domingo, 17 de novembro
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Mortificação (parte 1)

O texto abaixo foi extraído do livro Vocábulos de Deus, de J I Packer, da Editora Fiel, reedição 2017

 

O crente está empenhado em uma luta, que perdura sua vida inteira, contra o mundo, a carne e o diabo. A mortificação é sua investida contra o segundo desses adversários. Dois textos paulinos mostram que se trata de um ingrediente essencial à vida cristã: “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena” (Cl 3.5). “Se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, certamente vivereis” (Rm 8.13). Cada um desses textos usa um verbo diferente, no original grego, embora sejam sinônimos. No segundo texto, o verbo está no presente, dando a entender que a mortificação deve ser contínua (Se… continuardes a mortificação… vivereis). No primeiro texto, o verbo está no aoristo, implicando que a mortificação, uma vez iniciada, se completará com bom êxito.

O primeiro dos dois textos diz-nos que o privilégio cristão torna a mortificação obrigatória. Paulo argumenta, em Colossenses 3.1-5, que visto sermos participantes da vida ressurreta de Cristo, cidadãos dos céus cujas expectativas estão nas regiões celestes, não mais filhos da ira, mas filhos de Deus e herdeiros da glória, devemos conduzir-nos convenientemente com nossa posição; precisamos ser o que somos hoje, não o que éramos outrora. Portanto, “fazei… morrer a vossa natureza terrena” (Cl 3.5). O segundo texto informa-nos que a mortificação é necessária como meio para chegarmos a um fim. Ela é o caminho para a “vida”, para o bem-estar espiritual neste mundo e para a glória com Cristo, no mundo vindouro. A mortificação não compra para nós a vida eterna (Cristo já fez isso por nós), mas faz parte da “operosidade da vossa fé” (1Ts 1.3), por meio da qual adquirimos e mantemos o dom gratuito de Cristo (cf. 1Tm 6.12; Fp 3.12-14). Ela é uma daquelas “obras” sem as quais a “fé” a profissão de fé é “morta” (Tg 2.26). O argumento de Paulo pode ser expandido assim: Se quisermos assegurar a nossa chamada e a nossa eleição, por mostrar que a nossa fé é autêntica, se quisermos correr de tal modo a alcançar e viajar de modo a chegar, então devemos mortificar o pecado. Observou seriamente John Owen: ”Aquele que, em seu caminho, não aniquila o pecado, não está dando passos em direção ao final de sua jornada”.

A evidente importância desse assunto faz parecer lamentável e estranha a duradoura negligência dos crentes para com o mesmo. As causas dessa negligência talvez incluam a aversão dos evangélicos ao externalismo da tradicional mortificação católica romana (vestir cilício, ficar horas mergulhado em água gelada e coisas dessa natureza), na qual o objeto de ataque parece ser o corpo, e não o pecado residente na alma. E a censura de Colossenses 2.23 obviamente aplica-se aos tais. Porém, uma causa mais profunda dessa negligência é a superficialidade da compreensão e da experiência cristã em nossa época. Visto que conhecemos tão pouco a Deus e que, por isso, dificilmente conhecemos a nós mesmos, e visto que a maioria de nós pensa que o autoexame é algo ultrapassado e mórbido, dificilmente temos consciência do pecado no íntimo.

Há uma antiga comédia na qual um leão fugitivo toma o lugar de um cão peludo, ao lado de uma poltrona. O cômico, afetuosamente, passa os dedos pela juba do leão por diversas vezes, antes de notar que, conforme costumamos dizer, ele tinha um problema nas mãos. Agimos desse modo, no tocante aos nossos hábitos pecaminosos. Tratamo-los como amigos, não como assassinos, e jamais suspeitamos como o pecado, quando permitido no íntimo, debilita e enfraquece o crente.

 

(Leia mais um trecho deste capítulo na próxima postagem)

 

 

Isso, podemos temer, é porque somos vítimas do pecado, sem sabermos o que realmente significa estarmos vivos em nosso relacionamento com Deus, tal como as crianças aleijadas de nascença nunca sabem o que é correr livremente, ato muito diferente de manquejar. Tal é o merecido castigo de nossa atual negligência quanto à mortificação.

Assim sendo, a mortificação é um tema sobre o qual parece não haver qualquer tratamento contemporâneo de valor em evidência. Se quisermos ajuda, para melhor entendermos o ensino bíblico sobre este assunto, devemos voltar aos escritos dos grandes Puritanos do século XVII, “uma época”, escreveu o bispo J. C. Ryle “em que, sou forçado a dizer, a religião experimental era mais profundamente estudada e muito melhor compreendida do que atualmente”. As obras mais úteis sobre esse o tema são as de John Owen, que Spurgeon chamou de “o príncipe dos teólogos”. Essas obras são: The Nature, Power, Deceit, and Prevalency of the Remainders of lndwelling Sin in Believers – A Natureza, o Poder, o Engano e a Providência das Reminiscências do Pecado que Habita nos Crentes e a seção sobre a “Mortificação” (Livro 4, capítulo 8), em A Discourse Concerning the Holy Spirit Um Discurso Acerca do Espírito Santo (Works, W. Goold, vols. 6 e 3). Este escritor sente-se na obrigação de dizer que deve a esses tratados, com títulos assustadores, não meramente grande parte do material deste estudo, mas quase toda a luz que tem recebido sobre os temas envolvidos neste estudo.

Mortificação é guerra; e existem quatro passos a serem dados, se tivermos de ganhar a batalha.

 


Autor: J. I. Packer

James Ian Packer (Gloucester, 22 de julho de 1926) é um teólogo anglicano e professor de teologia no Regent College, em Vancouver, Canadá. Seus livros já venderam mais de três milhões de exemplares. Entre os seus livros publicados em português estão O Conhecimento de Deus, Esperança, Na Dinâmica do Espírito, Entre os Gigantes de Deus e Os Vocábulos de Deus. Foi editor da revista Christianity Today (Cristianismo Hoje) e membro do comitê de novas traduções da Bíblia.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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