender suas necessidades quando elas vêm até você para obter aconselhamento.

Considere a diferença entre caráter e temperamento. O caráter é um comportamento moral aprendido; pode ser pecaminoso ou piedoso, moral ou imoral, egoísta ou altruísta. O temperamento (pontos fortes, fraquezas, talentos, inabilidades, qualidades e disposições inatas) abrange os traços inatos encontrados em cada pessoa; nós os consideramos como sendo de natureza criacional. Eles não são nem pecaminosos nem piedosos em si mesmos, simplesmente inclinados à personalidade.

O caráter abrange traços desenvolvidos e escolhas morais relaciona- das ao que e a quem uma pessoa se tornará. Os atributos de temperamento são qualidades inatas e tendências individuais que uma pessoa tem para ser introvertida ou extrovertida, barulhenta ou silenciosa, um seguidor ou líder, dependente ou independente, organizado ou desorganizado etc. As crianças são almas encarnadas, com temperamento e caráter que precisam ser molda- dos e desenvolvidos pelo evangelho.

Os pais muitas vezes têm dificuldades para saber se sua criança ou adolescente está lidando com um problema de pecado ou com uma força ou fraqueza física/de temperamento. Muitas vezes são ambos. Os jovens não sabem o que fazer quando têm dificuldade em prestar atenção, quando esquecem-se das coisas com frequência ou quando têm dificuldade com situações sociais, de modo que muitas vezes compensam de forma pecaminosa.

Algo que ajuda é ter uma estrutura bíblica forte para entender as crianças. Devemos olhar para a criança como um todo, um ser tanto espiritual como criacional/físico. Se ignorarmos a necessidade espiritual de fé e obediência, o pecado será justificado como “isso é apenas quem [ele ou ela] é”. Podemos justificar as tendências pecaminosas como se elas fossem simplesmente parte de uma força ou de uma fraqueza, ou podemos permitir que a maneira como a pessoa foi programada em seu temperamento seja corrompida pelo pecado e se torne egoísta por natureza.

Por outro lado, se ignorarmos as fraquezas criacionais e as diferenças individuais, transformamos as fraquezas de temperamento em questões de caráter e disciplinamos nossos filhos por coisas que não são imorais ou pecaminosas por natureza. Eles começam a se sentir condenados por coisas que são fraquezas genuínas e acabarão acreditando que Deus também os condena. Não queremos deixar de chamar de pecado o comportamento imoral; nem de fraqueza as coisas que são resultado de um corpo quebrado. Mesmo assim, porém, queremos que nossos filhos aprendam a confiar mais em Deus, cuja força se torna perfeita na fraqueza.

Dito isso, há vezes em que um traço inato de temperamento se torna um problema de caráter. Por exemplo, uma criança pode ter grandes dificuldades com atenção e organização (temperamento). Não lhe é algo natural saber organizar, ela tem memória ruim ou simplesmente não sabe por onde começar uma tarefa. Quando nós entendemos isso, não lhe imputamos falta; nós a ajudamos. Porém, quando é dada à criança as habilidades e os recursos para ajudá-la e ela escolhe não aplicar as ferramentas, essa escolha passa a ser um problema de pecado (caráter). A escolha pecaminosa pode ser motivada pela preguiça diante do esforço necessário ou por uma falta de preocupação sobre como essa decisão impactará as pessoas ao seu redor. Também pode ser que ela evite tentar realizar o que parece ser intransponível. Independente do motivo, a criança é alguém que responde moralmente nas escolhas que faz. Quanto mais entendemos o que se passa por trás do comportamento, maior o sucesso que teremos ao abordar o problema.

Aconselhar uma criança através dessa lente também significa aprender a contextualizar a Escritura para que ela se ajuste à criança ou ao adolescente que está à nossa frente. As fórmulas e os ideais encalham porque presumimos que, se ligarmos cada criança às nossas fórmulas, todas elas se sairão como crianças de um cartaz prontas para o sucesso. Em vez disso, os jovens que tentamos ajudar com fórmulas superficiais são frequentemente atrapalhados ou prejudicados. Ao nos aproximarmos para ministrar a esses jovens, seria útil nos perguntarmos se estamos nos tornando perspicazes em conhecer bem essa criança. Do que essa criança em particular precisa?

Talvez o que devemos enfrentar é a necessidade de sabedoria para trazer à tona o coração dos jovens. Há tanto sabedoria quanto habilidade em lavrar o que é caracterológico ou comportamental na natureza e o que são fraquezas inatas ou traços de desenvolvimento que produzem dificuldades, mas não são pecaminosos por natureza. Quando algo simplesmente requer mais maturidade, mas é apropriado para a fase de desenvolvimento em que uma criança se encontra, e quando um pai ou um adulto deve se preocupar com o comporta- mento de uma criança?

Há algumas situações que são bastante simples. Uma criança está fingindo ser quem não é na escola devido à ansiedade, ao ciúme ou à dinâmica familiar em casa. Nós abordamos isso, substituímos o que motiva o comportamento e vemos mudanças. Há outras situações em que a complexidade é abundante. Uma criança tem mau comportamento, está agindo pecaminosamente, está sendo maltratada, tem dificuldades de aprendizagem ou está ficando para trás na escola e se sente rejeitada. Por onde começamos a ajudar uma criança assim? Essas são as situações nas quais devemos nos tornar mais perspicazes e competentes para enfrentar.

Consideremos outro cenário. Bento é um garoto de nove anos. Bento é mais forte e maior do que a maioria dos meninos de sua idade; ele se parece mais com um garoto de doze anos. Bento é enérgico, forte e agressivo com as crianças na escola. Ele gosta de se vangloriar de como é bom em quase tudo. Sua bravura é um disfarce para o fato de que ele está realmente em dificuldades acadêmicas. Ele está abaixo do nível escolar em matemática e leitura e tem um desempenho acadêmico ruim. Ele se sente inseguro e burro, então tenta compensar se encaixando com os garotos durões. Ele não presta atenção às instruções e disfarça suas dificuldades agindo como se estivesse entediado ou atrapalhando a aula. Seu desenvolvimento emocional parece estar atrasado; ele parece não saber ou não se preocupar com o impacto de suas ações naqueles ao seu redor.

Em casa, Bento brinca com dinossauros em miniatura, muitas vezes encenando suas dificuldades sociais por meio de brincadeira. Bento vem de uma família divorciada. Ele vive com sua mãe e visita o pai nos fins de semana. Seu pai é um alcoólatra que usa a intimidação como uma forma de criação de filhos. Sua mãe trabalha longas horas e se sente sobrecarregada com as necessidades de Bento.

Bento é um quebra-cabeça, e o adulto cuidador ou o conselheiro atencioso precisarão de sabedoria para que as peças se encaixam e para entender do que ele precisa para prosperar. Ele não se encaixa perfeitamente em um mapa de desenvolvimento, nem luta apenas com questões comportamentais ou tendências pecaminosas, nem podemos classificar tudo como uma deficiência. Sua situação familiar o afeta, mas isso também não explica todas as suas dificuldades. Como daremos sentido ao que está acontecendo na vida desse jovem menino e onde começaremos a ministrar a ele?

Como mencionado anteriormente, às vezes, quando uma criança está atrasada ou mesmo avançada em uma determinada área de desenvolvimento, isso pode causar desafios que prejudicam seu crescimento ou seus relaciona- mentos. As crianças podem se sentir estranhas ou diferentes de seus pares quando não têm experiências de desenvolvimento compartilhadas. Isso é ver- dade no caso de Bento. Ele tem tido dificuldades acadêmicas e está atrasado nas aulas. A desconexão entre seu desenvolvimento físico avançado e seu déficit emocional e acadêmico cria um abismo de frustração e dificuldade com seu grupo de colegas. Acrescente a essa luta a dor de uma família fraturada e de um relacionamento difícil com seu pai. Bento e sua mãe precisam de alguém que caminhe ao lado deles e o ajude a dar sentido ao seu mundo e a aprender a seguir em frente de uma forma saudável.

À medida que desenvolvemos nossa capacidade de reconhecer as questões de desenvolvimento e as escolhas de caráter/comportamento, nos torna- remos mais sábios na compreensão tanto dos problemas quanto das soluções. Podemos ajudar a trazer luz e recursos às áreas onde a pessoa é fraca, e corretamente confrontar e desafiar o crescimento nas áreas onde a pessoa precisa abrir mão de sua agenda pessoal para se conformar a Cristo.

 

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Autor: Julie Lowe

Julie Lowe, MA, é membro do corpo docente do CCEF e conselheira profissional licenciada com quase duas décadas de experiência em aconselhamento. Julie também é ludoterapeuta registrada e desenvolveu um consultório nessa área no CCEF para melhor atender famílias, adolescentes e crianças. Julie é autora de vários livros na área de aconselhamento.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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